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Revitalização da Serra do Mar vai remover 15 mil

OESP, Metrópole, p. C9
08 de Mar de 2008

Revitalização da Serra do Mar vai remover 15 mil
Conjuntos habitacionais devem abrigar moradores que ocupam de forma irregular os bairros-cota de Cubatão

Vitor Hugo Brandalise

Um ambicioso projeto de revitalização pretende modificar a paisagem da Serra do Mar nos arredores de Cubatão, na Baixada Santista. Nas encostas, dividindo o espaço com a vegetação nativa, hoje vivem cerca de 25 mil pessoas, em ocupações irregulares nos chamados bairros-cota e nas áreas de mangue. Com a construção de um novo conjunto habitacional na região, o governo do Estado quer restaurar e preservar o bioma local - diminuindo em 60% a população das encostas, que cairá para cerca de 10 mil pessoas.

As 7.500 famílias que ocupam irregularmente as áreas de preservação, segundo diagnóstico do governo do início do ano passado, produzem danos ambientais irreversíveis e vivem sob constante risco de deslizamento de terras. O último passo na luta contra as invasões foi dado na semana passada, com a publicação no Diário Oficial do Estado do resultado da concorrência pública para execução de obras no bairro Jardim Casqueiro, em Cubatão. Lá, em um terreno de 180 mil m2 - utilizado anteriormente para a concentração de blocos de carnaval e como arena de rodeios - serão construídas 2 mil unidades habitacionais, que abrigarão cerca de 7 mil pessoas que deixarão a serra. O custo da obra é de R$ 6,3 milhões - um deságio de R$ 3 milhões em relação ao orçamento inicial, de R$ 9,3 milhões.

"Esta é somente a primeira fase de um plano estratégico de revitalização da Serra do Mar que deve durar de 5 a 6 anos", afirma o secretário de Habitação do Estado, Lair Krähenbühl. A previsão do governo é de que as obras no Jardim Casqueiro fiquem prontas até o fim de 2009 - data em que as famílias devem começar a deixar as encostas. "Os moradores só sairão de suas casas quando tudo estiver pronto. E ninguém ficará sem assistência: quem sair do bairro terá onde morar e quem ficar será regularizado", diz.

Além do novo conjunto habitacional, outros três locais devem abrigar os moradores que deixarem a serra. Também em Cubatão, os Bolsões 7 e 9, outros conjuntos habitacionais da Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU) no município, vão abrigar 1.800 famílias. Além disso, a CDHU adquiriu 800 imóveis vinculados à Caixa Econômica Federal, nas cidades de Santos, Itanhaém, São Vicente, Peruíbe e Praia Grande - para esses locais, a prioridade é enviar moradores que tenham emprego fixo na Baixada Santista.

Quem vive por ali, porém, demonstra preocupação com o futuro - diz não querer sair das casas em que nasceram para viver em "pombais". 'Quando vêm até aqui, os técnicos da CDHU dizem uma coisa, mas depois não é nada do que prometeram. Levam as pessoas para verdadeiros pombais', afirma o líder comunitário do bairro da Água Fria, no sopé da serra, Sérgio Araújo. "A maioria vende os apartamentos e volta para as favelas. A solução é regularizar as casas da comunidade."

Na Água Fria, bairro que fica às margens do Rio Cubatão, vivem cerca de 5 mil pessoas em 1.265 ocupações irregulares, sem tratamento de esgoto ou água encanada - a captação é feita clandestinamente, de uma estação da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A situação dos outros bairros da região é semelhante. "Não tem jeito. Queremos que as pessoas se sintam bem em deixar a Serra do Mar. Não construímos somente casas, mas sim bairros, com escolas, saneamento básico e proximidade dos locais de trabalho", diz o coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, coordenador das ações do governo estadual para acabar com as invasões na Serra do Mar.

