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Reunião com Lula não entusiasma lideranças indígenas

Site do ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
Autor: Cristiane Fontes
10 de Mai de 2004

A impressão geral dos 25 representantes do movimento indígena do encontro com o presidente varia entre ruim e razoável. O governo pediu paciência, afirmou estar comprometido com as causas indígenas, mas não anunciou nenhuma medida em favor dos povos. Apenas declarou, mais uma vez, que a homologação da TI Raposa Serra do Sol (RR) está próxima e irá agradar aos índios. Nenhuma novidade além da sua imagem com cocar Xavante em jornais e TVs.

Lula, de cocar Xavante, entre o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes (à esquerda), e o secretário-geral da Presidência da República, Luiz Dulci (à direita)

A imagem aos jornais e TVs está garantida: Lula com um cocar Xavante, presenteado pelos índios. Já a avaliação geral das lideranças indígenas do encontro com o presidente Lula varia entre ruim e razoável. "Ficou tudo em aberto. Ele não nos deu garantia de nada. Fez um pronunciamento em que afirmou que não pode nos falar de prazos para implementar ações", afirmou Pedro Garcia, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) que, apesar de tudo, acredita ter sido positiva a iniciativa do presidente de reunir-se com lideranças indígenas, entre as quais Jecinaldo Satarê-Mawé, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Jaci Makuxi, do Conselho Indígena de Roraima (CIR); Pedro Garcia, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn); e Maninha Xukuru-Kariri, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

Também participaram do encontro, que durou cerca de uma hora e meia, Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência da República, Cezar Álvarez, subsecretário-geral da Presidência da República, Mércio Pereira Gomes, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Valdi Camárcio, presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Andrea Butto, assessora especial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Kleber Cavalcanti, da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação (MEC). Acompanharam a reunião os deputados Edson Duarte (PV/BA), Perpétua Almeida (PC do B/AC) e Eduardo Valverde (PT/RO) e os senadores Sibá Machado (PT/AC) e Fátima Cleide (PT/RO), da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas.

As lideranças indígenas apresentaram demandas relacionadas à demarcação, proteção e gestão sustentável de Terras Indígenas (TIs), à criação de um novo órgão indigenista, à participação indígena nas políticas públicas, à melhoria da saúde e educação indígena e à valorização cultural.

No documento entregue ao presidente - leia na íntegra abaixo-, além da urgente homologação contínua da TI Raposa Serra do Sol, reivindicam comprometimento político e garantia de recursos suficientes para a identificação e demarcação de todas as Terras Indígenas até o final de 2006; a imediata desintrusão das TIs invadidas por fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e outros invasores; a proteção integral ao povo Cinta-Larga; a criação do fundo indígena para conservação e recuperação da biodiversidade, como forma de pagamento e compensação dos serviços ambientais prestados pelas TIs; e criação imediata de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para a construção do Programa Integrado de Gestão Territorial, Proteção e Recuperação da Biodiversidade em TIs. Pedem ainda apoio do governo para a realização nos próximos 12 meses de conferências regionais e nacional dos povos indígenas para a construção de uma nova política indigenista e a reformulação do órgão indigenista oficial por meio da criação de um secretaria diretamente ligada à Presidência da República, com status de ministério.

Já o contraponto do governo cobriu, ainda que parcialmente, alguns desses pontos. Trinta e duas TIs homologadas até o momento, que somam mais de 4 milhões e 800 mil hectares, além de oito em fase de homologação e o objetivo de demarcar 136 áreas restantes. Em relação à saúde indígena, os participantes foram informados que o orçamento da Funasa em 2003, estabelecido pelo governo anterior em R$ 126 milhões, foi alterado para R$ 176 milhões, com previsão neste ano de atingir R$ 225 milhões. Foi citada a criação da Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade pelo MEC, que estendeu a educação indígena, antes limitada ao ensino fundamental, para os níveis médio e superior; o aumento dos recursos para merenda escolar de R$ 2,6 milhões (2002) para R$ 11,6 milhões neste ano; a distribuição de meio milhão de livros didáticos neste ano e o investimento de R$ 16 milhões no Programa de Gestão Territorial Participativa, que envolve a Funai e os Ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e do Desenvolvimento Social.

