VOLTAR

Rede de Escolas Baniwa e Coripaco avança na consolidação da educação escolar indígena no noroeste amazônico

Instituto Socioambiental - www.socioambiental.org
Autor: Laise Lopes Diniz
13 de Nov de 2008

Encontro em Ucuqui Cachoeira, no Alto Rio Ayari, (Alto Rio Negro), no noroeste amazônico reuniu cerca de 300 representantes de escolas Baniwa e Coripaco, entre professores e alunos e criou uma rede de escolas. A idéia é aliar práticas educacionais coletivas aos projetos socioambientais das comunidades e promover o intercâmbio entre as escolas.

A comunidade de Ucuqui Cachoeira, Alto Rio Ayari, recebeu entre 12 e 15 de outubro em sua nova maloca os cerca de 300 representantes das escolas Kayakaapali, Pamáali, Kalidzamai, Herieni, Hiipana, Waliperedakenai, Maadzero, Paraattana e Eenawi.

Apesar da longa viagem para chegar a Ucuqui Cachoeira que incluiu de dois a três dias de bongo para alguns e uma caminhada de 12 horas para outros, os professores e alunos Baniwa e Coripaco chegaram animados e mantiveram o ritmo durante os quatro dias de encontro que discutiu e criou a Rede de Escolas Baniwa e Coripaco. Veja no mapa a distribuição das escolas e onde se localizam.

A proposta é resultado da preocupação com a educação escolar desenvolvida nas comunidades, e visa estabelecer um ambiente de troca de experiências e a construção conjunta pelas diferentes escolas de políticas educacionais articuladas aos projetos socioambientais pensados e propostos pelas organizações de base e comunidades. "Escolas existem há muito tempo na nossa região, mas a escola que a gente quer veio há pouco tempo, ou está começando e parece que o governo não entende muito bem o que é a educação indígena. Por isso temos que nos unir e ficar fortes, para não voltar à escola que não queremos", definiu o professor Alberto de Lima, de Uapuí Cachoeira, enfatizando a importância da criação da rede.

A experiência da Escola Indígena Baniwa-Coripaco-Pamáali (EIBC-Pamáali), no Médio Rio Içana, que conta com o apoio do Projeto Educação Escolar Indígena do Alto Rio Negro, desenvolvido pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro em parceria com o ISA, foi o exemplo que inspirou a criação da rede. A Pamáali foi fundada no ano 2000, depois de uma grande assembléia na qual os povos baniwa e coripaco decidiram organizar uma escola de acordo com a vivência nas suas comunidades, que valorizasse a sua língua e cultura. O ensino é via pesquisa e cada aluno desenvolve um trabalho relacionado aos projetos da escola e a atividades que promovem o desenvolvimento sustentável das comunidades. E tem um blog que pode ser acessado.

Considerada um avanço na consolidação da proposta do ensino com qualidade e na construção do Programa de Educação Baniwa e Coripaco, a rede recém-criada será um espaço privilegiado de interação e diálogo entre as comunidades dos rios Içana, Ayari e Cuiari, reunindo os professores que atuam na região, alunos, pais e lideranças. Também de troca de informações e de formação.

Os primeiros passos

O embrião começou a se desenvolver em 2006 quando foram realizados dois grandes encontros das escolas da região do Rio Içana, para discutir a educação escolar Baniwa e Coripaco vinculada aos projetos das comunidades. A participação de lideranças, professores, pais e alunos foi fundamental para definir como deveria ser o ensino escolar.

O primeiro encontro reuniu cerca de 250 pessoas na EIBC-Pamáali. Ali foram definidas as propostas curriculares nos diferentes níveis de ensino e estabeleceu-se que nos primeiros anos a língua de instrução seria Baniwa e Coripaco (ou a língua falada pelas crianças) e a proposta curricular tinha de estar articulada às atividades cotidianas da comunidade. Ainda em 2006 foram realizados os primeiros intercâmbios entre as escolas Baniwa e Coripaco, promovendo encontros de formação de professores e trocas de experiências entre alunos/professores.

Em 2007, os intercâmbios foram decisivos na decisão de criar a rede de escolas. Para o coordenador da Escola Pamaáli, Juvêncio Cardoso, a rede possibilita construir um plano estratégico entre as escolas e aproveita as experiências de professores, lideranças e alunos que tiveram maior oportunidade de formação. "É um espaço de troca de experiência entre as escolas, auto-formação de professores, produção de material didático e documentário das atividades culturais e pedagógicas. É o espaço para os Baniwa e Coripaco discutirem suas estratégias de formação".

A proposta formal da rede de foi construída em junho de 2008, durante encontro na EIBC-Pamáali com a participação de nove escolas de ensino fundamental completo, que funcionam no sistema nucleado e atendem a 60 comunidades da região do Içana, Ayari e Cuiari.

