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Resgate de indígenas desnutridos, operações contra garimpo e retorno dos invasores: o que aconteceu em um ano de emergência Yanomami

G1 RR - g1.globo.com/rr
Autor: Samantha Rufino
10 de Jan de 2024

O g1 reuniu, mês a mês, o que aconteceu na Terra Yanomami em um ano de emergência em saúde.

Por Samantha Rufino, g1 RR - Boa Vista
10/01/2024 05h07 Atualizado há 23 horas

Há um ano, o maior território indígena do país, a Terra Indígena Yanomami, se tornou o centro das discussões nacionais e internacionais. Imagens de crianças e idosos indígenas com desnutrição chocaram o país e levaram governo federal a decretar emergência em saúde pública no dia 20 de janeiro de 2023 para combater a desassistência aos Yanomami.

O território é alvo há décadas do garimpo ilegal, mas a invasão se intensificou nos últimos anos. A atividade impacta diretamente o modo de vida dos povos originários, isto porque a invasão destrói o meio ambiente, causa violência, conflitos armados e poluição dos rios devido ao uso do mercúrio. Só em 2022, a devastação no território chegou a 54%.

Diante do cenário, o governo Lula (PT) anunciou uma série de ações interministeriais para agilizar a assistência aos indígenas e combater o garimpo ilegal na região. Quase um ano depois, nessa terça-feira (9), o presidente se reuniu com ministros para adotar novas medidas e disse que a situação dos indígenas é tratada como "questão de Estado".

Da visita do presidente Lula em Boa Vista para anunciar ações de apoio aos indígenas, operações contra o garimpo ilegal a retorno dos invasores ao território, o g1 reúne abaixo, mês a mês, o que aconteceu na Terra Indígena Yanomami em um ano de emergência em saúde.

Janeiro: visita do presidente e emergência em Saúde

As primeiras medidas do governo federal para combater a desassistência aos Yanomami iniciaram depois que uma equipe do Ministério da Saúde esteve em Roraima para fazer um diagnóstico sobre a situação da saúde dos indígenas.

À época, técnicos do Ministério da Saúde resgataram ao menos oito pacientes crianças, que estavam em estado grave. Os profissionais chegaram na terra indígena no dia 16 de janeiro de 2023 e quatro dias depois o Ministério da Saúde declarou emergência em saúde pública em resposta à crise sanitária e humanitária no território.

Um dia depois do decreto, no dia 21, o presidente Lula visitou Roraima e classificou a situação dos Yanomami como desumana. Na ocasião, Lula criou o Comitê de Coordenação Nacional para discutir e adotar medidas em articulação entre os poderes para prestar atendimento a essa população.

Dias depois, em 27 de janeiro, um hospital de campanha para atender os indígenas doentes foi instalado na Casa de Saúde Indígena Yanomami e Yek'wana (Casai-YY), em Boa Vista. O governo federal também iniciou o envio de cestas básicas para combater a desnutrição que atingia os indígenas.

Fevereiro: fuga de garimpeiros, controle do espaço aéreo e ataque a agentes federais

No dia 1o de fevereiro, a Força Aérea Brasileira (FAB) iniciou controle do espaço aéreo sobre a Terra Indígena Yanomami, para combater o garimpo ilegal. A ação ocorreu após o presidente Lula assinar um decreto que a autorizava.

Com o bloqueio aéreo, garimpeiros ilegais começaram a fugir do território caminhando pela floresta e pelos rios, em barcos lotados. Eles também tentaram deixar a Terra Yanomami em voos clandestinos, mas não encontraram pessoas dispostas a buscá-los. Para garantir a saída voluntária de garimpeiros, a FAB liberou voos privados para buscar os invasores. A medida durou até o dia 6 de abril de 2023.

A primeira ação de combate ao garimpo ilegal foi deflagrada no dia 8 de fevereiro, quando uma força-tarefa do governo federal destruiu um avião, um trator de esteira e estruturas usadas pelos garimpeiros. Ainda no início de fevereiro, no dia 10, a Polícia Federal deflagrou a operação Libertação para combater a atividade no território.

Na mesma semana, outra operação contra lavagem de dinheiro oriundo de ouro ilegal ocorreu no estado. Entre os alvos estava a irmã do governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), Vanda Garcia de Almeida, e o sobrinho dele Fabrício de Souza Almeida. A suspeita da PF é que a lavagem de dinheiro era de extração ilegal de ouro da Terra Indígena Yanomami.

No fim do mês, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Força Nacional instalaram um cabo de aço no rio Uraracoera para impedir que invasores entrassem no território. Na mesma semana, garimpeiros armados furaram o bloqueio de fiscalização e atiraram contra agentes federais.