A senadora Fátima Cleide, do PT, tem uma avaliação diferente do encontro das lideranças indígenas com o presidente. "Penso foi extremamente positivo e marca uma nova fase da relação do governo com o movimento indígena", informou, destacando o pedido de Lula de agilidade em decisões que possam melhorar a qualidade de vida dos índios para os representantes dos órgãos governamentais presentes ao encontro, assim como intensificação do canal de interlocução do governo com os povos indígenas, estabelecido após a queima simbólica, em praça pública, de Compromisso com os Povos Indígenas - parte do programa de governo do PT - pelo movimento indígena da Amazônia no fim do ano passado, em Manaus.

Ao ser questionado sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), Lula anunciou que está próxima e que a decisão agradará aos índios, segundo informou a deputada Perpétua Almeida. "Não quero passar para a história como um presidente que não cumpriu as promessas feitas aos povos indígenas", declarou Lula.

A expectativa de lideranças indígenas é que o seminário O Estado Brasileiro e Políticas da Diferença, que acontece de 11 a 13/5, na Escola Superior do Ministério Público da União, com organização da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), seja também palco para novas discussões sobre a (falta de) política indigenista do governo Lula.

Documento das lideranças indígenas ao presidente Lula

Excelentíssimo Senhor Presidente da Republica Federativa do Brasil - Luiz Inácio Lula da Silva

"...Os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afeta-los diretamente." (Convenção 169 da OIT, promulgada no dia 19/04/2004)

O Brasil é um país pluriétnico. Os povos indígenas também fazem parte desta sociedade brasileira, com suas diferenças culturais. Este reconhecimento de respeito aos nossos direitos e identidade indígena são avanços que significam nossa própria sobrevivência física e cultural.

O movimento indígena do Brasil aqui representado busca um objetivo comum: a efetivação plena de nossos direitos originários reconhecidos pela Constituição Federal de 1988

Vossa eleição a Presidência da Republica é marco de esperança para todos, pois veio do Movimento Social. Mas, passaram-se 14 meses de mandato, e vemos o desrespeito aos nossos direitos se agravando:

::31 indígenas assassinados no ano de 2003, a maioria na defesa de suas terras; ::o cerco e as invasões às terras indígenas aumentaram, como conseqüência da não regularização e da falta de um sistema integrado de proteção e vigilância para essas terras. ::houve retrocessos nos processos de regularização fundiária das terras indígenas ::os serviços públicos de saúde indígena em algumas regiões configuraram situação de calamidade pública; ::o reconhecimento e apoio efetivo à educação escolar indígena diferenciada em todos os níveis ficaram muito aquém do avançado marco legal que a respalda;

Nossas reivindicações vêm em voz única para garantir que não sejamos desrespeitados em nossos direitos.

É extremamente necessária a consolidação, proteção e gestão sustentável das terras indígenas

::É legal, necessário e urgente o decreto de homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, conforme já demarcada pela Portaria no 820/1998 do Ministério da Justiça.

::Comprometimento político e garantia de recursos suficientes para a identificação e demarcação imediata e completa de todas as Terras Indígenas, até o final de 2006

::Imediata desintrução das terras indígenas, invadidas por fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e outros invasores;

::Proteção integral ao Povo Cinta Larga e a todos os Povos que se encontram sobre ameaças de qualquer natureza.

::Constituição imediata de uma Força Tarefa Interministerial para criar Planos Permanentes de Proteção das Terras Indígenas bem como assegurar recursos e condições necessários para a sua manutenção e a participação direta das comunidades indígenas.

::Indenização e compensação socioambiental pelos danos causados ao patrimônio indígena em decorrência de impactos de grandes projetos e outros empreendimentos executados dentro ou nas proximidades das terras indígenas;

::Implementação de política especial de proteção aos povos indígenas isolados (sem contato);

::Estabelecer normas oficiais, definindo regras para a ocupação diferenciada e sustentada do entorno das Terras Indígenas;

::Revogação de todos os atos normativos que criaram Unidades de Conservação sobrepostas as Terras Indígenas e que os recursos destinados para o IBAMA sejam repassados para as comunidades afetadas para realizar a conservação;

::Criação imediata de Grupo de Trabalho Interministerial para construção de Programa Integrado de Gestão Territorial, Proteção e Recuperação da biodiversidade das terras Indígenas.

