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Reserva de Dourados, "uma excrescência"

Agência Amazônia de Notícias - www.agenciaamazonia.com.br
Autor: Montezuma Cruz e Chico Araújo
15 de Jun de 2008

Subprocuradora da República diz que Funai e Funasa não têm condições de atender indígenas.

BRASÍLIA - A subprocuradora geral da República Deborah Duprat, integrante da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão disse não acreditar que na Amazônia há problema de desnutrição severa. Ao esclarecer que a 6ª Câmara é um órgão de coordenação da atividade dos procuradores no Brasil todo e não "de execução", criticou o fato de "as terras indígenas nunca foram pensadas como espaço para sobrevivência das comunidades".

O depoimento da subpocuradora foi prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar causas, conseqüências e responsáveis pela morte de crianças indígenas por subnutrição, entre 2005 e 2007. Segundo Deborah Duprat, a subnutrição de crianças indígenas decorre da inadequação da demarcação de territórios para essas populações. "Até 1988 o Brasil tinha um regime constitucional que impunha aos índios a progressiva integração à comunidade nacional. Diante dessa concepção, as terras indígenas eram encaradas como espaços transitórios em que os grupos pudessem viver até serem integrados".

Ela destacou a aldeia de Dourados como reflexo dessa mentalidade, já que se o território ocupado fosse dividido pela população indígena caberia menos de 1/4 de módulo rural para cada habitante. "Falta espaço para os grupos se reproduzirem, e isso acarreta a desnutrição e outras doenças".

A reserva de Dourados abriga grupos étnicos cuja origem nunca lhes permitiu entre si maiores afinidades. "A área é dominada por um grupo de indígenas que arrendou a área, já em si pequena, para terceiros. Então ela não tem espaço agricultável. A fome vem como conseqüência desse quadro. A Reserva de Dourados é uma excrescência dentro de um quadro de direitos, de autodeterminação, de soberania dos povos indígenas. E não é uma situação isolada, mas sim que se reproduz em outras tantas áreas".

A lei é clara

Deborah lembrou que a Constituição é muito clara sobre o que são povos indígenas e sobre seus direitos. "Além disso, há acordos internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho), que não deixam dúvidas sobre o assunto".

Para a promotora da Infância e da Juventude de Mato Grosso do Sul, Ariadne de Fátima Cantu da Silva, em todo o território nacional há dificuldades na garantia dos direitos fundamentais das crianças indígenas, entre outros motivos pelo próprio desconhecimento da questão cultural indígena. Dados da Unicef e do Conselho Missionária Indígena indicam o acompanhamento sistêmico de órgãos responsáveis para a garantia dos direitos fundamentais da infância indígena. Ariadne Silva disse que a origem dos problemas está na demarcação das terras indígenas.

Ressaltou que o Ministério Público Estadual constatou em Dourados que o principal complicador é que ali vive um grande número de índios desaldeados em uma exígua extensão territorial, praticamente em área urbana, o que deve necessariamente ser levado em conta para enfrentar o problema. "O desaldeamento desses índios, afirmou, gera e alimenta uma série de conseqüências: pobreza, alcoolismo, miséria e a fragmentação da sua própria cultura".

Funai e Funasa impotentes

Segundo informou, com base em dados que considera legítimos, dos 45 assassinatos de indígenas registrados em 2005, no Brasil, 28 ocorreram em Mato Grosso do Sul. De 31 suicídios de indígenas no Brasil, em 2005, 28 ocorreram em Mato Grosso do Sul. De 43 mortes de crianças indígenas por subnutrição no Brasil, nos meses de janeiro a julho de 2005, 31 foram em Mato Grosso do Sul. Existem 15 acampamentos em beira de estrada no Estado inteiro de Mato Grosso do Sul. "A Funasa e a Funai não têm condições de oferecer um programa, uma opção de retorná-las ao seu ambiente cultural e elas passam a crescer em abrigos, sem que se dê alguma opção".

Ariadne Silva informou que a Associação Brasileira do MP apresentou à presidência do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente um projeto-piloto para ser levado a todos os operadores do Direito em território nacional onde existem populações indígenas, "para criar uma diretriz única de enfrentamento não só do problema das crianças subnutridas, mas também daquelas comunidades onde haja indígenas já próximos da cidade e praticando atos infracionais".

