VOLTAR

Reserva no Acre sofre com falta de fiscalização

OESP, Política, p. A14
04 de Out de 2014

Reserva no Acre sofre com falta de fiscalização
Desmatamento ameaça área de preservação pela qual lutaram Chico Mendes e Marina

Adriana Carranca - Enviada especial a Xapuri (AC)

Nos 192 quilômetros que ligam a capital, Rio Branco, à pequena Xapuri, cidade natal de Chico Mendes, ao lado de quem a presidenciável Marina Silva (PSB) militou para defender a posse da terra dos seringueiros e a preservação da floresta, o cenário é hoje dominado por fazendas de gado nelore. Na balsa sobre o Rio Acre, que separa o vilarejo do ramal que dá acesso aos seringais da Reserva Extrativista Chico Mendes, atravessam predominantemente caminhonetes apinhadas de bois. Muitas escondem madeira ilegal vendida a obscuras marcenarias informais que proliferam no entorno da floresta.
Segundo levantamento feito a pedido do Estado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), somente neste ano o desmate ilegal ceifou uma área de 700 hectares - quase quatro parques do Ibirapuera - da reserva. Três marcenarias de Brasileia, vizinha a Xapuri, foram fechadas por vender madeira ilegal. Para burlar a fiscalização nas estradas, as toras deixam a floresta já cortadas em tábuas, sob o assoalho dos caminhões de bois.
E isso é o pouco que conseguiram flagrar os minguados fiscais - são apenas cinco, para uma área de quase 1 milhão de hectares, e obrigados a se revezar em outras funções. "Não temos gente suficiente para fazer a fiscalização. Só atendemos quando há denúncia. O volume de madeira ilegal que sai é muito grande, mas só conseguimos apreender a pontinha do gigante", diz a chefe do ICMBio, Silvana Lessa. Seu maior desafio é lidar com forasteiros que compram irregularmente lotes dentro da reserva, quando só poderiam ser vendidos às famílias nativas de seringueiros e seus descendentes. "Não temos controle disso", diz Silvana, em tom de apelo.
Desde que a reserva foi criada, em 1990, dois anos após o assassinato de Chico Mendes, já perdeu 77.600 hectares de cobertura vegetal, o equivalente a 351 parques do Ibirapuera. Nessa estimativa, no entanto, não entram as áreas desmatadas como parte dos projetos de manejo autorizados pelos governos federal e estadual.
Além da escassez de recursos, os poucos fiscais da reserva têm de lidar com ameaças, a velha prática de coação que levou à morte de Chico Mendes e outros seringueiros e sindicalistas nos anos 1980. Em dezembro, o engenheiro florestal Fúlvio de Sousa Mascarenhas, do ICMBio, entregou ao Ministério Público Federal gravação em que um fazendeiro o ameaça de morte.

Multas. A atuação dos fiscais do ICMbio na reserva gerou, somente neste ano, multas que somam R$ 6 milhões. Mas, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, os punidos preferem ser multados a deixar de desmatar. "Vou usar um jargão que paulista gosta, para explicar o que está acontecendo na reserva: o crime compensa", esbraveja José Alves, presidente da entidade, cujo pai atuou nos chamados "empates" (levantes pacíficos de seringueiros que consistiam em formar um cerco humano em volta de áreas da floresta invadidas por ruralistas armados) ao lado de Marina Silva.
O preço do metro cúbico da madeira no mercado negro de Rio Branco custa R$ 450, em média, mas pode chegar a R$ 1.500, dependendo do tipo da madeira. Nos projetos de manejo organizados pelo governo estadual, o valor pago ao seringueiro que decide cortar as árvores de sua colocação é de R$ 60 o metro cúbico.
"As multas só começaram a vir de uns anos para cá e, mesmo assim, pense comigo: o sujeito desmata só uma vez. Ele é multado, recorre, o processo se arrasta. Enquanto isso, já vendeu a madeira no mercado negro, que é mais lucrativo, e o clarão já foi aberto na mata. Ele passa a arrendar seu terreno para a criação de gado",, afirma o sindicalista. "Hoje, o sonho do seringueiro é comprar um bezerro." No último levantamento oficial, de 2008, havia 10 mil cabeças de gado dentro da reserva. Estima-se que seja o dobro hoje, segundo ICMBio.

Derrubada. "Cadê os companheiros com as máquinas?", diz Raimundo Mendes. As máquinas a que ele se refere são utilizadas para a derrubada da floresta. Primo de Chico Mendes e antes um dos sindicalistas mais prestigiados pelos seringueiros, ele organizava os "empates" e era temido pelos fazendeiros, agora vende a madeira do seringal. "Diga lá que não queremos que derrubem a Piaçaba (nome popular das espécies de palmeiras Attalea funifera e Leopoldinia piassaba, usadas na cobertura de casas)", diz a um jovem. Eles estão em uma colocação, como chamam o loteamento dos seringueiros, cerca de 30 km para dentro do coração da reserva, no Seringal Floresta.
A poucos metros dele, uma pilha de toras aguarda o 'carreador' que irá arrastá-las para fora da área (muitas vezes, levando consigo uma série de outras espécies), onde serão beneficiadas e vendidas a madeireiros.
É o primeiro lote de um projeto de manejo da madeira dentro da reserva Chico Mendes. O desmatamento está sendo feito legalmente, mas é controverso até mesmo entre seringueiros que veem a floresta desaparecer à sua frente. "A seringueira dá pouco, mas está lá. Se quiser, tiro dinheiro dela todo ano. Já a madeira é só uma vez", diz Raimundo Ribeiro. Com 51 anos de seringal, hoje ele sustenta a família com uma roça caseira e o Bolsa Família.
A gestão petista - que, se confirmadas as projeções das pesquisas apontando para a reeleição do governador Tião Viana, completará 20 anos à frente do governo estadual - fez do Acre um grande laboratório de projetos de manejo de florestas. O manejo sustentável é defendido desde o início da militância ambiental no Estado por Marina e também consta dor programas dos candidatos Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).
Evandro Araújo, assessor técnico da CooperFloresta, que faz a intermediação entre os seringueiros da reserva e as madeireiras, diz ao Estado que, hoje, a madeira comercializada não é certificada. "Para certificar a madeira, eu tenho de ter oito a 10 pessoas para fiscalizar, financiar auditoria. Isso torna o negócio inviável. E isso é mais pedido no mercado externo. Hoje, por causa do câmbio, não exporto mais", diz Jair Santini Jr., que vende 50 mil metros cúbicos por ano de manejo florestal e é um dos maiores compradores de madeira das áreas de proteção. "São Paulo e Rio não exigem certificação."
Raimundão, como é conhecido o primo de Chico Mendes, tem dúvidas sobre os ganhos dos projetos de manejo implementados no Acre: "Ajuda a integrar a cesta da economia do seringal. Mas não é bom negócio. A borracha dá R$ 400 por mês, a castanha dá R$ 500 por ano, mas isso é sempre."

OESP, 04/10/2014, Política, p. A14

http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,reserva-no-acre-sofre-…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.