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RAPOSA SERRA DO SOL - STF recomenda liberação da transarrozeira

Folha de Boa Vista
12 de Mai de 2008

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, recomendou ao ministro da Justiça, Tarso Genro, sábado à noite, o desbloqueio da RR-319, na terra indígena Raposa Serra do Sol. A transarrozeira foi interditada por indígenas que exigem a expulsão dos arrozeiros há uma semana e liberada no final da tarde.

A ordem foi repassada ao superintendente da Polícia Federal, José Maria Fonseca, que ontem à tarde foi até a barreira, a 105 quilômetros de Boa Vista, negociar com os indígenas. No retorno, o delegado informou que os índios concordaram com a liberação da estrada, mas até sua saída do local os índios permaneciam mobilizados.

Segundo ele, os indígenas exigiram mais policiamento para evitar o tráfego de pessoas armadas. "Eles disseram que há pessoas transitando com carabinas, em caminhonetes". Para atender à reivindicação, o superintendente informou que vai reforçar o efetivo já existente em uma barreira da PF a 60 quilômetros do conflito.

Além disso, acrescentou que a Funai (Fundação Nacional do Índio) vai instalar dois pontos de comunicação via rádio nas comunidades indígenas próximas à barreira.

O procurador-geral de Roraima, Luciano Queiroz, afirmou ontem que o ministro Ayres Britto recomendou o desbloqueio da RR-319 após ação judicial protocolada pelo Estado no sábado à tarde. "Ele despachou no processo às 21h, de sua casa, em Brasília".

Queiroz pediu ainda que o STF ordenasse a proibição de novos bloqueios até a decisão definitiva do caso, que deverá ocorrer em duas semanas. "Se o próprio poder estatal foi proibido de retirar não-índios da reserva, alguns índios não podem se revestir do poder de polícia, obstruir uma rodovia e impedir o direito de ir e vir em área que ainda não foi definida se é ou não terra indígena", argumenta.

Ainda no final da tarde de ontem, o juiz federal Hélder Girão Barreto concedeu liminar em ação cautelar ajuizada pelo produtor Ivo Barili, pedindo a desobstrução do bloqueio. A Polícia Federal foi notificada para cumprir a ordem.

Produtores perdem 2.500 sacas de arroz com bloqueio

Um bloqueio feito com lombadas e cercas de arame, na estrada transarrozeira, impede que os rizicultores colham o arroz e tragam para comercialização em Boa Vista. "Que dia lindo para colher, esse sol está perfeito", disse o rizicultor Ivo Barili, proprietário da fazenda Tatu, no último sábado, ao se deslocar à região conflagrada, em mais uma tentativa de negociação com os índios. Mais uma vez ele foi barrado e não pôde chegar até sua fazenda, que tem 9,6 mil hectares.

Barili ainda não iniciou a contabilização dos prejuízos. A grosso modo, sabe que ele já passa dos R$ 100 mil. Ele explicou que planta o arroz em 1.320 hectares. A colheita do cereal que iniciou no dia 4 deste mês foi interrompida no dia seguinte, com o bloqueio da estrada pelos indígenas.

A plantação de 1.500 toneladas de arroz é transformada em 30 mil sacas do produto. Após um acordo feito com os indígenas, mediado pela Polícia Federal, a passagem do arroz foi liberada, mas com restrições. O transporte de trabalhadores, insumos, alimentos para os vinte funcionários que vivem na fazenda e combustível, foi proibido. Até quarta-feira, apenas o motorista da carreta poderia entrar na propriedade para colher o arroz que estava no chão, próximo de apodrecer.

Mas os esforços de Ivo e sua mulher, Regina Barili, não surtiram todo o efeito desejado. Eles tinham conseguido colher cerca de 7.500 sacas de arroz. Com o acordo, conseguiram passar cinco mil, mas as outras 2.500 apodreceram, gerando prejuízo de R$ 87,5.

"O arroz perdido dava para abastecer por um mês a mesa dos roraimenses. Ali está o nosso suor, esforço e trabalho. Dinheiro não cai do céu", disse Regina, emocionada. "Esse prejuízo eu só vou recuperar daqui a cinco anos", acrescentou o rizicultor.

