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Represália não deterá o governo, avisa Marina

OESP, Nacional, p. A5
14 de Fev de 2005

Represália não deterá o governo, avisa Marina
'Ou eles vão para a cadeia ou para a legalidade', diz ministra sobre grileiros

Rosa Costa

Com a voz embargada, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, falou da tristeza e revolta com o assassinato da missionária Dorothy Stang e das medidas que o governo vai adotar para impedir que a violência anule as ações adotadas na área contra grileiros e madeireiros. Por telefone, a ministra lembrou que estava a cerca de 300 quilômetros de Anapu, onde a irmã foi morta.
Marina disse que não há como evitar a constatação de que o crime foi uma retaliação contra a disposição do Estado de atuar contra "a escória" que só causa prejuízo à Floresta Amazônica e a seus habitantes. "Ou eles vão para a cadeia ou para a legalidade."
Dezessete anos depois do assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, estamos diante de um fato semelhante?
A atrocidade e a truculência no assassinato da irmã Dorothy foram as mesmas. Eles foram vítimas de uma morte anunciada. A diferença é que Chico Mendes lutava sozinho e morreu sem ver a reserva que tanto queria. Agora é total o empenho do Estado de levar adiante as medidas de preservação e proteção das pessoas que ali vivem e da área ameaçada por grileiros e madeireiros. Irmã Dorothy ia discutir como a comunidade deveria se organizar para receber o dinheiro que ajudaria na implementação daquela reserva.
Que tipo de procedimento o governo adotará contra a violência que ameaça crescer naquela área?
O que aconteceu é uma reação ao que está sendo feito. Infelizmente agiram com a pessoa errada. O Estado não se deterá na luta pela regularização fundiária da área e contra os grileiros, tudo isso terá continuidade. O governo vai continuar agindo contra o desmatamento. Nesta terça-feira, o Meio Ambiente e quatro outros ministérios vão se reunir com o ministro José Dirceu para acertar uma ação conjunta, não só de proteção à população da área, mas igualmente de continuidade ao trabalho que estamos fazendo há dois anos. O ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) luta na Justiça para derrubar a liminar que deu a grileiros um pedaço de terra indevidamente.
O fato de o assassinato ter ocorrido quando a senhora estava no ato de implementação da reserva extrativista Verde para Sempre foi uma represália dos grileiros?
Foi uma represália, não à minha presença mas, sim, a tudo o que o Estado está fazendo, não só na implementação de um um projeto de desenvolvimento sustentável que vinha sendo grilado por grandes grileiros e madeireiros, mas igualmente no combate a práticas incorretas que se arrastavam há muito tempo. O governo indisponibilizou 2 mil propriedades da área que tinham documentação suspeita. Também cancelamos 10 anos de manejo que existia dentro da reserva. É claro que esses grupos reagem dessa forma. A diferença é que há uma ação do Estado em andamento e disso não iremos retroceder. Quando do assassinato, estávamos, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, e outros representantes do governo federal, acertando os termos de implementação dessa reserva.
Haverá reforço à segurança da ministra e de outros integrantes do governo?
A gente nunca acredita que vá ocorrer algo com a gente. Nesses 17 anos em que estou nessa luta, nunca recebi ameaças. O Nilmário Miranda (secretário especial de Direitos Humanos) vai entrar com um pedido de proteção para dois moradores do local, Antonia Melo e Idalino , que também estão na lista de ameaçados.
Em ligação aos EUA, o aviso do perigo Religiosa telefonou para o irmão caçula e previu: "A situação vai ser muito difícil"
Paulo SoteroCorrespondente
WASHINGTON - Na manhã da sexta-feira, Dorothy Mae Stang pressentiu o perigo que se aproximava e fez sua última chamada para os Estados Unidos. Ligou de Anapu para Palmer Lake, no Colorado, para falar com o mais novo de seus 8 irmãs e irmãos. "David, estava pensando em você aí nesse frio, aqui está muito quente e úmido, chove bastante e há um monte de gente me esperando na porta; vamos perto daqui demonstrar nosso apoio a umas pessoas que tiveram suas casas queimadas; elas são pobres e estão na rua, sem ter onde morar", disse ela, segundo relato do irmão, de 67 anos, ontem, ao Estado.
É provável que a religiosa estivesse querendo preparar o espírito do irmão caçula para o que estava por vir. "David, eu pressinto que a situação vai ser muito difícil", continuou. "Eu disse que ela estaria nas minhas orações e que eu rezaria para que Deus a protegesse, e lá ela se foi", disse David. "Eu posso vê-la caminhando firme, sorridente e feliz com o que estava fazendo em apoio aos pobres e à Amazônia; esta será minha última memória de Dorothy."
De acordo com David, ele e sua irmã Margarita, que mora em Fairfax, Virginia, região de Washington, havia reforçado seus laços afetivos com Dorothy numa viagem que fizeram a Belém, em dezembro, para assistir à cerimônia na Assembléia Legislativa do Pará no qual ela recebeu o título de cidadã honorária do Estado. "Dividimos o mesmo quarto durante o fim de semana e rimos muito juntos", contou. "Dorothy disse-nos depois da cerimônia que vários políticos disseram a ela que devia tomar cuidado, mas ela havia recebido muitas ameaças e disse que não tinha medo, pois 'se quiserem me matar, matarão'".
Num e-mail que Dorothy mandou no fim do ano para a irmã Joan Krimm, sua colega de ordem, em Cincinnati, Ohio, ela mencionou as ameaças constantes. A mensagem faz menção a um prêmio de R$ 10 mil que foi oferecido em Anapu a quem matasse a freira. "Dez mil reais? Não valho muito, não é?", brincou Dorothy, acostumada às ameaças. "Ela decidiu adotar a cidadania brasileira depois que começaram a acusá-la de ser uma 'terrorista americana' que estava trazendo armas para a região", contou Joan. "Dorothy havia dito à polícia de Anapu que se nada fosse feito para parar a violência contra os pobres, eles poderiam armar-se para se defender. Quanto a ela mesma pegar em armas, não. Ela dizia: 'Joan, eu não saberia de que lado segurar uma arma'".

OESP, 14/02/2005, Nacional, p. A5

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