Acesso a experiências de êxito

A rede pretende garantir de forma igualitária, que as escolas Baniwa e Coripaco tenham acesso a experiências de educação que tiveram êxito na região, incentivando a formação continuada e em serviço dos professores, assim como, o intercâmbio entre alunos e a discussão das lideranças para construir o ensino de acordo com a realidade das comunidades. E permitirá que os alunos de uma escola possam estudar ou mesmo estagiar em outra escola por período determinado. Porém esse estágio ou período de estudo deverá ser combinado com o professor a partir de um plano de trabalho. A boa notícia é que o tempo em que o aluno estudou em outra escola será considerado para avaliação pela escola onde ele está matriculado e constará dos documentos escolares.

A Associação do Conselho da Escola Pamáali (ACEP) ficou responsável pela captação de recursos para viabilizar os encontros e a gestão será acompanhada por cada associação parceira da Rede (APMC-EIN; APMC-HIPANA; AEL, CERIC; AEIK; ACEH, AEP e ACEIK).

Os Assessores Pedagógicos Indígenas (APIs) - categoria reconhecida de professores indígenas da Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira (Semec), que atua na formação dos docentes - serão os responsáveis por sistematizar as propostas dos encontros, para que possam ser incluídas no Programa de Educação Escolar Baniwa e Coripa

Intercâmbio e encontros

Uma das principais linhas de ação da rede será a formação (autoformação) dos professores no sentido de que tenham condições de buscar juntos, estratégias pedagógicas, instrumentos de auto-gestão e conhecimentos, deixando de lado práticas que não sejam coletivas.

Intercâmbios e encontros entre as escolas vão garantir a consolidação das práticas educativas. Assim, os intercâmbios foram organizados em três momentos. O primeiro, chamado de Wawakaaka-topewa (Nosso Pequeno Encontro), vai reunir professores, alunos, pais e lideranças de cada escola nucleada, o que corresponde a seis comunidades em média. A idéia é consolidar a prática educativa: a construção coletiva de saberes/conhecimentos e da vivência de relações mais democráticas, nas quais a contribuição de cada professor será necessariamente o ponto de partida das discussões, como fator de enriquecimento do grupo.

O segundo momento, chamado de Wawakaaka-pheenawa, (Nosso Encontro um pouco maior) são os encontros de sub-regionais dos rios Içana e Ayari. O objetivo é que os professores de diferentes escolas possam interagir, expor suas práticas e ouvir as demais e usar as práticas que deram bons resultados na formação escolar.

O terceiro momento, o Wawakaaka-piwa (Nosso Encontro Grande), é o de consolidar as propostas pedagógicas levantadas nas duas fases anteriores. Nele estarão envolvidos todos os professores das nove escolas e mais as lideranças das sub-regiões do Içana e Ayari. É o momento de implementar as experiências, as trocas, as propostas construídas durante o primeiro e o segundo momento, de forma que possam integrar o Programa de Educação Escolar Baniwa e Coripaco e assim serem assumidas como política pública do município de São Gabriel da Cachoeira e do Estado do Amazonas.

Intercâmbios entre professores e alunos de diferentes escolas para troca e aprendizagem, apoio a atividades de ensino, pesquisa ou formação também serão promovidos pela rede como forma de garantir a qualidade do ensino.

Festa na maloca

O encontro terminou com uma grande festa de inauguração da Maloca da comunidade, preparada pela Escola Heriene com os velhos da comunidade Ucuqui Cachoeira. Na noite do dia 15 de outubro, com todos os participantes dentro da Maloca os jovens e professores apresentaram a dança tradicional do Yooko, com o bastão de ambaúba. Em seguida todos se prepararam para o Jurupari, com a cerimônia de Kapetti. "É um momento sagrado, um momento em que os dançarinos estão benzendo a maloca antes de aparecer o herói Ñapirikoli", explica o professor Marcelino Fontes, um dos participantes do ritual.

O som das flautas sagradas de Kowai é afinado, agudo e alto. Cada um deles está associado a um determinado comportamento das pessoas. Como parte do ritual, que encerrou a cerimônica, duas pessoas com dois kapetti (chicote ritual) na mão, entraram na maloca e se posicionaram no centro, dando duas chicotadas nas costas de cada um.

"Este é o momento de perder preguiça de trabalhar, receber conselho para comportarem-se bem entre as pessoas da comunidade, ter uma vida saudável e de prevenir-se de doenças", explica o professor Marcelino Fontes.

No dia seguinte a festa de Podáali (dabucuri), com frutas, beijus e farinhas, preparada pela Escola Herieni e a comunidade Ucuqui foi a forma de agradecimento a todos os presentes ao encontro. Durante o Podáali foram apresentadas as danças carriço, japurutu e surubim. Tudo em retribuição aos presentes levados por cada grupo que veio participar do encontro e garantir a alimentação da viagem de retorno para suas comunidades.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.