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A ressurreição do volume morto

FSP, Ciência, p. C12
Autor: LEITE, Marcelo
08 de Fev de 2015

A ressurreição do volume morto
É óbvio que o rodízio teria de começar muito antes de julho; nenhum governante deixaria uma represa secar

Marcelo Leite

A semana terminou com duas boas notícias para aplacar a aflição dos moradores da região metropolitana de São Paulo. Continua faltando água, mas as coisas começam a acontecer, finalmente.
Primeiro, no céu. Choveu pra burro a partir de quinta-feira (5), o que trouxe algum refresco para o sistema Cantareira e seu famigerado volume morto, que vive na segunda reencarnação. Não o bastante para exorcizar a terceira, mas vá lá.
Qualquer notícia boa é bem-vinda, nesta altura de uma estiagem esquisita (com inundações). A segunda foi que o governo paulista já fala em racionamento ("rodízio") para enfrentar a seca ("estresse hídrico"). Se não é o fim dos eufemismos, pode ser o da procrastinação.
De todo modo, já se acumulavam 80 mm nos seis primeiros dias de fevereiro, ou 40% da média de precipitação do mês sobre o Cantareira. Foram 25 mm, 13% da média mensal num único dia. São os dados publicados pela Sabesp.
Cabe ao poder público preparar-se para o pior, e não animar-se e adiar as providências necessárias porque choveu um pouco mais. Até porque essas cifras da meteorologia, além de muito variáveis e imprevisíveis, são imprecisas.
O quadro pintado pelo centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden, um órgão federal) é um pouco menos animador. Até o dia 5, quinta-feira passada, indicava 45,8 mm de precipitação acumulada no mês na área do Cantareira. Pela Sabesp, o acumulado era de 54,8 mm.
Onde foram parar os 9 mm de diferença? São 9 litros por m², o mesmo que consigo coletar com um balde debaixo do chuveiro enquanto espero jorrar a água quente.
A discrepância decorre de haver sistemas diversos de coleta de informação. A Sabesp usa pluviômetros próximos das represas do Cantareira. Já o Cemaden montou uma rede própria com três dezenas de aparelhos espalhados por toda a bacia, ou seja, o território de mais de 2.000 km² drenado pelos rios que alimentam os reservatórios, como o Juqueri, o Atibainha, o Camanducaia, o Jacareí e o Jaguari.
(Não confundir os dois últimos rios com os de mesmo nome em outros lugares. Eles são uma espécie de "José da Silva" fluvial, com muitos homônimos, pois os nomes querem dizer "rio de jacarés" e "rio de onças", respectivamente, em tupi.)
Reunindo os dados de seus pluviômetros automáticos com os de sete aparelhos do Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo), o Cemaden tem produzido periodicamente cenários sobre o que pode acontecer com o Cantareira. Com a vantagem de que seus modelos de computador não levam em conta só a água que entra e sai das represas, mas também a precipitação, uma estimativa da água que evapora e a umidade do solo ("efeito esponja", como se diz).
Não dá para ficar animado. Se as chuvas daqui para a frente repetirem o padrão 50% abaixo da média histórica, o volume morto 2 terá a sua segunda morte em meados de julho --ainda na vigência da estação seca. Mas é mais ou menos óbvio que o racionamento teria de começar muito antes disso, porque nem o mais irresponsável dos governantes deixaria uma represa secar.
A não ser que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) encare as últimas chuvas como um refrigério e reviva a assombração do volume morto 3. Seria mesmo de arrepiar.

FSP, 08/02/2015, Ciência, p. C12

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/207354-a-ressurreicao-do-…

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