VOLTAR

Relatório do IPCC coloca futuro em nossas mãos

O Globo, Amanhã, p. 23
Autor: KAHN, Suzana
08 de Out de 2013

RELATÓRIO DO IPCC COLOCA FUTURO EM NOSSAS MÃOS
Novidade dos dados apresentados em Estocolmo é vincular a responsabilidade das alterações climáticas às ações políticas

Uma das inovações do Quinto Relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado no dia 27 de setembro em Estocolmo, é o uso de diversos caminhos de concentração dos gases de efeito estufa, os RCPs (Representative Concentration Pathways), que fornecem intervalos de elevação de temperatura ao final deste século. Ou seja, dependendo de como o mundo caminhará, a temperatura sofrerá uma variação de acordo. Isto coloca em nossas mãos a escolha de como será o amanhã. Esta sutil mudança de apresentar as projeções dos sofisticados modelos matemáticos contribui, na minha opinião, para dar maior responsabilidade às ações dos "tomadores de decisões" que tiveram o sumário do relatório do Grupo 1 do IPCC dedicado a eles.
Tradicionalmente, o Grupo 1 do IPCC, que trata da ciência do clima, focava mais na avaliação do que ocorre com a concentração de gases na atmosfera e outros agentes, como nuvens, que provocam determinado forçamento radiativo e sua relação com as mudanças climáticas. O forçamento radiativo nada mais é do que a alteração da quantidade de energia que chega à superfície terrestre (W/m2).
Só que, para os "tomadores de decisão", o que interessa de fato são as emissões derivadas das atividades humanas, tanto para atribuir responsabilidades como para poder agir. Assim, com o uso dos RCPs, se dá um passo anterior às concentrações e se considera os diferentes caminhos de emissões associadas ao nosso comportamento na Terra. Ou seja, como iremos crescer, nos desenvolver e consumir. Com isto, o Grupo 1, antes tão abstrato, se aproximou mais do mundo real e assim não deixou seu relatório descolado das ações políticas.
Eis por que tantos debates, discussões, grupos paralelos de consultas ocorreram nas últimas semanas. Pois o que se discutia ali não era a ciência, mas sim como traduzi-la para que os políticos a entendessem corretamente. As principais mensagens podem ser resumidas como:
1) A temperatura média da superfície da Terra está aumentando desde o século XIX, e a década de 2000 foi a mais quente; 2) Aumentaram os dados de análise do clima passado, o que nos dá maior segurança de projetar o futuro. Por exemplo, o período de análise de registros do gelo (ice core) passou de 650 mil anos atrás para 800 mil anos atrás, e o ano de 2011 tem a maior concentração de CO2, CH4 e N2O deste período todo; 3) O oceano se aqueceu, os mares subiram, e o gelo está derretendo.
Porém, a constatação mais impactante é a influência humana no sistema climático. Este último relatório destaca que o aquecimento global é inequívoco, e as atividades humanas são responsáveis por isto desde meados do século passado.
No entanto, além de se buscar que os políticos percebam a importância da mensagem passada pelo IPCC, creio ser ainda mais relevante que a sociedade como um todo a entenda. Até porque o papel dos políticos ou tomadores de decisão é trabalhar para a sociedade, implementando políticas públicas que atendam o que esta sociedade deseja.
Ao se trabalhar com os RCPs e as projeções de aumento de temperatura correspondentes, fica claro que está nas nossas mãos a busca por um caminho que não nos leve para o risco de ruptura de um padrão climático com consequências ainda pouco conhecidas, mas seguramente perigosas. Cabe a humanidade definir qual caminho a seguir, já que a mudança climática tem a nossa impressão digital.

Suzana Kahn/Colunista Convidado Vice-presidente do IPCC e Professora da Coppe/UFRJ

O Globo, 08/10/2013, Amanhã, p. 23

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.