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Raposa Serra da Sol: demarcação urgente

Carlos Abicalil
Autor: Carlos Abicalil
20 de Mai de 2003

Sou da região amazônica, Deputado Federal por Mato Grosso, Estado em que o tema indígena é tratado da mesma forma apaixonada com que é mencionado na parte mais setentrional da Amazônia. Por isso, faço algumas considerações sobre minhas preocupações acerca do território indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que há vários anos vive o dilema da demarcação e da homologação. É no fito dessa sinceridade, dessa transparência, que creio que nossos depoimentos, nossas observações e contribuições aos debates devam ser formuladas. Não tenho origem indígena, mas nasci, como todos os brasileiros, em terra originalmente indígena. Venho do Rio de Janeiro, de uma família de catorze irmãos, dezesseis partos, urbana. Não sou proprietário de terra em nenhuma vizinhança de território indígena. Aliás, não sou proprietário de terras, mas imagino que não se possa tratar o tema indígena como se a ração alimentar para um índio fosse equivalente ao cálculo da ração alimentar de um boi.
Entendo que, ao se examinar a quantidade de hectares suficientes, ou insuficientes para a produção, segundo a lógica de mercado, a pergunta que talvez tivéssemos que fazer primeiro seria quantos hectares cabe a cada brasileiro, se esse é o princípio. Mas quero crer que esse não deva ser o princípio. Portanto, ao se tratar de um direito originário constitucional, ao se falar da racionalidade e da insegurança que hoje vivemos, constatamos a pressão: parece uma aldeia branca em torno de territórios indígenas, ou abraçada por territórios indígenas, ou ameaçada por eles. A ameaça de cinco séculos foi sempre invertida. Ao fazer esse tipo de consideração - esse é um tema nacional, um tema de cidadania e a expressiva presença de parlamentares na Comissão da Amazônia e do Desenvolvimento Regional da Câmara Federal revela isso - temos de ter em conta que essa pressão que hoje está representada numa demarcação específica significa um avanço de cidadania, comemorado na Constituição de 1988, não sem luta, não sem debate, não sem histórico e que afirmou um direito originário. Se formos considerar o insucesso das políticas públicas, dados de mortalidade infantil no Jardim Florianópolis, na capital de meu Estado, Cuiabá, são semelhantes a esses que ouvimos aqui, da população Ianomâmi. Dados sobre hanseníase no Estado de Mato Grosso, em comunidades brancas, em locais em que o poder público, teoricamente, está presente também, são igualmente alarmantes. Então, não se pode usar o argumento da ausência eficiente de política pública como justificativa para a redução do direito originário de populações que alcançaram essa distinção, por meio de uma Constituição de imensa maioria branca, escrita em língua portuguesa. Creio que o tema que se apresenta envolve mesmo um projeto de desenvolvimento para populações originárias, povos da floresta, povos limítrofes, populações indígenas, e envolve a maneira pela qual isso se pactua numa convivência que supere a leitura de que a produção do índio tem de ser a produção do mercado; que supere o pré-requisito de que índio tem de produzir excedente para vender e sobreviver com renda, ou que entenda que populações indígenas têm de ter uma relação de emprego, portanto, uma relação de capital e trabalho, distinta da que vivenciamos e que eles vivenciam secularmente em seus territórios. Para a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, esperamos um projeto de desenvolvimento sustentável que leve em consideração, também, culturas e tecnologias indígenas, a biodiversidade e a cultura de saúde da população indígena.
Boa parte dessa miserabilidade que aqui denunciamos é produto de um processo de ocupação, do modelo de colonização da Amazônia que massacrou, reproduzindo o que foi feito no litoral brasileiro no início da colonização e que, a partir daí, sejam ouvidas as partes, de maneira apaixonada, porque todos os que forem ouvidos terão posição.
Creio eu que a insegurança teria sido muito menor se, em 1993, o Estado brasileiro tivesse dado conta de realizar sua tarefa. NN N ão deu, por diversas razões. Preocupa-me como se dará a integração da sustentabilidade de comunidades indígenas na economia integrada da Região Norte, tendo em vista o trânsito para a Guiana e a Venezuela. De que maneira pode ser feita a integração da cultura indígena, de seus produtos, de modo a manter uma relação produtiva, que de fato dê autonomia e não gere conflitos progressivos? Fico razoavelmente tranqüilizado com a opinião do Ministro Márcio Thomaz Bastos sobre processos demarcatórios e homologatórios e quanto à posição do governo de não abdicar de sua competência para realizar, autonomamente, aquilo que lhe cabe. Temos de levar em conta que esses processos de demarcação em Raposa Serra do Sol já se arrastam há muito tempo. Peço o empenho de todos no sentido de, ainda no mês de junho, procedermos à homologação dessa área.

Carlos Abicalil é Deputado Federal por Mato Grosso e esse discurso foi proferido no dia 20 de maio, na Subcomissão de Assuntos Indígenas da Comissão de Amazônia e Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados.

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