Na cruzada contra o aumento populacional, a Polícia Ambiental intensificou a fiscalização de novas ocupações e limitou até reformas nas casas existentes. "Congelamos as casas no morro. Fizemos isso para que não haja adensamento na região por pessoas que esperam indenizações, após a notícia de que haverá um desalojamento", afirma Eclair. "Mas claro que, se cair uma telha, o morador poderá consertar." Para monitorar ocupações e reformas irregulares, 76 homens da Polícia Ambiental se revezam, 24 horas, em 11 viaturas, nas ruas dos bairros onde existem ocupações.

'Será que serei tataravó na Cota?', pergunta moradora
Parte das famílias chegou na época da construção da Anchieta e teme distanciamento de parente Cotas 400, 500 e Água Fria desaparecerão

Vitor Hugo Brandalise

Tudo o que a empregada doméstica aposentada Maria Leonilda Ponciano, de 82 anos, quer é que a família continue unida, como hoje, na Cota 200. Ao redor da casa de dois andares onde vive com a filha, o genro e quatro netos, ela aponta, dedo em riste, outras 16 moradias habitadas no morro por integrantes da família. São 84 parentes, entre irmãos, filhos, netos e bisnetos, todos moradores do bairro, no meio da Serra do Mar, em Cubatão. "E meu bisneto vai ser pai. Será que serei tataravó aqui na Cota?"

Maria veio de Minas para a Serra do Mar quando tinha 5 anos, acompanhando o pai, que trabalhou na construção da Via Anchieta, na década de 1930. As histórias dela e dos bairros-cota se confundem. A ocupação da área de serra começou exatamente com os acampamentos de operários que construíram a rodovia, em 1939. Com o término das obras - a pista de subida ficou pronta em 1947 e a de descida, em 1953 -, os funcionários mais graduados deixaram o local, que foi ocupado pelos operários mais pobres.

"Lembro da nossa primeira casa, de pau-a-pique. O ar da serra sempre me fez bem, é gostoso aqui. Mas agora está difícil. Acho que vai acabar cada um para um lado", diz Maria, com as mãos na cintura, o rosto fechado. Entre os outros moradores, cresce a preocupação com o futuro. "Só esperamos moradia digna, com infra-estrutura e não um ninho de passarinhos", diz a dona de casa Iraci Galdino, de 40 anos, ao comentar as propostas de mudança.

Até o fim do mês, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) receberá o resultado do laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e saberá quais famílias terão de deixar as casas. "Vamos analisar caso a caso, buscando o que for melhor para cada família", afirma o coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, coordenador das ações para encerrar as ocupações.

O resultado da estratégia do governo de proibir a expansão dos bairros-cota pode ser percebido durante uma caminhada pelas ruas estreitas e asfaltadas: os tijolos das construções, à vista, sem reboco, começam a escurecer - sinal do envelhecimento das casas, que não podem ser reformadas. "Meu faturamento caiu 80% do ano passado para cá", reclama o vendedor de materiais de construção Pedro Souza dos Santos, de 51 anos, que tem uma loja na Cota 200, onde sempre viveu. "Pela primeira vez, parece que as cotas não estão mais crescendo."

REURBANIZAÇÃO

Dois bairros-cota - o 400, com 200 famílias, e o 500, com apenas três domicílios remanescentes - e o bairro Água Fria vão desaparecer após a retirada dos moradores, segundo a CDHU. Das 7.500 famílias que vivem nos arredores da serra, cerca de 2.500, no entanto, continuarão em suas casas.

Os bairros remanescentes passarão por um processo de reurbanização - com construção de rede de tratamento de esgoto, fornecimento de água encanada e reforma na malha viária. No caso do Cota 200 e do Cota 95/100, será construído um túnel unindo-os, para evitar que a população precise utilizar a Via Anchieta para a passagem. "As pessoas que continuarem nos bairros-cota estarão lá porque já não representam mais risco para o meio ambiente. Todos terão sua situação fundiária regularizada", diz o secretário de Habitação do Estado, Lair Krähenbühl.

A previsão da CDHU é de que as obras de reurbanização dos bairros-cota comecem em abril e sejam finalizadas até dezembro de 2009, com a abertura de um conjunto habitacional em Cubatão.

OESP, 08/03/2008, Metrópole, p. C9

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