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Ralação sustentável

FSP, Mais, p. 9
19 de Ago de 2007

Ralação sustentável
Depois de perceberem que desmatar dá prejuízo, populações da Amazônia penam para descobrir como sobreviver sem exaurir a floresta

Giovana Girardi
Enviada especial ao Rio Negro (AM)

Não temos como lutar contra as pessoas que estão desmatando. Então se eles cortam, nós plantamos, protegemos a floresta e vivemos da madeira descartada." Com essa frase Miguel Rocha, 67, explica o lema da ONG Almerinda Malaquias, que ele coordena em Novo Airão, município de cerca de 7.000 habitantes a 200 quilômetros de Manaus.
Em 12 anos de atividade, Rocha e sua família conseguiram mostrar à população que vive à beira do rio Negro naquele local que há meios de lucrar com a floresta em pé. Os habitantes que compraram a idéia aprenderam a transformar galhos que caem das árvores e tocos que sobram da atividade das madeireiras em artesanato.
Pelo menos 60 pessoas trabalham lá talhando sapos, peixes-bois, pirarucus, macacos e onças. "Tiramos da mata gente que estava cortando árvore, recebendo por mil pedaços de madeira apenas R$ 80", conta. "Hoje, com uma tábua pequena, que ia virar fumaça, eles fazem cinco muiraquitãs [amuletos indígenas em forma de sapo] e ganham R$ 25."
O desempenho obtido por essa comunidade -que entendeu a necessidade de aprender um novo ofício- está longe, no entanto, de ser praxe na Amazônia. Conversas com ribeirinhos "catequizados" por ambientalistas e pela própria experiência mostram que muitos já entenderam que a longo prazo derrubar a floresta lhes traz mais malefícios que benefícios, mas eles ainda estão descobrindo como sobreviver de outras formas.
Grupos inseridos em reservas extrativistas ou em trabalhos de ONGs têm uma opção, mas, quando a entidade vai embora, é comum sucumbirem. Já os que estão sozinhos tendem a viver de subsistência, por meio da caça, pesca e plantação de mandioca. O que não produzem, trocam com os vizinhos.
Parece suficiente, e pode-se dizer que eles vivem razoavelmente bem, mas essa é a saída? O desafio do tal desenvolvimento sustentável se mostra muito maior quando a população amazônida é vista de perto.
A poucos quilômetros de Novo Airão, já nas margens do rio Cuieiras, vivem comunidades que ainda estão engatinhando nesse processo. São, por exemplo, indígenas que só agora estão aprendendo formas sustentáveis de cultivar mandioca e mel e outros que, depois de caírem no conto da ONG pilantra, descobriram uma maneira de se sustentar com turismo.
"Faz um tempo, tentamos criar galinhas. Trouxeram um monte de pintinho e falaram pra gente cuidar. Cuidamos, mas quando a ONG foi embora não tínhamos mais ração. Morreram todos", conta Jualison Garrido Melo, 23, da tribo baré. Hoje a comunidade Nova Esperança faz bijuterias de sementes e vende para turistas, com o apoio do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), que busca capacitar os moradores para que eles consigam se manter quando estiverem sozinhos.
Perto dali, a família de "seu" Praxedes, outro índio baré, também tem tido aulas com o IPÊ. Ele aprendeu a manejar a plantação de mandioca de modo a preservar o solo -alternando o cultivo da raiz com o de árvores frutíferas para mantê-lo produtivo- e criar abelhas sem ferrão para produzir mel. Na região as famílias haviam abandonado o roçado para desmatar e puseram em risco sua segurança alimentar, já que a farinha é uma das únicas fontes de carboidrato. A produção, no entanto, é suficiente apenas para ele, filha e netos.

Ilusão de um paraíso
Especialistas em desenvolvimento sustentável lembram que as atividades que dão certo ainda são poucas na Amazônia. Famílias que vivem da agricultura de subsistência, da pesca artesanal, do extrativismo ou do corte de madeira permanecem a maioria.
"Ninguém pode defender de modo absoluto que essas pessoas estão vivendo como se tivessem atingido o paraíso", comenta o climatologista Carlos Nobre, que assessora o PPG7 (Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil). "É uma idéia que ainda está muito restrita à academia, mas nós cientistas defendemos a necessidade de haver uma revolução científica e tecnológica na Amazônia. É preciso encontrar o equilíbrio para que a população consiga desenvolver atividades mais rentáveis", diz.
"O desafio é fazer com que essas comunidades atinjam um IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] aceitável", complementa o biólogo Charles Clement, do Inpa (Instituto de Pesquisas da Amazônia). "Precisamos treinar e capacitar essas pessoas para que elas aprendam a interagir de modo eficiente com o mercado."
A repórter viajou a convite da WWF e da Nissan

FSP, 19/08/2007, Mais, p. 9

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