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Raízes da América

Gazeta do Povo-Curitiba-PR
Autor: MARIA FERNANDA GONÇALVES
19 de Jul de 2002

Guarani volta à grade de cursos da Universidade Federal do Paraná

As aulas são procuradas por especialistas, acadêmicos de letras e pessoas da comunidade

Depois de um recesso de 14 anos, o curso do idioma guarani volta a ser ministrado no Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná (Celin-UFPR). As aulas serão iniciadas em agosto pelas professoras paraguaias Luli Miranda e Olga Herrera, que se dividem entre o ensino sobre a cultura indígena e o idioma, respectivamente. Entre 1984 e 1988, o curso fez parte da grade oferecida pelo Celin, com grande procura, de acordo com Miranda. "A única coisa chata é que o número de vagas era bastante restrito: apenas 15", lembra ela.

A quantidade de vagas continua a mesma, mas há quem drible as normas para ter acesso ao conhecimento do guarani. É o caso do mestre em Astronomia e professor de Física da UFPR, Germano Afonso. Quando soube da oferta do curso, as inscrições já estavam inviabilizadas. No entanto, contatou diretamente a professora Miranda e pretende assistir às aulas como ouvinte. "Há mais gente interessada no idioma guarani do que imaginamos", afirma.

No seu caso, especificamente, o interesse está ligado às suas pesquisas cinetíficas. Há mais de dez anos, decidiu resgatar os conhecimentos astronômicos dos índios brasileiros, principalmente da família tupi-guarani, que diferem da astronomia tradicional, vinda do Hemisfério Norte. Segundo Afonso, a partir de seus estudos, coletou informações sobre como os índios orientavam suas atividades de subsistência (caça, pesca e agricultura), baseados na observação das constelações no céu.

Afonso já fala um pouco de guarani, mas quer aprimorar seus conhecimentos, o que facilitaria seu contato com as tribos. Segundo ele, muitos índios já desconhecem os costumes de seus antepassados. "Os que passam informações de valor são os pajés (os sacerdotes), que guardam o conhecimento da aldeia", explica. Também há muitos dados contidos nos cantos, nas rezas, mitos e lendas. "Quanto mais conhecimentos de guarani tiver, mais facilitada será minha pesquisa", afirma.

Alguns resultados de sua pesquisa estão compilados na publicação de sua autoria O Céu dos Índios Tembé, que recebeu o prêmio Jabuti 2000 de melhor livro didático; no CD Rom Arqueoastronomia Brasileira, editado com o apoio da Fundação Cultural de Curitiba (FCC); e no site fisica.ufpr.br/tupi. A maior parte do seu material de pesquisa foi encontrada na aldeia Ocoy, próxima a Foz do Iguaçu. Seus estudos contaram também com a colaboração de especialistas em Antropologia, História da Arte e Arqueologia, já que as evidências astronômicas são sutis e freqüentemente fragmentadas, portanto sujeitas a diversas interpretações.

Miranda acredita que a demanda atual pelo curso de guarani tenha algo a ver com a divulgação dos índios na mídia em 2002. O povo indígena é tema da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com o slogan A Terra Sem Mal, e também é homenageada pela Unesco na década entre 1992 e 2002. "Houve a demanda e aproveitamos para reiniciar o curso", diz ela.

Resgate

A importância do curso está na continuidade de uma cultura que foi quase dizimada. Miranda lembra que depois da chegada dos europeus ao Brasil, a população indígena - que era de 6 milhões - diminuiu para 20 mil no Mato Grosso do Sul, 8 mil no Rio Grande do Sul, 3 mil em Santa Catarina e 3 mil no Paraná. No Paraguai ainda tem uma representatividade um pouco maior, com 100 mil guaranis.

Além da língua, a ser ensinada por Herrera, Miranda vai transmitir noções sobre a estrutura da sociedade guarani, com sua gestão compartilhada e discussão de idéias sempre baseada no consenso do conjunto. No decorrer do curso também haverá convidados, que levarão seus depoimentos, como a índia Alexandra Vãn-Fej Paliano, 23 anos, nascida na aldeia de Xanxerê, em Santa Catarina.

O curso de guarani está tendo repercussão inclusive fora do estado. A paulista Doris Sanchez colocou à disposição do Celin todo seu material relacionado a línguas INDÍGENAS para pesquisa. De acordo com Miranda, ela possui uma edição de Montoya, de 1856, "que é um tesouro da língua guarani". O padre peruano foi responsável pela sistematização da língua falada para a escrita.

As tribos INDÍGENAS do Paraná estão solicitando junto à Secretaria de Estado da Educação, por meio da Coordenação da Educação Indígena, que os idiomas guarani e kaingang sejam incluídos no currículo escolar de todas as escolas INDÍGENAS do estado.

Serviço: as vagas do curso de guarani para o segundo semestre já estão ocupadas. Informações para o próximo ano podem ser obtidas no Celin-UFPR (41) 360-5101.

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