Regina explicou que ainda tem 25.500 sacas de arroz para colher, avaliadas em mais de R$ 700 mil. Conforme a rizicultora, no momento em que o arroz é colhido ele é colocado imediatamente no caminhão e é encaminhado para a usina na Capital. De lá, o produto é colocado no secador e depois encaminhado para o silo. Depois de todo o tratamento obrigatório, mediante controle de qualidade, é encaminhado para comercialização.

"Precisamos colher todo o nosso arroz até segunda-feira [hoje], caso contrário, com a chuva e o vento, a plantação vai tombar e perderemos toda a nossa safra", lamentou Regina.

No entanto, os prejuízos não param por aí. Os Barili têm duas carretas para transporte do arroz. Outras duas são alugadas. O frete dos caminhões custa R$ 1.050,00 por viagem. "Com as carretas paradas desde a segunda-feira da semana passada, ainda não fui para a ponta do lápis", disse o proprietário da fazenda Tatu.

Os Barili também explicaram o entrave judicial para poder continuar produzindo na área. "Nessa terra [Raposa Serra do Sol], plantamos e colhemos o ano inteiro. Essa é a única área alta do Estado, portanto não alaga. A Embrapa já fez vários estudos para encontrar outra área como essa para gente, mas nunca conseguiu localizar", justificaram.

Antes de percorrer 130 quilômetros para tentar entrar em sua fazenda, os Barili passaram por uma barreira de fiscalização feita por 10 homens da Força Nacional de Segurança e um agente da Polícia Federal, logo após a balsa sobre o rio Uraricoera, cerca de 60 quilômetros antes do bloqueio dos índios.

"Estamos aqui para fiscalizar, proibir a entrada de armas e bebidas alcoólicas na terra indígena. Nada mais podemos fazer", disse um dos policiais, justificando a negativa feita aos rizicultores que pediram uma escolta policial até sua fazenda.

Em meio à imensidão do lavrado, no meio da Raposa Serra do Sol, em direção à fazenda Tatu, a reportagem presenciou quatro pequenas malocas. No caminho, ainda cruzamos com as fazendas Carnaúba e Vizeu, de propriedade do rizicultor Nelson Itikawa, a fazenda Praia Grande, do arrozeiro Ivalcir Centenaro, a fazenda União, de Raimundo Cardoso, conhecido como Curica, a Providência de propriedade do rizicultor e prefeito de Pacaraima Paulo César Quartiero e a Tatu, dos Barili.

Ao chegarmos ao local do bloqueio, antes feito apenas por lombadas, hoje com cerca e arame farpado, a Folha presenciou o momento em que aproximadamente 50 índios do CIR, a maioria mulheres e crianças, proibiram a entrada de Regina e Ivo Barili em sua propriedade.

"Daqui só saímos com ordem judicial. Fizemos um acordo com a PF de liberar a entrada de vocês até as 17h da quinta-feira passada. Agora ninguém entra ou saí", disse um indígena, que não quis se identificar.

"Mas não podemos nem passar para levar alimento para os nossos funcionários que estão trancados lá dentro [na fazenda]?", perguntou Regina. "Também não", respondeu o índio.

"Olha a situação que estamos passando. Isso é Brasil, não, isso é uma vergonha. Se querem nos tirar daqui, que nos indenizem logo e justamente. Já não agüentamos mais essa situação. Estamos todos sofrendo. E a cada dia que passa, os nossos prejuízos vão só aumentando e não temos mais a quem recorrer", falou Regina, às lágrimas. (AT)

Índios dizem que vão aguardar decisão do Supremo para desobstruir estrada

Em entrevista à Agência Brasil, que esteve na área conflagrada, também no sábado passado, os indígenas afirmaram que o acesso à fazenda Tatu seria apenas para que os rizicultores tirassem seus bens e que o desbloqueio da estrada ocorreria após o julgamento das ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF).

'Só aceitamos a saída. Entrada com veneno não aceitamos mais, pois está poluindo nossa água dos igarapés", disse o agricultor indígena Valquir Paixão, de 54 anos.

"O bloqueio foi uma decisão das comunidades da Raposa, e não vamos abrir mão até o julgamento [das ações que contestam a demarcação em área contínua] no Supremo [Supremo Tribunal Federal]. Queremos que os arrozeiros saiam", disse o tuxaua Francisco Constantino Júnior, de 42 anos. (AT)

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