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Rio 'engole' bairros inteiros em Porto Velho

OESP, Metrópole, p. A24
23 de Mar de 2014

Rio 'engole' bairros inteiros em Porto Velho
Com regiões submersas, Rondônia já tem 4 mil desalojados; situação ainda vai piorar

PABLO PEREIRA , ENVIADO ESPECIAL / PORTO VELHO - O Estado de S.Paulo

As águas do inverno amazônico, que provoca cheia histórica no Rio Madeira, atingiram ontem pela manhã a marca recorde de 19,40 metros em Porto Velho, capital de Rondônia. Na sexta-feira, a Sala de Situação da Defesa Civil do Estado havia registrado 19,36 metros. Uma dezena de bairros da cidade tem ruas alagadas e vilas ribeirinhas inteiras foram engolidas pelo rio, desalojando cerca de 4 mil pessoas na região. E o quadro ainda deve se agravar nas próximas duas semanas.
A previsão de ampliação da crise no Madeira é de relatório do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), de Porto Velho, finalizado na manhã de sexta-feira. "Chuvas volumosas são esperadas, principalmente em Rondônia, no Mato Grosso e nas áreas a leste dos Andes peruanos e bolivianos, pelo menos até o próximo dia 23 (hoje)", diz estudo do Centro Gestor e Operacional do Sipam, que subsidia as ações da Defesa Civil.
A notícia de que mais água deve elevar a medição, registrada todos os dias às 7 horas, preocupa a Defesa Civil e provoca apreensão nos moradores, que desde o Natal estão sofrendo com a cheia. No dia 15 de fevereiro, a água bateu na marca de 17,57 metros, superando o registro de 1997, de 17,52 metros. Com a expectativa de mais chuvas na bacia do Madeira, formada principalmente pelos Rios Mamoré e Guaporé, mais o Beni, na Bolívia, técnicos do Sipam trabalham com a possibilidade de a medida chegar a 19,50 metros.
De acordo com Ana Cristina Strava Corrêa, coordenadora operacional do Sipam, que é vinculado ao Ministério da Defesa, as chuvas que em outros anos se formavam quando a umidade da Amazônia, empurrada por ventos do Atlântico, chegavam à Cordilheira dos Andes e, de lá, baixavam na direção do Sudeste e Sul do Brasil, chegando a São Paulo, Paraná, Santa Catarina, desta vez caíram antes. "Estão na área da Bolívia, formadora da bacia do Madeira", explicou a técnica. A bacia do Madeira mede 1 milhão de metros quadrados.
Com dados do satélite TRMN, da Nasa, ela apontou ainda a existência de outros fenômenos climáticos locais que coincidem com a migração de massas úmidas, conhecida pelos especialistas como "Rios Voadores". Daí o volume recorde de água na região desde outubro, que até a primeira quinzena de abril ainda deve elevar o nível do rio e espalhar suas margens por até 5 quilômetros mata adentro.
É tanta água descendo que, de quarta para quinta-feira a medição mostrou uma rápida elevação: 10 centímetros em 24 horas, segundo o tenente coronel Demagli Farias, um dos líderes da operação especial da Defesa Civil em Porto Velho. Farias, que trabalhava na construção de um acampamento com 180 barracas de lonas para desabrigados, cada uma com capacidade para abrigar até 10 pessoas, no parque dos 3 Tanques, no bairro Nacional, disse que a expectativa é a de que o rio somente se estabilize "a partir do dia 15". "O que estamos vendo hoje em Porto Velho é a chegada das águas que caíram há cinco dias na Bolívia", declarou o militar.
Somente na capital, há cerca de 400 famílias vivendo em escolas e ginásios. E, com as águas subindo, todo dia as equipes de bombeiros e voluntários resgatam mais moradores isolados. "Precisamos desocupar as escolas para que as crianças da rede possam ter aulas", disse o coronel. "E podemos armar mais 180 barracas", informou Farias.

Especialista culpa a barragem; empresa nega impacto

A enchente do Madeira poderia ser controlada se a Usina Santo Antônio, construída na curva do rio que antecede a cidade de Porto Velho, tivesse feito diques. A opinião é do físico Artur Moret, da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), um crítico da obra da hidrelétrica local. De acordo com ele, os diques não foram construídos "por contenção de custos". E acusa a Santo Antônio Energia de não ter estudos de impacto de vizinhança, que poderiam prever o comportamento anormal do rio em cheias.
"Em relação à barragem, as chuvas acabaram provocando dois problemas", afirmou. O primeiro está na área acima da barragem, que teve o lago estendido pela cheia provocando alagamentos que chegam à BR 364 e interrompendo o tráfego de veículos para o Acre. Outro ponto, segundo Moret, é o efeito da barragem abaixo da obra, ou seja, o remanso na área de Porto Velho, enchendo igarapés e bairros em que a água não chegava antes.
Procurada, a Santo Antônio Energia disse que as críticas que relacionam a empresa à enchente não fazem sentido.

Vila é abandonada e vira cidade-fantasma
Após alagamento, os cerca de 2 mil moradores deixaram o local, que deve ser reconstruído em uma colina próxima

PORTO VELHO - O Estado de S.Paulo

Em São Carlos do Jamari, distrito a duas horas de barco rio abaixo, o Madeira invadiu tudo no Natal, e de lá para cá só sobe. O chão da vila sumiu. As ruas são percorridas de lanchas, barcos e canoas. O local deve ser totalmente reconstruído em uma colina do outro lado do rio.
"É uma tristeza", disse, na manhã de quinta-feira, o pescador Lourenço Gomes Lima, de 33 anos, que rondava a própria casa alagada. "Nunca se viu isso aqui. No inverno, o rio até subia o barranco, mas não entrava desse jeito", contou, explicando que a população, de cerca de 2 mil pessoas, foi embora. A energia da comunidade foi cortada e só um grupo de cerca de 50 homens permanece por lá para tentar impedir o roubo de objetos que a água não destruiu.
Na vila, a água cobriu a praça central, que ainda estava em construção. No local, uma placa da prefeitura de Porto Velho informa o valor da obra: R$ 806 mil. "Aqui não dá mais para ficar e dizem aí que vão construir uma nova São Carlos", comentou o pescador Lima. "Lá, é bem mais alto do que aqui."
Medo. "Aí para dentro assaltaram umas casas", disse Edivam Mendes de Britto, 50 anos, morador que se reveza com parentes na vigília do alto de uma construção de dois andares ao lado do campo de futebol, na entrada de São Carlos.
Perto do campo, Érico Esteves, chefe do posto de saúde da vila, também inundado, é mais uma sentinela de São Carlos. A preocupação dele, que também teve a casa inutilizada, é com as doenças da enchente, que começam a aparecer. "Tem vindo aqui gente com febre", disse o agente de saúde, que mantém seu posto de atendimento montado sobre um flutuante.
A médica da Saúde da Família da comunidade, a cubana Neida Hernandez de Castro, também foi embora. E o prédio da unidade de saúde está com o Madeira entrando pelas janelas. "O problema aqui agora é água", afirmou Esteves, emendando logo: "Água para beber". Com a enchente, o abastecimento de água potável é precário, levado só por equipes de socorro. Mas demora a chegar. / P.P.

OESP, 23/03/2014, Metrópole, p. A24

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