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Reflorestar não é plantar

O Globo, Razão Social, p. 18-19
16 de Nov de 2010

Reflorestar não é plantar
Mudas não garantem florestas de pé, se não há acompanhame

Camila Nobrega
camila.nobrega@oglobo.com.br

À beira do rio Macacu, em Papucaia, distrito de Cachoeiras do Sul, uma extensa área dá lugar a miniaturas de árvores que lutam para se manter de pé faça chuva, sol, apareça alguma praga ou um boi resolva passar por cima. Mas nem todas aguentam. De cada dez, pelo menos duas mudas apresentam sinais de cansaço, ou já estão derrotadas por alguma dessas condições. Trata-se de um grande reflorestamento da Cedae, com 51.280 mil mudas plantadas num só dia, enviado inclusive para análise para entrar no Guiness, o livro dos recordes.

E é também exemplo prático de como praticar o verbo reflorestar, embora esteja na moda, não é tão simples quanto parece.

A área reflorestada em Papucaia abrange pedaços de fazendas da região.

E foi fruto de um acordo da Cedae com os fazendeiros, já que os terrenos são cortados pelo rio Macacu, de onde a empresa capta água utilizada na Estação de Tratamento da Cedae, Laranjal, que abastece os municípios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. Num só dia, uma força tarefa coletiva atingiu a marca das mais de 51 mil mudas plantadas. Foram crianças, apenados de regime semiaberto e funcionários da Cedae, que passaram o Dia da Árvore (21 de setembro) plantando as mudas, como parte do Programa de Replantio de Matas Ciliares da empresa, para garantir água mais limpa na fonte. Mas, embora a ação possa entrar no livro dos recordes e tenha sido muito noticiada, o trabalho não acabou ali, muito pelo contrário.

Mudas estão longe de ser garantia de árvores crescidas.

A Cedae sabe disso, por isso mantém cerca de 30 pessoas trabalhando lá no terreno, todos apenados, como Carlos Carneiro. Todos os dias, ele anda pela terra observando o crescimento das mudas.

É preciso limpar a grama em volta, checar se há algum inseto atacando as futuras plantas, e até afastar o gado que pula as cercas e as pisoteiam: - Essa aqui secou, vamos ter que substituir. Mesmo cuidando, tem muda que não vinga - explicou.

O supervisor, Hamilton Correa, técnico agrícola e responsável pelo reflorestamento no local, disse inicialmente que é normal uma perda de 10% das mudas. Mas afirmou que, naquela área, a meta é manter a perda em apenas 5%, embora a olho nu seja possível constatar problemas com um número bem superior de mudas.

- Elas são plantadas uma pertinho da outra porque, se não vingarem todas, uma toma o lugar da outra. Desde o dia do plantio, nós substituímos cerca de 200 mudas. Tinha criança plantando, voluntários. A ação foi bacana, mas as pessoas nem sempre plantam direito. Aí tivemos que refazer. Já as que não vingam, vamos replantar.

Esse pós-reflorestamento, no entanto, nem sempre é divulgado com transparência.

É o que afirmou a presidente do Instituto Baía de Guanabara (IBG), Dora Negreiros. Segundo ela, é preciso que a sociedade possa acompanhar o difícil processo de recuperação de uma área de floresta: - Uma muda não significa uma nova árvore de pé. Se fosse assim, derrubar árvores era algo facilmente reparável.

O plantio da Cedae, por exemplo, ocorreu numa época bastante seca, quando o solo não estava ideal, porque foi marcado com antecedência para o Dia da Árvore. O ato de plantar é apenas o início de um longo caminho até o crescimento de uma árvore.

Segundo a presidente do Instituto SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota, não há plantio em que todas as mudas vinguem.

E, antes de plantar, é preciso pensar em uma série de fatores, como mudas adequadas para o solo, espaço entre elas, e até a manutenção da biodiversidade: - Não se decide 'amanhã vamos plantar na margem do rio'. É preciso checar se há um viveiro próximo, qual a variedade necessária para manter a biodiversidade, como será a manutenção.

E os resultados são lentos.

