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Quilombos e conflitos sócio-ambientais no Paraná

Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Autor: Cassius Marcelus Cruz e Jefferson de Oliveira Salles
08 de Nov de 2007

Quilombos e conflitos sócio-ambientais no Paraná
Por Cassius Marcelus Cruz *
e Jefferson de Oliveira Salles

Desde a década de 90, diversos fatos têm dado visibilidade à questão quilombola no Paraná. Desde a campanha em apoio a comunidade do Paiol de Telha organizada pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), APP-Sindicato, ACNAP (Associação Cultural de Negritudes e Ação Popular) e demais entidades do movimento social negro e também das publicações de trabalhos acadêmicos sobre as Comunidades de Sutil e Santa Cruz (Ponta Grossa)[1] tem se tornado público o conhecimento sobre a existência de quilombos no Paraná. Entretanto, é a partir do levantamento que está sendo efetuado, desde 2005, pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura, criado pelo governo do Estado, que a presença desses territórios negros vem se tornando oficializada no Paraná. A visibilidade dos quilombos no estado nos tem permitido conhecer as opressões que as comunidades quilombolas vêm historicamente sofrendo. Ao contrário do que se possa imaginar, os conflitos contemporâneos se mostram tão intensos quanto os dos tempos de escravidão.
Inicialmente, é necessário apontar que, desde os casos das comunidades acima mencionadas, até as situações menos conhecidas do público, em geral, como a da Comunidade do Varzeão[2] (Dr. Ulysses), o poder constituído em suas instâncias executiva, legislativa e judiciária esteve diretamente envolvido na expropriação dos territórios negros. Expropriações estas que viriam a articular-se direta ou indiretamente com o projeto de embranquecimento e modernização” do Estado. No Paraná, criar as condições para a o desenvolvimento econômico a partir da imigração significou também desterritorializar comunidades negras, indígenas e caboclas. Podemos citar, por exemplo, que a Colonização Russa em Ponta Grossa está indiretamente associada à subtração de terras da Fazenda Santa Cruz, promovida pelo processo judicial encaminhado em 1914 pelo Procurador de Palmeira, e que o fortalecimento econômico dos alemães da Cooperativa Agrária Mista Entre Rios está diretamente relacionada a expropriação do território da Comunidade Invernada Paiol de Telha pelo Sr. Delegado Oscar Pacheco dos Santos[3]. No Varzeão, conforme relatos dos quilombolas, a violência esteve articulada com interesses do então governador Moysés Lupion sobre as terras da fazenda Morungava (a qual possuía centenas de milhares de pinheiros que foram apropriados por empresas madeireiras e do setor papeleiro, pertencentes e/ou associadas ao grupo Lupion que, segundo denúncias, avançou também sobre terras vizinhas, atingindo terras quilombolas[4]). Estes conflitos estão articulados também com o processo de modernização conservadora (modernização agrícola associando uso em larga escala da mecanização e agrotóxicos que visava manter a mesma estrutura fundiária herdada do período escravista: latifúndio associado a exportação com intensa exploração dos recursos naturais e da mão de obra)[5].
Acreditamos que, atualmente, os conflitos sócio-ambientais, gerados pela ação de setores ligados ao agronegócio e da influencia política que acabam exercendo através da bancada ruralista nas instâncias políticas municipais, estaduais e federais são as principais ameaças às comunidade quilombolas. Nas comunidades localizadas no Vale do Ribeira Paranaense (João Surá, Córrego do Franco, São João, Córrego das Moças, Sete Barras, Praia do Peixe, Três Canais, Estreitinho, Areia Branca, Vazeão) as pressões são exercidas por fazendeiros (em sua maioria grandes pecuaristas) e pelas empresas de reflorestamento de pinus e eucalipto (associadas a grandes conglomerados nacionais e multinacionais produtores de celulose), que prejudicam a reprodução social dessas comunidades através da derrubada de matas nativas e ciliares, da destruição de nascentes e da poluição das águas (rios e nascentes) através do uso intensivo e indiscriminado de agrotóxicos, além da invasão de suas terras. Situação semelhante ocorre nas comunidades quilombolas de Curiúva e Castro. Estes fatos refletem a conjuntura nacional, como pode-se observar nos conflitos estabelecidos entre a Aracruz Celulose e quilombolas no Espírito Santo e na ação da bancada ruralista e do DEM (ex-PFL) para derrubada da legislação que garante direitos as comunidades quilombolas.
Merece atenção, nesta conjuntura, aquilo que a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, vem chamando de Racismo Ambiental, ou seja as injustiças sociais e ambientais que recaem de forma desproporcional, sobre etnias vulnerabilizadas. O Racismo Ambiental não se configura apenas através de ações que tenham uma intenção racista, mas igualmente através de ações que tenham impacto racial, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem[6]. Levando em conta essa definição, enquadram-se nessa categoria a ação das reflorestadoras de pinus e eucalipto; ações estatais como a proposta municipal de criação de um barracão de reciclagem de lixo na Comunidade Quilombola Maria da Castorina em Palmas (apesar das objeções da comunidade que também tem suas terras invadidas) ou a criação de reservas ambientais, que abarcaram parte do território de comunidades quilombolas sem que estas participassem efetivamente do processo ou de seu plano de manejo, como assegura a legislação.

* Cassius Cruz é membro da Coordenação da Educação do Campo (SEED), da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná e do Instituto de Filosofia da Libertação (IFIL).

[1] HARTUNG, Miriam F. A Comunidade do Sutil: história e etnografia. UFRJ:2000. WALDAMANN, Isolde Maria. Fazenda Santa Cruz dos Campos Gerais e a Imigração Russa 1792–1990. Ponta Grossa, editora Gráfica Planeta, 1992.
[2] Em todos os casos aqui citados as terras foram recebidas em herança ainda no período de vigência da escravidão.
[3] VANDRESEN, Dionísio Estudo da Realidade Brasileira a partir dos grandes pensadores, para entender a história da expropriação da terra dos índios, negros e posseiros na região centro do Paraná. HARTUNG, Miriam Furtado. O Sangue e o espírito dos antepassados: escravidão, herança e expropriação no grupo negro Paiol de Telha PR. NUER/UFSC, Florianópolis: 2004.
[4] A descrição de tais fatos esta em um dossiê elaborado pela comunidade com apoio do sindicato de trabalhadores rurais do município de Doutor Ulysses.
[5] GRAZIANO, Francisco. A Modernização dolorosa.
[6] Trecho do convite para o I Seminário Brasileiro contra o Racismo Ambiental, realizado em Niterói, RJ, no período de 28 a 30 de Novembro de 2005.

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