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Relatório prevê crise de água e alimento

FSP, Ciência, p. A14
06 de Abr de 2007

Relatório prevê crise de água e alimento
Segunda parte de documento do painel do clima da ONU deve indicar que impacto do aquecimento virá já no meio do século
Texto do IPCC, a ser lançado hoje em Bruxelas, sugere ainda danos a ecossistemas e disseminação de doenças como a dengue na Europa

Marco Aurério Canônico
Enviado especial a Bruxelas

Os efeitos das mudanças climáticas sobre o ambiente e a sociedade não só já são nítidos como podem levar, ainda na primeira metade deste século, à escassez de água e de alimentos, além de fenômenos inusitados -e assustadores- como dengue na Europa.
Esta é a mensagem que os cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) devem divulgar hoje, em Bruxelas (Bélgica), com os dados da segunda parte do chamado AR4, o Quarto Relatório de Avaliação da saúde do clima do planeta.
Direcionado aos "policymakers" -os fazedores de políticas públicas-, o sumário apresenta evidências dos impactos físicos (os mais nítidos), biológicos (os mais bem-documentados) e sociais (os mais controversos) causados pelo aquecimento global.
O texto também analisa a vulnerabilidade das regiões do planeta e as ações a serem tomadas para aumentar a "capacidade adaptativa" da humanidade à porção inevitável das mudanças climáticas.
Cientistas ouvidos pela Folha rejeitam, no entanto, a idéia de que os dados podem cristalizar uma visão apocalíptica sobre o futuro do planeta.
"Não é uma apresentação catastrofista, é um relatório científico honesto, as pessoas verão que as mudanças não vão acontecer do dia para a noite", disse Mohan Munasinghe, vice-presidente do IPCC.
"As boas notícias são que temos evidências científicas claras, sugestões de iniciativas políticas para reduzir a vulnerabilidade e para melhorar a habilidade da sociedade de se adaptar às mudanças", completou.

Europa doente
O brasileiro Ulisses Confalonieri, da Fiocruz, coordenador do capítulo do relatório que trata sobre saúde, é outro que relativiza o tamanho do problema, no que tange aos fenômenos já observáveis.
"De implicação para o Brasil, na parte de saúde, não tem nada. A Europa parece estar mais vulnerável", diz Confalonieri.
"Eles estão assustados com doenças como dengue, leshimaniose, malária, coisas que podem vir da África, cujos vetores podem começar a subir para a Europa com o aumento da temperatura." O maior calor amplia tanto a zona de distribuição de insetos quanto o período quente, propício à sua reprodução, durante o ano.
Não que o impacto sobre a saúde seja desprezível: a exacerbação da poluição urbana, a seqüência de ondas de calor nos países de clima temperado e o maior número de eventos extremos (tempestades, inundações etc.) aumentam o risco para seres humanos -especialmente velhos, crianças e, claro, moradores de áreas pobres.
Mas, segundo o pesquisador brasileiro, entre os dados que serão apresentados hoje o impacto "mais chocante e mais bem-documentado" será na diversidade biológica do planeta.
Outra inter-relação que vai ganhar mais destaque a partir dos novos dados é aquela entre as mudanças projetadas e questões de segurança.
Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção do Clima das Nações Unidas, alertou em comunicado para o perigo de que as mudanças climáticas disparem conflitos por água.
"Os impactos projetados nos mostram que precisamos lançar urgentemente um acordo para ações internacionais futuras e para a criação de fundos para ações de adaptação."

Conselho de Segurança
A seriedade do problema foi corroborada ontem pelo anúncio de que o Conselho de Segurança da ONU debaterá pela primeira vez, no próximo dia 17, a mudança climática como ameaça à paz e à segurança.
"De acordo com algumas estimativas, as mudanças ambientais já deslocaram quase tantas pessoas quanto o número de refugiados tradicionais", diz De Boer em seu texto.
"À medida que os impactos do clima forem mais drásticos, o número de desabrigados deve crescer consideravelmente, chegando possivelmente a 50 milhões de pessoas em 2010."
A falta de água e comida como fator de migração também é considerada por Confalonieri.
"O IPCC projeta, para a primeira metade deste século, uma redução na produção de alimentos nos trópicos, pela diminuição das chuvas", explica.

Conclusão de texto envolve debate intenso

Do enviado especial a Bruxelas

A transformação das mais de 1.500 páginas do relatório do IPCC no documento de 21 páginas divulgado hoje é um processo exaustivo, que envolve reuniões intermináveis -e, não raro, intensos debates para chegar a uma redação de consenso.
"Tem um monte de sutilezas de linguagem, uma ou outra coisa de conteúdo, é um troço chato", relata Ulisses Confalonieri.
"No meu capítulo [Saúde] não mudaram quase nada. Não é uma platéia de políticos, diplomatas e oportunistas que vai mudar o que se escreveu."
"Esse documento vai ser usado pelos governos nas negociações, então ele precisa refletir a visão dos países sobre o sumário técnico do IPCC", diz José Miguez, do Ministério da Ciência e Tecnologia. "Há uma parte política na negociação da linguagem, mas não se desvia dos dados científicos."
Mesmo assim, assuntos espinhosos para alguns países muitas vezes ganham alguma reformulação. Ontem, por exemplo, uma menção a "alto risco" de extinção de espécies foi trocada por "risco aumentado". E, segundo a Folha apurou, a delegação brasileira fazia objeções a que o texto final do sumário fizesse referência à savanização da Amazônia, causada pelo aquecimento. (MAC)

FSP, 06/04/2007, Ciência, p. A14

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