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Raposa Serra do Sol: uma questão de identidade

Folha de Boa Vista
Autor: Devair Antônio Fiorotti *
08 de Mai de 2008

O Jornal Folha de Boa Vista, de 7/5/2008, trouxe um depoimento que ilumina bem o estado conflituoso existente na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. É do Tenente Paulino, brasileiro, Taurepang, que lutou na Segunda Guerra Mundial.

Algumas questões são levantadas pelo Tenente: se ele seria brasileiro, por ter saído do meio indígena e ido lutar pelo Brasil. Depois, "Por ventura uma grande porcentagem de indígenas não estão se misturando com a raça branca? Por ventura não tem uma grande quantidade de índios de sangue puro morando na cidade de Boa Vista?"

Quem vive em Boa Vista sabe do que o Tenente fala. Os indígenas convivem de forma integrada com os não índios. Os indígenas estão nas escolas em todos os níveis. Eles participam da vida urbana, são empregadas domésticas, professores, ocupam funções públicas.

Contudo, outra pergunta feita pelo Tenente merece destaque: "Por que os índios podem permanecer no meio dos brancos e os brancos não podem permanecer no meio de vocês [índios]?". Observe que ele não usa a palavra "nós", apesar de ele ser de origem Taurepang. O conflito de identidade é latente: o que significa ser índio hoje no Brasil? Se, por um lado, não há conflito urbano direto; por outro, essa questão toca em aspecto evidente do que é ser índio ou não índio.

Criamos uma legislação ufanista em relação aos indígenas, que não condiz com a realidade existente. A legislação, em sua maioria, localiza os indígenas como seres completamente afastados da sociedade não índia. Essa não é a realidade da grande maioria dos povos indígenas de nosso estado.

O aspecto separatista é criado principalmente por não se pensar as comunidades indígenas em sua realidade atual, mas como se elas fossem a mesma da época do Rondon.

Outras perguntas se desdobram das questões do Tenente. Os não índios convivem com os índios em seu meio, mas por que, por exemplo, os não índios não podem ter acesso mais direto às comunidades indígenas? Por que não é possível a existência de não índios vizinhos à comunidade indígena, se isso já existe no meio urbano? Como desdobramento dessas questões, qual a identidade que nós construímos dos índios? Qual a identidade que os indígenas construíram dos não índios?

Por último, a foto do tenente presente em seu depoimento traduz a relação de conflito de identidade existente no Brasil em relação aos indígenas. É um brasileiro, Taurepang, fardado, representante de nosso País na Segunda Guerra Mundial.

Ele olha para frente, fitando quem lê seu texto, nos olhos. Ele está em forma. Para quem? Certamente para quem lê o texto, para um País que continua empurrando para debaixo do tapete a complexa e latente relação entre os índios e não índios.

* Prof. Dr. de Letras da UERR

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