Março: PF resgata meninas e mulheres vítimas de exploração sexual na Terra Yanomami
Em março, a Polícia Federal resgatou uma adolescente de 15 anos levada para se prostituir em um garimpo na Terra Yanomami. A jovem havia sido atraída por uma promessa de emprego como cozinheira e encontrada em um barco durante um patrulhamento noturno no Rio Mucajaí.

Ela contou ao conselho tutelar que tinha que fazer até 16 programas por noite. A menina relatou ainda que era constantemente ameaçada. Caso ela decidisse sair do território sem a autorização, não receberia nada em dinheiro - e foi o que ocorreu.

No mesmo mês, outras duas mulheres vítimas de exploração sexual em garimpos também foram resgatadas. Elas, uma adolescente, de 17 anos, e uma jovem, de 19, revelaram que eram submetidas a situações semelhantes à escravidão e obrigadas fazer programas até quando estavam menstruadas.

Ainda em março, durante abordagem a garimpeiros na região de Waikás, no Rio Uraricoera, houve troca de tiros de agentes da fiscalização com criminosos. Ninguém ficou ferido. Dois garimpeiros que operavam motores foram detidos.

Abril: ataque ao Ibama, filho de ex-governadora no espaço aéreo e indígena assassinado

Em abril, o Ibama divulgou que sofreu o terceiro ataque a tiros de garimpeiros ilegais no território. Eles estavam em um helicóptero atingido por um disparo. Ninguém ficou ferido.

No dia 6 de abril, a FAB fechou o espaço aéreo liberado para a saída voluntária dos garimpeiros. Atualmente, o espaço continua fechado. Com a medida de controle, o piloto e empresário Guilherme Campos, filho da ex-governadora Suely Campos foi preso quando sobrevoava o espaço aéreo. A Justiça Federal concedeu liberdade ao piloto após o pagamento de uma fiança de R$ 50 mil.

Ainda em abril, o Ministério da Saúde inaugurou o Centro de Referência em Saúde Indígena, em Surucucu, na Terra Yanomami. No primeiro dia de funcionamento, a unidade chegou a ocupação de quase 90%.

No fim de abril, um indígena Yanomami, de 36 anos, morreu e outros dois, de 24 e 31, foram baleados por garimpeiros ilegais na comunidade Uxiu. No dia seguinte, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva esteve em Roraima para fazer um sobrevoo na região.

Maio: mortes violentas na Terra Yanomami e cabo de aço destruído por garimpeiros

No início do mês de maio, quatro garimpeiros ilegais morreram em troca de tiros com agentes da Polícia Rodoviária Federal e Ibama. Um deles era chefe de uma facção criminosa. Na mesma semana, corpos de oito garimpeiros foram encontrados por agentes da Polícia Federal, em Uxiu.

No dia 6 de maio, uma mulher, identificada como Jenni Rangel, de 28 anos, foi encontrada morta com sinais de violência. Com ela, foram 14 mortes violentas em uma semana no território.

Dois dias depois, sub-secretária-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e assessora especial para Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, visitou indígenas Yanomami em Roraima. O estado também recebeu visita do Conselho Nacional de Saúde, que se reuniu com lideranças Yanomami.

No fim do mês garimpeiros armados voltaram a atacar a base de fiscalização montada no rio Uraricoera e destruíram o cabo de aço que ficava na região. O cabo foi reinstalado dias depois pelas Forças Armadas.

Junho: casal investigado por exploração sexual é preso e Terra Yanomami zera alertas de garimpos ilegais
No dia 6 de junho, foram presos Thaliny Nascimento Andrade, conhecida como "Paloma", de 22 anos, e Francisco Félix de Lima, de 48 anos. Eles eram investigados em um inquérito sobre exploração sexual de meninas e mulheres em garimpos.

Ainda em junho, um monitoramento por satélite feito pela Polícia Federal identificou que o território estava há 33 dias sem alertas de garimpo ilegal na região. Dois dias depois, o governo federal determinou que o Ministério da Defesa atuasse diretamente em ações de repreensão ao garimpo ilegal.

Julho: novo coordenador do Dsei Yanomami, criança morta em conflito e operação da PF
No dia 4 de junho, um conflito entre comunidades indígenas deixou uma criança morta e outros cinco indígenas feridos. Duas comunidades, Whaputa e Castelo, atacaram a comunidade do Parima, segundo as investigações

Em 10 de julho, a Polícia Federal deflagrou uma operação para investigar uma rede dedicada à exploração de ouro extraído da Terra Indígena Yanomami e à lavagem de dinheiro. À época, a PF identificou que o grupo movimentou aproximadamente R$ 80 milhões com o esquema.

No fim do mesmo mês, o Ministério da Saúde nomeou para o cargo de coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Yek'uana (Dsei-YY), o médico Marcos Antonio Pellegrin. Além disso, a unidade Básica de Saúde Indígena de Homoxi (UBSI), na região de Homoxi voltou a atender pacientes da região seis meses depois de ter sido incendiada por garimpeiros ilegais.

