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Rio agoniza um ano após vazamento de pesticida

OESP, Vida, p. A24
25 de Out de 2009

Rio agoniza um ano após vazamento de pesticida
Paraíba do Sul sofre com a redução do número de espécies de peixes

Clarissa Thomé

Quase um ano depois de um dos piores acidentes de sua história - o vazamento do pesticida endossulfan -, o Rio Paraíba do Sul ainda agoniza. Os peixes rarearam. Espécies como dourado, piau vermelho e cascudo preto e pintado não foram mais vistas. Em um esforço com empresas privadas para recuperar a vida no rio, o governo iniciou um programa para devolver ao Paraíba do Sul 1 milhão de peixes em dois anos. Até agora, 90 mil filhotes (alevinos, no jargão técnico) foram lançados, mas eles só começarão a procriar em dois anos.

O acidente aconteceu na noite de 18 de novembro, durante procedimento de envase do pesticida na Servatis, em Resende, no sul fluminense. Um caminhão com 30 mil litros da substância seguiu da área de sintetização para o tanque. No processo, uma mangueira se soltou, despejando o pesticida em um dique de contenção. "Uma válvula de descarte do dique de águas pluviais dava passagem. O operador não percebeu porque não estava presente. Fizemos a testagem assim que percebemos a coloração leitosa da água do dique", relembra o gerente de Meio Ambiente da Servatis, Guilherme Gama.

Oito mil litros de endossulfan vazaram e percorreram os 500 quilômetros do rio, entre Resende e a Praia de Atafona, em São João da Barra, no norte fluminense, onde está localizada a foz do Paraíba do Sul. Por todo o caminho, o veneno deixou centenas de toneladas de peixes mortos.

Esses peixes se estenderam por 32 quilômetros da orla de São João da Barra. Em Barra Mansa, pescadores retiraram 3 mil quilos de dourados, curimbas e piaus. "Foi a única vez na minha vida que peguei um piauçu de 20 quilos. Só que ele já estava morto", lamenta o pescador Sérgio Coelho, de 56 anos, presidente da Associação dos Canoeiros Defensores da Natureza de Barra Mansa.

"O endossulfan atinge o sistema nervoso central dos peixes, causando paralisia nos órgãos internos e matando os animais", explica o biólogo Guilherme Souza, diretor técnico do Projeto Piabanha, que se dedica ao repovoamento dessa espécie no Paraíba do Sul.

O impacto foi ainda maior porque o acidente ocorreu no momento da piracema, quando os peixes sobem o rio para se reproduzir. "Esse acidente foi muito mais grave do que o vazamento de uma indústria de papel, em 2003. Naquela época, o rio foi atingido por matéria orgânica. Dessa vez, foi um produto extremamente tóxico, que dizimou a vida por onde passou", afirma o biólogo.

Pesca proibida

A pesca permanece proibida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Cerca de 1,7 mil pescadores vinham recebendo um seguro, mas o pagamento foi suspenso em agosto. "Os pescadores voltaram ao rio, mas pegam peixes abaixo da medida, peixes jovens que seriam reprodutores em um ano", diz Souza. O Estado procurou o Ibama e o Ministério do Trabalho, mas não obteve resposta sobre a interrupção do pagamento.

"Não temos um estudo, mas houve uma grande redução na população de peixes do Paraíba do Sul, principalmente das espécies mais sensíveis", diz o chefe do serviço de monitoramento no Médio Paraíba do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), José Roberto de Souza.

Em maio, quando exames mostraram que já não havia mais sinais do agrotóxico na água nem nos sedimentos, foi traçado o plano de repovoamento do rio, que conta com a participação de empresas como Light e Votorantim.

O último lançamento do ano, ocorrido na semana passada, foi financiado pela Servatis. A empresa soltou 2 mil piabanhas e 20 mil curimatás, em um acordo firmado que não exime a companhia da multa de R$ 33 milhões, ainda não paga.

"Retomamos programas de recuperação da mata ciliar e o monitoramento do rio. Não podemos esperar que morra peixes para saber que o rio vai mal", afirma o vice-presidente do Inea, Paulo Schiavo.

A Servatis também anunciou investimento de R$ 1,2 milhão para a construção de cinco tanques para a produção de filhotes de peixes e a criação de cinturão verde ao redor da fábrica, entre outras ações.

"Episódios como esse não podem se repetir. Se o rio continuar a ser bombardeado por vazamentos das indústrias ou pelo esgoto sem tratamento, em breve, a única água que teremos será as de nossas lágrimas de lamento, como me disse um menino de 11 anos no momento do acidente", comentou Roberto Silva, diretor de Meio Ambiente da Associação de Canoeiros de Barra Mansa.

Anvisa quer proibir uso de produto no País

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quer banir do País o uso do endossulfan, agrotóxico que causou a poluição no Rio Paraíba do Sul. A proposta da agência prevê ainda que a importação seja suspensa e o registro de novos agrotóxicos feitos com essa substância, proibido.

O endossulfan é uma das 14 substâncias em processo de reavaliação pela Anvisa. A primeira foi a cihexatina, matéria-prima para sete agrotóxicos, proibida desde junho. A resolução da Anvisa determina que essa substância seja banida até 2011. Até lá, poderá ser usada na cultura de citros, no Estado de São Paulo.

A agência ainda não decidiu sobre o endossulfan e a consulta pública permanece aberta até 4 de novembro. No Rio, a Assembleia Legislativa está prestes a votar projeto de lei que proíbe a produção do endossulfan no Estado. "O Rio não tem nenhuma cultura que dependa desse agrotóxico e não há razão para que ele seja produzido aqui. É um produto altamente tóxico, que já foi banido de vários países do mundo", afirmou a secretária de Estado do Ambiente, Marilene Ramos.

O presidente da Servatis, Ulrich Meier, diz que no Brasil não existem produtos que possam substituir o endossulfan. "A proibição da substância hoje significaria aumento de custos de 264% nas culturas de cana-de-açúcar e algodão. Na Europa não há esse tipo de plantação. A agricultura é um fator econômico importante para o País, que tem que ser competitivo globalmente e precisa de insumos que caiam bem na planilha de custos", defendeu.

A Servatis, que recorreu da multa de R$ 33 milhões, não produz o endossulfan desde o acidente por determinação da Comissão Estadual de Controle Ambiental. A planta da fábrica foi reformulada para que o agrotóxico seja sintetizado e envasado no mesmo lugar, sem que haja necessidade do transporte, que acabou provocando o acidente. "Tivemos um prejuízo de R$ 21,6 milhões e estamos estudando novos produtos para substituir a receita do endossulfan, caso não sejamos autorizados a voltar a produzi-lo."

A empresa responde a processos por danos morais e materiais movidos por pescadores impedidos de trabalhar.

OESP, 25/10/2009, Vida, p. A24

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