::Criação de fundo indígena para a conservação e recuperação da biodiversidade, como forma de pagamento e compensação dos serviços ambientais prestados pelos territórios indígenas.

::Realização de diagnóstico etnoambiental participativa e etno-zoneamentos (mapeamento com participação indígena) em todas as Terras Indígenas com vistas à realização de Planos de Gestão territorial efetiva e sustentável.

::Reconhecimento por parte do poder público brasileiro dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados como patrimônio dos povos indígenas, apoiando e defendendo juridicamente contra as empresas e/ou pessoas que fizeram e estão realizando o patenteamento dos recursos ilegalmente.

::Realização de estudos para a organização e sistematização de informações e procedimentos relacionados ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade, com o consentimento prévio e informados dos povos indígenas envolvidos.

::Regulamentação e apoio ao manejo de forma sustentável pelos povos indígenas, dos recursos naturais pertencentes ao seu patrimônio.

::Criação da categoria de Agentes Indígenas Ambientais e de Gestão Sustentável , bem como recursos para a qualificação dos mesmos.

::Garantia de terras e recursos financeiros para o desenvolvimento sustentável dos indígenas que vivem fora das Terras Indígenas

::Apoio às iniciativas de produção alimentar básica nas terras indígenas e outras formas de geração de renda para os povos indígenas, que garantam a segurança alimentar incluindo a capacitação de recursos humanos em Alimentação e Nutrição com base no respeito à diversidade cultural de cada povo indígena.

Queremos um verdadeiro dialogo Interetnico e Participação Indígena nas Instituições e Políticas Públicas

::Apoio integral do Governo Federal na realização, nos próximos 12 meses, das Conferencias Regionais e Nacional dos Povos Indígenas para discussão de propostas para construção de uma nova política indigenista que contemple a realidade e diversidade dos povos indígenas. Tal como reabertura da discussão do Novo Estatuto dos Povos Indígenas.

::Assegurar a participação de representantes indígenas em conselhos federais e estaduais das políticas setoriais, de forma paritária, para deliberar as políticas voltadas aos Povos Indígenas (saúde, educação ambiental, etc) , devendo ainda participar de forma permanente do quadro de recursos humanos nos órgãos de execução dessas políticas.

::Apoiar o estabelecimento de mecanismos diferenciados de participação indígena nos legislativos federal, com a criação de 1 vaga para senador indígena por região nacional e uma vaga para deputado federal por Estado que possui população indígena, a serem escolhidos diretamente pelos próprios índios.

Imediata criação de um novo Órgão Indigenista

::Criação de uma Secretaria, com status de Ministério, diretamente ligada à Presidência da República, com atribuições a serem definidas pelo Movimento Indígena, implicando na reformulação do Órgão Indigenista Oficial, com ampla participação dos índios;

::Criação de uma instância interministerial, Conselho Nacional de Política Indigenista, com participação paritária dos índios, que formule o planejamento, acompanhe a execução e proceda a avaliação das políticas públicas do Estado voltadas para os povos indígenas.

::Priorizar uma imediata integração de esforços do conjunto dos ministérios e órgãos governamentais que trabalham no cumprimento da proteção, etnodesenvolvimento e medidas implementadoras dos direitos dos povos indígenas; com vistas a tornar mais eficiente e eficaz as políticas publicas para povos indígenas

Apoio do Governo Federal a uma Legislação Indigenista nos termos da Constituição de 1988

A Constituição brasileira é um dos instrumentos mais avançados em matéria de direitos indígenas na América Latina. Na prática, porém, ela foi e continua sendo sucessivamente desrespeitada. Os capítulos da Constituição referentes aos povos indígenas não foram até hoje regulamentados, através do Estatuto dos Povos Indígenas, e as terras indígenas não foram demarcadas no prazo estabelecido pela Carta Magna. Não há como mexer com o que se encontra em baixo da terra e outros recursos naturais sem afetar com quem está na nesta terra.

::As normas regulamentadoras que afetem os direitos constitucionais indígenas deverão passar por um processo de discussão, consulta com os povos indígenas, tal como reconhece a Convenção 169-OIT.