Em Mato Grosso do Sul há parcerias entre o MP e chefes de aldeias na aplicação de medidas socioeducativas, transferindo à própria comunidade indígena a administração dos seus problemas quanto à responsabilização por prática de atos infracionais. "Isso é, uma demonstração clara de que se está a respeitar a cultura indígena, no sentido de trazer essa integração plena para o funcionamento melhor do sistema de Justiça". Cópia do projeto foi entregue à CPI.

Cada região tem um jeito próprio de atender o índio

BRASÍLIA - A CPI apurou que o relacionamento dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) com a Funai é limitado, dadas as limitações atuais do órgão. As sedes dos Condisi, um para cada Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), normalmente ficam nas coordenações regionais da Funasa ou nas sedes dos distritos. A Portaria no 644 instituiu o Fórum de Presidentes de Condisi, que se reúne em Brasília, e cuja sede é no Departamento de Saúde Indígena.

Em cada distrito o Condisi atua conforme as particularidades regionais. Por exemplo, o de Tapajós trabalha somente com a etnia Munduruku; o Distrito Sanitário Especial Indígena Kayapó Colíder, só com os Kayapó. Existem os conselhos locais de saúde indígena, que funcionam dentro das aldeias. Eles são formados só por indígenas e fazem o controle social das ações dentro das aldeias, repassando as informações e as demandas para o Conselho Distrital.

"Desintegração do mundo"

O presidente do Conselho Distrital de Altamira (PA) e coordenador do Fórum de Presidentes de Condisi, Willian César Lopes Domingues, atribuiu o aumento do alcoolismo, da desnutrição e do suicídio entre índios "à questão da desintegração do nosso mundo", à rápida introdução de elementos externos sem controle, como a televisão, interferindo com os hábitos e valores".

Para ele, o alcoolismo também se deve à incompreensão e à insegurança criada pela iminente construção da Usina hidrelétrica de Belo Monte. "A população local (Avá-Canoeiro) sente-se ameaçada, com medo de perecer no alagamento da região, o que motiva também o êxodo de habitantes. Outro fator é o da demarcação de terras. Todos fatores são concorrentes e atingem diferentemente as diversas comunidades, conforme a sua cultura e resistência.

Willian informou ser da etnia Xacriabá, mas há 10 anos mora com os Assurinis-do-Xingu, na aldeia Koatinemo. Sobre hábitos de rejeição de crianças por defeitos ou marcas de nascença afirmou existirem entre os Parakanãs e entre os Arawetés, mas não entre os Kaiapós-Xikrin do Bacajá, Mrotidjam, Kaiapó, Potikro e Kararaô, etnias com as quais convive e que conhece. Afirmou que na aldeia em que vive a prática não ocorre há mais de 10 anos, devido ao trabalho de conscientização, no entanto precisa vencer fortes resistências culturais.

Saúde indígena, dever do governo

Citou o caso de uma criança deficiente que por receber pensão passou a ser uma fonte de recursos financeiros para a família, e destacou o fato de não serem as culturas índias estáticas; ao longo do tempo, passaram por diversas mudanças. Há casos esporádicos entre os Arawetés, mas, conforme assegurou, agentes da Funai têm resgatado crianças abandonadas.

O Fórum também pleiteia autonomia política, administrativa e financeira para cada distrito, para minorar as indicações político-partidárias nas chefias e garantir a continuidade e a qualidade técnica do trabalho. Respondendo aos Deputados Cleber Verde e Édio Lopes, Willian informou não haver em Altamira contrato com ONG, e sim com a prefeitura. Um ex-prefeito de Altamira teria sido processado pela Funasa por desvio de recursos destinados a saneamento.

Terceirização danosa

Willian considera danosa a terceirização da assistência à saúde indígena. "Junto com a dificuldade para firmar convênios com prefeituras, ela levou à proliferação das ONGs, e estas têm muitas vezes o seu trabalho comprometido pelo atraso no repasse dos recursos da Funasa e pela obrigatoriedade de fazer licitações.

Os Condisi não têm um corpo técnico e precisam solicitar à Funasa auditorias para localizar os problemas. "Há muito que acompanhar e controlar", considerou.

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