De acordo com a ambientalista, a própria SOS Mata Atlântica já teve problemas com reflorestamentos. Segundo levantamento da ONG, nas cidades de Piracicaba e Itu (São Paulo), as mudas foram pisoteadas por animais durante pastoreio ou pastagem. Em Hortolândia e Itu, áreas que deviam ter sido isoladas por fazendeiros ficaram abertas, permitindo acesso de animais e pessoas. No município de Mendes, no Rio de Janeiro, a área reflorestada foi prejudicada por queimadas. E em Itatiba (SP), houve falta de alguns cuidados no plantio e manutenção.

Além disso, em outros locais houve erosão e até espécies invasoras.

Tudo documentado pela instituição e disponibilizado no site: - Se nossos doadores ou qualquer pessoa quiserem acompanhar, temos tudo na internet. No caso dos doadores, a gente manda sistematicamente os relatórios. Todas as organizações e empresas precisam prestar contas à sociedade. Muita gente pergunta onde vão parar tantas árvores plantadas por aí. E isso tira a credibilidade de vários projetos. Plantar mudas não é sinônimo de reflorestar uma área.

Márcia se referia ao uso inadequado da palavra reflorestamento, quando não há acompanhamento por parte da empresa.

Na prática, a área só pode ser considerada recuperada, quando as árvores estão crescidas e respondem às necessidades do local escolhido. No caso das empresas, portanto, é preciso pensar duas vezes antes de pegar carona na moda de neutralizar emissões de carbono pelo plantio de árvores. A empreitada pode ser muito mais difícil do que parece. Já o consumidor precisa ficar atento para cobrar resultados de programas de reflorestamento. Afinal, multiplicam-se produtos que têm agregado valor no mercado prometendo a recuperação de áreas florestais.

É o caso da rede Ipiranga, de postos de gasolina, que oferece o cartão Carbono Zero desde 2007. A promessa é neutralizar as emissões de CO2 equivalentes à quantidade de gasolina dos carros abastecidos nos postos da rede. Para isso, a empresa mantém projetos de reflorestamento, administrados por parceiros.

Segundo a empresa, o consumidor pode se manter informado sobre os plantios no site www.cartaoipirangacarbonozero.com.br e pode pedir visitas aos locais de plantio, nos municípios de Pato Branco (Paraná), Guzolândia (São Paulo) e Barra do Piraí (Rio de Janeiro).

Até o momento, a Ipiranga afirma que foram plantadas 135 mil mudas pelo projeto e, dessas, 91% estariam vivas, em crescimento normal. Mas no site do projeto não é tão simples encontrar as informações. Não há, por exemplo, esse balanço de quantas mudas não vingaram e quais foram as dificuldades. Faltam também informações sobre visitas aos locais de plantio, o que pode ser agendado, de acordo com a empresa.

Outro caso é o do site eco4planet.

com, que foi lançado com o mote do reflorestamento. A cada 50 mil acessos, eles plantam uma árvore. A equipe do site disponibiliza fotos e vídeos dos plantios, para que os internautas possam acompanhar, além da contagem regressiva para o plantio de uma nova muda.

Mas o site peca no mesmo ponto de muitos no mundo virtual: faltam informações sobre a continuidade do processo.

Cuidados com a área reflorestada

A Vale mantém desde 2007 o programa de reflorestamento Vale Florestar, que funciona como uma forma de compensação ambiental para os impactos causados pela atividade extrativista da companhia.

Para isso, possui um viveiro localizado na cidade de Linhares, no Espírito Santo, com capacidade de produção de 3 mil mudas por ano, com 500 espécies nativas brasileiras.

Segundo técnicos de reflor e s t a m e n t o d a e m p r e s a , o processo inteiro exige muitos cuidados. Ele tem início na hora do diagnóstico ambiental, quando se avalia a capacidade de autorrecuperação do ecossistema em determinado local, as propriedades do solo e etc. Há inclusive locais onde o plantio de mudas não é necessário, onde podem ser usadas técnicas de restauração, controlando espécies invasoras, e conduzindo à regeneração natural.

Um projeto de reflorestamento pode fracassar completamente se o diagnóstico ambiental não for bem feito ou se não forem tomadas medidas de manutenção da área plantada. As medidas incluem o replantio, o controle de formigas cortadeiras e de espécies exóticas invasoras, proteção contra incêndios e entrada de grandes bois e cavalos na propriedade. É necessário também fazer avaliação periódica da área reflorestada.

O Globo, 16/11/2010, Razão Social, p. 18-19

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