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Recuperação da mata atlântica é oportunidade única para enfrentar mudança climática

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/
Autor: PINTO, Luis Fernando Guedes; VOIVODIC, Mauricio
07 de Mai de 2021

Recuperação da mata atlântica é oportunidade única para enfrentar mudança climática
Com combate ao desmatamento, Brasil pode contribuir para que metas do Acordo de Paris sejam alcançadas

Luis Fernando Guedes Pinto
Engenheiro agrônomo, diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata atlântica e membro da Rede Folha de Empreendedores Sociais

Mauricio Voivodic
Engenheiro florestal e diretor-executivo do WWF Brasil

[RESUMO] A reversão da destruição da mata atlântica, o bioma mais ameaçado do Brasil, com apenas 12,4% da vegetação original remanescente, deve ter prioridade na política ambiental do país e ser inserida na agenda global de mitigação das mudanças climáticas.

A mata atlântica é um dos ecossistemas com maior prioridade para a restauração no mundo, considerando-se os benefícios para a conservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas.

Segundo estudo publicado na revista Nature, o bioma faz parte de um grupo de ecossistemas em que a restauração de 15% da sua área evitaria 60% da extinção de espécies previstas e, ao mesmo tempo, sequestraria o equivalente a 30% do CO2 lançado na atmosfera desde o início da revolução industrial.

Por isso, nesta que é a Década da Restauração de Ecossistemas da ONU e a poucas semanas do Dia da Mata Atlântica, em 21 de maio, publicamos uma carta na revista Nature Climate Change com o objetivo de mostrar a importância da inserção de sua recuperação na agenda climática mundial.

O documento reforça para o mundo e para o Brasil que acabar com o desmatamento e restaurar ecossistemas são soluções baseadas na natureza para alcançarmos a meta de 1,5 oC de aquecimento global até o fim do século 21. São contribuições para o Acordo de Paris que o Brasil pode alcançar com menor esforço, rapidez e respeitando nossa vocação de potência ambiental, especialmente quando comparadas à substituição definitiva dos combustíveis fósseis.

Há 30 mil anos, a mata atlântica era conectada à Amazônia, formando uma única floresta que se separou a partir da última glaciação. Após milênios de interação com povos indígenas, o bioma começou a ser destruído com a chegada dos europeus em 1500 e da instalação dos ciclos econômicos predatórios do pau-brasil, do ouro e do café até meados do século 20.

As matas naturais foram destruídas para exportar à Europa e alimentar os brasileiros, populações indígenas foram escravizadas e dizimadas. Hoje resistem 29 grupos étnicos de povos indígenas que vivem em 196 terras. Estão presentes comunidades quilombolas e populações tradicionais, como os caiçaras.

Foi uma espécie nativa do bioma que deu nome ao nosso país: o pau-brasil (Caesalpinia echinata). A árvore era derrubada para a construção civil, fabricação de móveis, navios, instrumentos musicais e para tingir roupas. Foi praticamente extinta e hoje ainda é considerada ameaçada. Em 2020, uma árvore de pau-brasil com mais 500 anos foi encontrada no sul da Bahia, uma testemunha da nossa história.

Como resultado desses 521 anos de devastação, apenas 12,4% da vegetação original permanece. O que sobrou está abaixo do limite mínimo aceitável para a conservação da sua biodiversidade, que foi apontada como 30% em estudo publicado na Science. Abaixo desse mínimo, ecossistemas sofrem um processo de autodegradação, reduzindo sua capacidade de manter populações viáveis e prover serviços ecossistêmicos, como o abastecimento de água e a polinização de espécies agrícolas.

A mata atlântica é um dos mais importantes "hotspots" para a conservação da biodiversidade do mundo. Abriga mais de 20 mil espécies, incluindo a maior diversidade de árvores do planeta, 384 espécies de mamíferos e 1.025 de aves. São 6.000 endêmicas e um quarto das espécies ameaçadas de extinção no Brasil. Até hoje continuamos descobrindo novas espécies em suas matas.

Apenas 13% da mata atlântica é protegida por diferentes tipos de unidades de conservação, e apenas 9% do bioma é dedicado exclusivamente à conservação. Em algumas sub-regiões, somente 1% da vegetação remanescente é protegida. Embora existam áreas com mais de 10 mil hectares (ha), a maioria dos fragmentos florestais está distribuída de maneira muito desigual em matas com menos de 50 ha e, em 80% dos casos, em propriedades privadas.

