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Rio Xingu entre a eletricidade e a diversidade

Tierra América - www.tierramerica.info
Autor: Mario Osava
12 de Jul de 2010

Herculano Porto de Oliveira foi obrigado a "viver escondido em minha própria terra, sem ter brigado com ninguém e nem nunca ter roubado", apenas por usufruir da biodiversidade da bacia do Rio Xingu, na Amazônia brasileira, onde nasceu há 66 anos. Uma dezena de militares enviada pelo governo protegeu durante dez meses a vida de Herculano e de seus companheiros, ameaçados por pistoleiros de uma empresa que pretendia expulsá-los e assumir a área ocupada há um século por estas famílias de seringueiros, que chegaram a este local da Amazônia oriental vindos do Nordeste, em busca da prosperidade da borracha natural.

Herculano e seus companheiros sofreram dois anos de "avisos" - agressões, fugas, tentativas de atentados e subornos - até novembro de 2004. Nessa data, essas famílias isoladas na chamada Terra do Meio conseguiram transformá-la na Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio, por meio de um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que garantiu a posse das terras e seu modo de vida. O Riozinho do Anfrísio desemboca no Rio Iriri, o maior afluente do Xingu, no Estado do Pará.

"Lula nos animou criando a reserva, mas agora nos desanima com Belo Monte", lamentou Herculano ao Terramérica, se referindo à hidrelétrica que o governo decidiu construir no Rio Xingu, aproveitando um desnível de 85 metros em uma curva do Rio chamada Volta Grande. Uma das represas previstas no projeto inundará partes baixas de Altamira, incluindo a pequena casa que ele adquiriu há dois anos para acolher a gente da Resex quando precisa de assistência médica e outros serviços nesta cidade ribeirinha de cem mil habitantes.

As poucas viagens de barco para a cidade gastam "três dias na baixa e quatro na cheia" do rio, e chegam a oito ou dez jornadas durante a estiagem, quando emergem as pedras escondidas no Rio, afirmou. O Estudo de Impacto Ambiental do projeto de Belo Monte reconhece que as águas cobrirão as casas de 16.420 moradores de Altamira e de 2.822 moradores da área rural.

Serão, pelo menos, 50 mil desalojados, 30 mil apenas em Altamira, assegura Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo, que reúne mais de cem organizações em dura oposição às hidrelétricas na bacia deste rio, que se destaca por sua imensa diversidade biológica e social. Além de muitas espécies animais e vegetais que vivem apenas aqui, há 30 áreas indígenas habitadas por mais de 13 mil pessoas de 24 etnias, e 12 áreas de conservação, entre elas quatro reservas extrativistas e outras de proteção integral.

Um mapa elaborado pelo não governamental Instituto Socioambiental (ISA) mostra como os "mosaicos" de áreas protegidas compõem uma barreira ao desmatamento amazônico que avança pelo leste e pelo sul. Estas defesas são ameaçadas agora desde o norte, por Belo Monte e a pavimentação da rodovia Transamazônica, e desde o sul, no Alto Xingu, onde se acelerou muito o desmatamento com o avanço pecuário, agrícola e madeireiro.

Belo Monte representa "o início de um novo ciclo de extinção", disse o sociólogo André Villas-Bôas, coordenador do programa Xingu, do ISA. "Agora se trata de comer o rio, além da floresta", disse. A hidrelétrica é "um fato consumado", apesar das ações judiciais que buscam impedir sua construção, prevista para os próximos cinco anos. E também exigirá outras represas na mesma bacia, por uma questão de viabilidade econômica e energética, preveem Vilas-Bôas e outros críticos.

É que Belo Monte terá uma potência de 11.233 megawatts, mas uma geração média anual de apenas 40%, porque no verão amazônico, a estação da seca do segundo semestre do ano, o fluxo hídrico do Xingu baixa para apenas mil metros cúbicos por segundo, enquanto é de 20 mil metros cúbicos na temporada chuvosa. A construção de represas rio acima, prevista nos planos traçados na década de 80, regularizaria o fluxo e ampliaria a geração elétrica efetiva de Belo Monte.

Nenhum instrumento legal consolida a promessa governamental de limitar-se a esta única hidrelétrica no Xingu, disse Hermes Medeiros, professor de Ecologia da Universidade Federal do Pará, em Altamira. Belo Monte já representa uma grave ameaça à biodiversidade do Xingu, segundo o biólogo, que participou de um painel de 40 especialistas que criticaram as insuficiências e os erros do Estudo de Impacto Ambiental empregado para aprovar o projeto.

O complexo de represas e um desvio do curso das águas não só reduzirá de forma drástica o fluxo no trecho de cem quilômetros de Volta Grande, com a provável extinção de várias espécies de peixes e a redução de outras, com mudará a ecologia de todo o Xingu, alertou Medeiros. A Volta Grande, mais de cem quilômetros de correntes e cascatas, constitui uma barreira natural à migração da fauna aquática, pois divide o Xingu em duas partes ecologicamente muito distintas, destacou. Essa função se perderá quando forem construídas as eclusas de Belo Monte, no local onde termina o trecho mais acidentado do rio e será instalado o dique mais alto e a turbina principal.

Haverá, então, uma troca entre o Baixo e o Médio Xingu. A introdução de espécies de fora é motivo de um amplo processo de extinção nos ambientes aquáticos, disse o especialista. A perda de diversidade biológica também é uma questão econômica e social, porque constitui a fonte de alimentos e renda de milhões de pessoas na Amazônia, disse, por sua vez, Juarez Pezzuti, biólogo da Universidade do Pará, especialista em quelônios.

A gente do Riozinho do Anfrísio e de outras reservas extrativistas vive da pesca e coleta de castanha, andiroba (Carapa guianensis Aublet) e copaíba (Copaifera officinalis), cujos óleos têm grande demanda na indústria cosmética. A caça de quelônios e de outros animais serve para consumo próprio, explicou Herculano. Os quelônios também sofrerão rio abaixo, na área do Tabuleiro do Embaubal, que se destaca pela grande concentração de tartarugas da Amazônia, disse Juarez. Sua reprodução pode ser prejudicada por alterações na qualidade da água e pela redução das praias, que deixarão de receber os sedimentos retidos nas represas.

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