::Que o Congresso Nacional retome a discussão do Novo Estatuto dos Povos Indígenas, considerando as discussões em Conferencias Regionais e Nacional dos Povos Indígenas, atendendo a realidade e os anseios e propostos.

::Projetos de Leis que tratam da exploração dos recursos hídricos e minerais em Terras Indígenas que ora tramita no Congresso Nacional deve ser discutido junto com o novo Estatuto dos Povos Indígenas.

::Que o Governo Lula se manifeste pela rejeição as Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que desloquem a competência para Congresso Nacional a competência de demarcar e homologar as terras indígenas, bem como toda e qualquer proposta que restringem os direitos do povos indígenas.

::Que o Governo oriente sua Bancada a acelerar a tramitação de um Projeto de Lei de Acesso a Recursos Genéticos que efetivamente leve a proteção da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas contra biopirataria

::Pela revogação do decreto 4412 e imediata discussão do estabelecimento de novas regras de convivência entre povos indígenas e forcas armadas

Saúde e Educação

::Que o Ministério da Saúde assuma de fato a execução direta das ações e serviços de atenção à saúde indígena, mediante a realização de concurso público específico e lotação de recursos humanos capacitados nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI's), com possibilidade de parcerias com organizações indígenas, assegurando assessorias técnicas especiais, atuando de forma integrada ao SUS e articulada com os órgãos responsáveis pela Política Indigenista do país, garantindo atenção de qualidade, específica e diferenciada de acordo com a realidade e cultura de cada povo indígena.

::Criação do Conselho Nacional de Saúde Indígena para deliberar sobre as políticas de saúde indígena no Ministério da Saúde;

::Que o Governo Federal disponibilize recursos suficientes para o Saneamento Básico nas Terras Indígenas, a promoção da medicina tradicional indígena, a formação, capacitação e reconhecimento dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN), e o funcionamento efetivo do controle social por parte dos Conselhos locais e Distritais;

::Que o Governo Federal crie um fundo específico ou garanta dotação orçamentária suficiente, sem contingenciamentos para a saúde dos povos indígenas;

::Que a União e os Estados cumpram com suas responsabilidades a respeito da educação escolar indígena, conforme determina a Lei de Diretrizes de Bases (LDB) e Resoluções específicas; assegurando os recursos financeiros necessários para a implementação da Política Educacional prevista em lei;.

::Garantir o acesso de todos os indígenas à educação de qualidade (pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e ensino superior), de forma continuada e permanente, nas aldeias, na terra indígena ou próxima das mesmas, conforme a necessidade de cada povo, em condições apropriadas de infra-estrutura, recursos humanos, equipamentos e materiais. Ou se for o caso, garantir condições de moradia e de auto-suficiência (casa de apoio) para aqueles que vão morar nas cidades para continuar os estudos.

::Condições de igualdade para a concorrência dos indígenas nas vagas universitárias, estimulando a criação de Pré-vestibulares e vestibulares específicos para população indígena, e o ensino científico integrado com o conhecimento tradicional para os estudantes indígenas.

::Reconhecimento e implementação da categoria escola indígena em todos os Estados, com calendário diferenciado e apoio operacional técnico, financeiro e político, bem como o reconhecimento da categoria de professor indígena pelos Estados, conforme estabelece a legislação vigente;

::Garantir autonomia pedagógica e administrativa para a gestão das escolas indígenas, de acordo com a realidade de cada povo;

Identidade e Valorização das Culturas

::Que o Ministério da Cultura venha a promover programas e ações que valorizem, resgatem e divulguem a cultura dos povos indígenas.

::Que o Órgão Indigenista priorize o processo de reconhecimento dos Povos Ressurgidos

Assim Senhor Presidente Lula, diante da gravidade das ameaças aos direitos indígenas que estamos presenciando neste momento, simbolizada no atentado aos processos de regularização e proteção de nossas terras em todo o Brasil, viemos aqui olhar no seus olhos para termos certeza que eles ainda trazem o brilho da esperança de um Brasil justo e plurietnico. Queremos mudanças positivas, com ações afirmativas que demonstre o compromisso do Governo Federal com os povos indígenas. O medo não deve vence a esperança. Nos fazemos parte desse Brasil e queremos contribuir com a construção de um pais melhor.

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