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Quorum facilitado

CB, Brasil, p. 10
19 de Dez de 2006

Quorum facilitado

Ruralistas querem mudar as regras para a venda de produtos geneticamente modificados. Liberação dos transgênicos seria aprovada por maioria simples em vez de dois terços dos integrantes da CTNBio

Erika Klingl

Após um ano de funcionamento com nova formação e maior responsabilidade, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) ainda não disse a que veio. E está mais uma vez no meio do fogo cruzado entre ecologistas e agricultores favoráveis ao plantio e à comercialização de transgênicos. O motivo da briga é a venda de produtos geneticamente modificados. A disputa, que tem como palco o plenário da Câmara dos Deputados, pode terminar com a mudança de um dos principais fundamentos da comissão: a cautela na chegada de produtos modificados ao consumo da população.

Empresas e entusiastas da biotecnologia, sobretudo parlamentares ruralistas, defendem uma espécie de lipoaspiração no colegiado da CTNBio com a diminuição do quórum exigido para a aprovação da venda de transgênicos no país. "A pressão e a força deles são tão grandes que, desta vez, extrapolaram o plenário da Comissão e invadiram o Congresso", reclama Gabriela Vuolo, coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace.

Durante o ano, a comissão se reuniu cerca de 10 vezes e votou, em média, 30 autorizações de pesquisa em cada uma delas. Já a venda de transgênicos, apesar de diversos pedidos terem entrado na pauta, não foi aprovada para nenhum produto. No final do mês passado, na primeira e única votação para a liberação comercial de um produto geneticamente modificado, a comissão rejeitou. Por 17 votos favoráveis a quatro contrários, foi negado um pedido da multinacional Schering-Plough para a venda de uma vacina transgênica contra uma doença que afeta suínos.

Vacina rejeitada
A rejeição da liberação da vacina, que é autorizada em vários países do mundo, foi o estopim para precipitar as mudanças na CTNBio. A idéia é reduzir o quórum para aprovação da venda dos atuais dois terços dos integrantes, como determina a Lei de Biossegurança, para maioria simples dos 27 presentes. Há três semanas, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), chegou a se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ouviu de Lula a garantia de que haveria um destravamento das decisões da comissão para apressar a liberação de transgênicos.

Para evitar desgaste com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a mudança pode ocorrer de forma sorrateira. A estratégia é aprovar a redução do quórum para aprovar a venda de transgênicos por meio de uma emenda apresentada a uma medida provisória que, desde hoje, tranca o plenário da Câmara. A MP trata do plantio de transgênicos em áreas próximas às reservas ecológicas e o relator, Paulo Pimenta (PT-RS), incluiu a alteração de quorum na proposta. "Essa medida provisória nada tem a ver com o quórum da CTNBio. Não dá para aprovar o consumo de transgênicos simplesmente porque não há segurança", argumenta Gabriela Vuolo.

A CTNBio é formada por 27 integrantes titulares e o mesmo número de suplentes. Cabe à comissão, regulamentar as pesquisas com células-tronco embrionárias e fiscalizar as atividades relacionadas aos organismos geneticamente modificados.

Governo dividido sobre a questão

Entrevista: Reginaldo Minaré

Sem a mudança no quorum da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) o Brasil não comercializará organismos geneticamente modificados. A opinião é do advogado Reginaldo Minaré, um dos maiores especialistas jurídicos em biossegurança. Segundo ele, hoje é necessária quase a unanimidade dos integrantes que freqüentam cada reunião da Comissão para autorizar a venda. Reginaldo é diretor jurídico da Associação Nacional de Biossegurança, favorável à liberação dos transgênicos.

Um ano depois, a CTNBio está de novo no meio da polêmica. Qual é a origem do problema?

A Lei de Biossegurança exigia, quando foi aprovada pelo Congresso, maioria simples do plenário tanto para pesquisa quanto para a comercialização dos organismos geneticamente modificados. O presidente Lula, no decreto de regulamentação, vetou esse artigo e incluiu a exigência de concordância de dois terços dos integrantes da comissão para a venda dos transgênicos. A medida foi para atender o pleito da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mas deixou outros segmentos contrariados.

Quem está do outro lado dessa queda-de-braço?

Os ministérios da Agricultura e o da Ciência e Tecnologia. Mas quem tem posição mais amena sobre a questão parece ter receio de falar publicamente sobre o assunto.

A maioria qualificada para comercialização de transgênicos já foi testada?

Neste ano de funcionamento da CTNBio, após a aprovação da Lei de Biossegurança, a comissão só votou uma vez a autorização de venda de organismos e indeferiu a comercialização de uma vacina. O problema é que a cadeira na CTNBio não é remunerada e boa parte dos integrantes da comissão moram fora do Distrito Federal. Por isso, o quorum nas reuniões gira em torno de 20 presenças. Para ter autorização para venda são necessários, pelo menos, 18 votos.

Só a autorização é suficiente para que transgênicos acabem nas rateleiras?

Não. Depois da aprovação da CTNBio, é necessária a aprovação do ministério responsável pelo tema. Se ainda assim houver divergências, cabe consulta ao Conselho Nacional de Biossegurança. (EK)

CB, 19/12/2006, Brasil, p. 10

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