Nessa condição de bioma megadiverso, muito ameaçado e altamente fragmentado, a mata atlântica foi considerada patrimônio nacional na Constituição Federal de 1988. Em 2006, foi aprovada a Lei da Mata Atlântica, que protege e orienta a exploração e a conservação da sua vegetação nativa. Também passou a ser reconhecida como uma das reservas da biosfera da Unesco no mundo.

Embora seja o bioma mais ameaçado do Brasil e esteja protegido por diversos instrumentos, a história recente e estudos atuais revelam um futuro preocupante para suas matas. Desde 1990, perdemos mais de 5 milhões de hectares (uma área próxima da metade de Portugal). Foram cerca de 100 mil ha perdidos por ano na década de 1990.

Com avanços na governança, no controle e fiscalização, na participação da sociedade civil e na tecnologia, o desmatamento caiu drasticamente, de 90 mil ha em 2000 para 11,4 mil ha em 2018. Ainda assim, as mudanças nas políticas ambientais do Brasil fizeram o desmatamento aumentar 30% em 2020.

A aparente estabilidade desde 1985 (com regeneração de novas áreas) oculta a perda de florestas maduras e a degradação de fragmentos, com a morte de árvores grandes e raras e a perda de carbono. Os fragmentos estão se tornando mais isolados e pobres.

Com esse quadro preocupante, o bioma abriga 70% da população brasileira, responde por 80% da economia, engloba grandes centros urbanos e industriais, além de ser responsável por grande parte da produção de alimentos do país. Todos dependem dos seus serviços ecossistêmicos, que se encontram sob ameaça. A região se conecta ao mundo através do comércio de commodities como açúcar, café, suco de laranja e celulose.

Apesar de as tendências apontarem para um aumento do desmatamento em todo o país devido ao enfraquecimento do Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente) e às mudanças legais, o Brasil havia construído um caminho para controlar o desmatamento. O sucesso foi comprovado pela forte redução na taxa de desmatamento da Amazônia entre 2004 e 2012.

Chegou a hora de reconstruir esse caminho, retomando o PPCDAM (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) para garantir que o bioma não alcance o seu ponto crítico de não retorno e não entre na desastrosa trajetória de savanização -um desastre para o mundo e para o Brasil.

Um novo caminho precisa ser aberto para assegurar a recuperação da mata atlântica e reverter o seu ponto crítico, que foi ultrapassado décadas atrás. Além da sua lei específica e de um pacto multissetorial para a sua conservação, o Brasil conta com estruturas e políticas para guiar a proteção e a recuperação da sua vegetação, como o Código Florestal, o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), o Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa) e a recém-aprovada Lei de Pagamentos por Serviços Ambientais.

O Planaveg pretende restaurar 12 milhões de hectares no país, e o Pacto da Mata Atlântica tem planos de restaurar 15 milhões de hectares até 2050. Entre 4,1 e 5,2 milhões de hectares de matas ciliares também precisam ser restaurados para estarmos em conformidade com o Código Florestal no bioma.

Um forte esforço para realizar a restauração florestal em larga escala, com a implementação do Código Florestal, o aumento da proporção de áreas protegidas, a implantação de uma agenda positiva de incentivos econômicos e novas políticas para combater a degradação florestal complementaria o atual roteiro para o sucesso das ações de conservação.

O objetivo da conservação deve ser reverter o ponto crítico para assegurar a manutenção e a provisão a longo prazo dos serviços ecossistêmicos necessários para a produção de alimentos e o abastecimento de água. Restaurar a mata atlântica geraria benefícios não apenas para a população e a economia nacional, mas também para o planeta e a humanidade como um todo.

No contexto da ambição climática, é fundamental a conservação e recuperação das florestas tropicais altamente ameaçadas e fragmentadas. O caso da mata atlântica pode se tornar uma referência. Temos a governança, conhecimento e tecnologia para a sua restauração.

O Desafio Bonn e a Década da Restauração de Ecossistemas da ONU fornecem as estruturas internacionais necessárias para conduzir iniciativas de conservação, as quais devem ser complementadas com vontade política internacional, nacional e subnacional e investimentos do setor privado para benefício da sociedade e das futuras gerações.

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