Agosto: relatório aponta fragilidade em ações do governo federal e suspeito de assassinar indígena é preso

Um relatório elaborado por organizações Yanomami foi divulgado no dia 2 de agosto e apontou fragilidades nos seis meses ação feitas pelo governo federal no território. Intitulado "Yamaki ni ohotai xoa! - Nós estamos sofrendo ainda: um balanço dos primeiros meses da emergência", o relatório sugeriu uma série de medidas para melhorar os serviços ofertados aos indígenas.

No dia 5 de agosto, quatro meses depois do ataque em Uxiu que deixou um indígena morto e dois feridos, a PF prendeu um garimpeiro suspeito do crime. No mesmo mês, um dos feridos que estava internado desde o dia do ataque também morreu.

Ainda em agosto, a PF deflagrou uma operação para desarticular parte da logística utilizada pelo garimpo. Os alvos foram pilotos e mecânicos de aeronaves que atuavam ilegalmente região.

Setembro: crianças Yanomami amarradas por garimpeiros e PF investiga corrupção em compra de oxigênio
No mês de setembro, a Polícia Federal deflagrou mais uma operação. Desta vez, para apurar suspeita de superfaturamento na execução de contrato com duas empresas para serviços de recarga de oxigênio, insumos hospitalares e farmacêuticos ao Dsei. O empresário Roger Henrique Pimentel, dono da empresa Balme Empreendimentos e suspeito de integrar o esquema, se apresentou à PF depois de ser considerado foragido.

A PF deflagrou outras operações em conjunto com a Receita Federal que mirava envolvidos no garimpo ilegal. A suspeita é que a ação movimentou quase R$ 6 bilhões.

No dia 21 de setembro, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) cobrou investigação sobre um vídeo que mostrava indígenas Yanomami amarrados por garimpeiros ilegais em um acampamento. A associação disse na época que eram, ao menos, três crianças amarradas, com os braços presos por cordas, em uma viga de madeira. Na ocasião, o Ministério dos Povos Indígenas classificou a situação como inadmissível.

Outubro: Corte Interamericana de Direitos na Terra Yanomami e operação contra desvios de remédios
No dia 4 de outubro, a PF deflagrou a segunda fase da Operação Yoasi, com o objetivo de investigar suspeitos de lavar recursos do desvio de medicamentos destinados aos Yanomami. A primeira fase da operação, deflagrada em novembro de 2022, investigou o suposto esquema que teria deixado mais de 10 mil crianças Yanomami desassistidas.

Juízes da Corte Interamericana de Direito Humanos (CIDH) estiveram na Terra Yanomami para apurar se o Brasil garantiu proteção aos povos indígenas. No dia 25 de outubro, eles estiveram no território e receberam relatos de abusos sexuais de mulheres e meninas praticados por garimpeiros.

Novembro: TikTok mostra indígenas isolados e Centro de Saúde é desmontado

Em novembro, o Centro de Referência em Saúde Indígena construído para atender indígenas doentes dentro da Terra Yanomami foi desmontado e a estrutura retirada da região. A estrutura funcionava desde abril no território e com o desmonte da estrutura, a Urihi Associação Yanomami cobrou explicações ao Ministério da Saúde.

Semanas depois, a mesma associação denunciou que invasores haviam feito um sobrevoo ilegal na comunidade dos indígenas Moxihatëtë, considerados isolados. A ação ilegal foi filmada e publicada no Tiktok. A associação cobrou providências dos orgãos federais.

Dezembro: Alexandre Pires alvo de operação, garimpeiros retornam e lideranças cobram providências
No dia 5 de dezembro, o cantor Alexandre Pires foi alvo de buscas e apreensão da operação da Polícia Federal que investiga um esquema de lavagem de dinheiro que envolve a exploração ilegal de minérios na Terra Indígena Yanomami. Na operação, a PF prendeu o empresário Matheus Possebon e Christian Costa dos Santos, que atua com garimpo ilegal em Roraima.

Já no dia 7 de dezembro, uma operação do Ibama resultou na destruição de acampamentos de garimpeiros, que retornaram ao território. A operação do Ibama ocorreu em ao menos cinco pontos de garimpo em operação na região do Rangel, uma das mais exploradas pelos invasores dentro do território.

Em uma audiência do Ministério Público Federal (MPF) realizada no dia 13 de dezembro com lideranças Yanomami, os indígenas cobraram a retirada de garimpeiros e melhorias na saúde no território.

Após a reunião, a Justiça Federal em Roraima determinou que a União crie um novo cronograma de ações contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami após o retorno dos garimpeiros ao território. A decisão ocorreu a pedido do MPF. Dias depois, o governo Federal determinou que os órgãos federais intensifiquem as ações de proteção aos Yanomami e de combate ao garimpo ilegal na região.

https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2024/01/10/resgate-de-indigenas…

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