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Resgate do Takutu

Folha de Boa Vista - http://www.folhabv.com.br/
Autor: Jessé Souza
18 de Jun de 2009

Negar o passado é uma estratégia antiga dos escravocratas. Foi assim quando os senhores da Casa Grande rebatizavam os negros como forma de fazê-los esquecer seu passado e passassem a ser escravos subservientes.

Com a História ocorre o mesmo. Muitos fazem questão de omitir fatos, manipular dados e desavergonhadamente inventar falsas sentenças. Essa é uma forma de manter os oprimidos do passado no seu devido lugar, na insignificância, e perpetuar o status dos senhores que sobreviveram como neocoronéis.

Sem memória, sem passado, sem história, os nativos ou os que aqui escolheram viver ficam submissos à escravidão dos fatos "históricos" dos que querem manter seus status de colonizadores, senhores únicos a quem a História deve reverenciar, a "verdade" inquestionável a quem os sem-memórias devem se curvar como faziam com os antigos escravos índios e negros.

Assim está ocorrendo com a grafia do rio Takutu, aquele manancial que divide geograficamente o Brasil da Guiana e que une por água brasileiros e guianenses, nossos irmãos negros que sofreram com a colonização britânica tão quanto nossos irmãos índios viveram a escravidão dos europeus que por aqui aportaram com seus comércios, captura de escravos e venda de armas.

Alguns insistem em dizer que o correto seria "Itacutu", evocando a raiz Tupi, a língua geral também falada por toda a região. Mas isso é invencionice, pois nossas línguas indígenas não são e nunca foram o Tupi, o que não justifica o "Ita" (pedra) que os colonizadores querem traduzir.

Não se trata de nenhuma teoria ou reinvenção linguística qualquer. Até porque não sou estudioso de nada, apenas um leitor atento da História de Roraima - não daquela manipulada que renega os primeiros habitantes.

O nome Takutu (como bem escrevem os guianenses com "k") já estava registrado em 1787, já na passagem por aqui do governador Manoel da Gama Lobo D'Almada.

Nessa época, Henri A. Coudreau cita que os índios Purucotó moraram no rio Taktu (hoje Takutu). Isso está registrado no livro "La France Équinoxiale II, Paris, 1887, p 391, de Coudreau).

A origem da grafia Taktu (isso mesmo, com o "k" sozinho) é dos índios da época, na maioria de tronco linguístico Aruak, cujas línguas das diversas etnias tinham pequenas variações por causa dos dialetos das tribos existentes, quase todas extintas e cujas línguas nunca foram registradas.

As primeiras notícias seguras sobre os índios do rio Branco datam do século XVIII. O relatório da comissão portuguesa de fronteiras do ano 1787, comandada pelo governador Lobo D'Almada, registrava 22 tribos em Roraima: Parauillanas [Paraviana], Amaribas, Atorradis, Caripunas, Caraibes [Karaibes], Macuchis [Makuxi], Uapichanas [wapichana], Tucurupis, Acarapis, Oaycas, Arinas, Quinhaus, Porocotos, Macus, Aoaquis, Guimaras, Zaparas, Tapicaris, Paochianas, Barauanas, Chaperos e Guajaros (idem Coudreau, página 391).

Esses relatos que citei acima estão no livro "A distribuição dos Povos entre rio Branco, Orinoco, rio Negro e Yapurá" (de Theodor Koch-Grünberg - traduzido pelo falecido Erwin Frank).

Grafado ainda como rio Tacutu (desta vez sem o "k") está no ensaio do botânico alemão Ernst Ule, que em 1908-1909 esteve por vários meses nos lavrados roraimenses, portanto antes de seu compatriota Koch-Grünberg por aqui passar.

Enfim, quando alguém vier com essa história de "Itacutu", lembremos: é mais uma deturpação da história que tenta negar a origem indígena roraimense do nome do rio. Ou pura desinformação histórica. Nada mais que isso.

* Articulista - jesse@folhabv.com.br - Visite o blog do colunista: http://pajuaru.blogspot.com

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