OESP, Economia, p. B17
26 de Mar de 2015
Reservatórios de hidrelétricas terão painéis para geração de energia solar
Ideia do governo é espalhar milhares de metros quadrados de boias com painéis solares sobre os espelhos d'água das usinas para gerar energia
ANDRÉ BORGES - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - A crise hídrica e a necessidade de garantir o abastecimento de energia do País levaram o governo a buscar uma alternativa inédita para ampliar a capacidade de geração do setor elétrico. O Ministério de Minas e Energia (MME) trabalha em um plano para transformar os maiores reservatórios de hidrelétricas do País em grandes "fazendas" de painéis solares.
A proposta, apurou o Estado, é espalhar milhares de metros quadrados de boias com painéis solares sobre o espelho d'água das usinas. Já que as turbinas não podem entregar um grande volume de energia por causa da escassez de água, que o reforço na geração venha pela luz do Sol, recurso que fica ainda mais intenso durante o período seco.
Cálculos já feitos por técnicos do ministério apontaram que o uso desses flutuadores solares sobre os reservatórios pode acrescentar ao parque nacional de energia até 15 mil megawatts (MW) de potência, volume superior à capacidade máxima que será entregue pelas Hidrelétricas de Belo Monte e Jirau, em construção na Amazônia.
O plano foi confirmado ao Estado pelo ministro do MME, Eduardo Braga. "Estamos com muita expectativa em relação a esse projeto. Se o experimento der certo, já temos todo o sistema pronto para escoar essa energia", disse.
Duas grandes barragens controladas por estatais da Eletrobrás já foram escolhidas para estrear o plano. No Rio São Francisco, na Bahia, o alvo é o lago de Sobradinho, que é o maior do País em área alagada. No Amazonas, os painéis serão instalados na barragem de Balbina, hidrelétrica que gera pouquíssima energia por meio de suas turbinas, mas que também é dona de um dos maiores lagos artificiais do Brasil. A partir das represas dessas hidrelétricas, os painéis flutuantes serão conectados diretamente às subestações de energia das usinas, o que simplifica o processo e reduz custos.
Estatal. O gerenciamento dos painéis solares e a geração de energia será feito diretamente pela Chesf e Eletronorte, donas de Sobradinho e Balbina, respectivamente. A escolha por iniciar o plano nessas usinas deve-se não apenas pelo tamanho de suas represas, mas também pelo fato de serem controladas por estatais. Se o programa der certo, disse Braga, o governo pretende expandir a ideia para outras hidrelétricas, incluindo aquelas concedidas para concessionárias privadas.
Em Minas Gerais, um projeto do mesmo tipo começou a ser avaliado pela Votorantim, em parceria com o CSEM Brasil, centro de pesquisas que desenvolve tecnologias de painéis de energia solar. Segundo a Votorantim, a iniciativa ainda está em fase inicial e, por enquanto, não há definição sobre qual hidrelétrica da companhia seria usada para testar o projeto.
O plano do governo federal, disse o ministro Eduardo Braga, deve envolver a utilização de tecnologias internacionais. Duas alternativas são estudadas, umas delas representada por um sistema criado em parceria entre França e China. Outra opção considerada vem de uma proposta desenhada entre japoneses e alemães.
Ensolarado. Apesar de o Brasil ser um dos países mais ensolarados do mundo, a geração de energia através de painéis fotovoltaicos sempre foi tratada como um bicho estranho pelo setor elétrico. No fim do ano passado, porém, essa situação começou a mudar, quando um leilão de energia realizado pelo governo contratou, de uma só vez, 31 usinas solares. Foi a primeira vez que o governo comprou exclusivamente energia solar.
Das 31 plantas de geração de energia solar previstas para serem construídas nos próximos anos, 14 serão erguidas na Bahia. Ao todo, a capacidade total negociada no leilão foi de 1.048 MW. Neste ano, novos leilões de geração devem contratar mais projetos solares.
Estudos feitos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam que o uso pleno do potencial solar do País poderia gerar até 287 mil gigawatts-hora por ano somente no ambiente residencial. Isso equivale a mais de duas vezes o consumo residencial de energia contabilizado atualmente.
Projetos devem entrar em operação no segundo semestre
BRASÍLIA - O Ministério de Minas e Energia (MME) quer acionar os primeiros painéis solares flutuantes no próximo semestre. Em 60 dias, disse o ministro Eduardo Braga, serão definidos os detalhes da empreitada, que deve começar por Balbina, instalada no Estado de origem de Braga. "Até setembro, o projeto deve estar em operação", comentou.
Ironicamente, os painéis solares poderão cumprir uma promessa que a hidrelétrica de Balbina nunca conseguiu: geração sustentável de energia elétrica.
Fruto de um projeto de engenharia irresponsável, Balbina foi construída nos anos 80 pelo governo militar, para avançar sobre a Amazônia.
Instalada em uma região isolada do município de Presidente Figueiredo, há 190 km de Manaus, a usina da Eletronorte é considerada um dos maiores desastres ambientais do planeta. Para gerar desprezíveis 250 megawatts (MW), potência que nem sequer consegue atender a demanda atual de Manaus, a usina deixou debaixo d'água 2.360 km quadrados de mata virgem, uma área equivalente à das cidades de São Paulo e de Campinas. Passados 25 anos desde que sua barragem foi concluída, o lago de Balbina ainda armazena aproximadamente 6,8 milhões de metros cúbicos de madeira submersa, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
No caso da hidrelétrica de Sobradinho, a fonte solar pode ajudar a complementar a geração de 1.050 MW para o Nordeste do País. Responsável por 58% do consumo de energia da região, a represa construída 40 anos atrás no Rio São Francisco está hoje com apenas 18% de sua capacidade total de armazenamento. Sobradinho engoliu uma área de 4,2 mil km quadrados na Bahia. Cobrir essa área com boias solares seria o mesmo que instalar painéis em cima de Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
OESP, 26/03/2015, Economia, p. B17
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