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Quilombolas em luta e festa pelo Dia da Consciência Negra

A Crítica - https://www.acritica.com/opiniao/artigos/
Autor: RADLER, Juliana
25 de Nov de 2023

Quilombolas em luta e festa pelo Dia da Consciência Negra
Com alegria se luta, se canta e se preserva a história do povo negro no município mais quilombola do Amazonas, Barreirinha

Juliana Radler*
julianaradler@socioambiental.org
25/11/2023 às 11:10.
Atualizado em 25/11/2023 às 11:17

Barreirinha, município localizado na microrregião de Parintins, a 331 quilômetros de Manaus, concentra o maior número de quilombolas do Amazonas. Também famosa por ser a cidade natal de Thiago de Mello, o poeta da liberdade, e da forte presença indígena do povo Sateré-Mawé, inventores da cultura do guaraná. Ao todo, Barreirinha abrange 6 comunidades remanescentes de quilombos as margens das águas esverdeadas do rio Andirá, somando cerca de 5.300 quilombolas.

Neste último feriado da Consciência Negra, 20 de novembro, quando se celebra o dia de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo do período colonial no Brasil, as seis comunidades quilombolas de Barreirinha se juntaram para realizar o IV Festival Quilombola do Andirá com o título: "Respeito e Valorização da nossa Cultura e da nossa História". Com cerca de 2 mil pessoas presentes no quilombo de Santa Tereza do Matupiri para a celebração, os quilombolas promoveram a troca de saberes com festividade cultural que contou com danças como gambá, lundum e onça te pega, além de capoeira, concurso de poemas, exposição de artesanato e venda de alimentos da agricultura quilombola e culinária tradicional.

Organizado pela Federação das Organizações Quilombolas do município de Barreirinha e pela Coordenação Estadual da Conaq, o evento marcou também um ano de atividade política da Coordenação Nacional da Articulação de Quilombos no Amazonas, que hoje celebra a certificação de oito comunidades remanescentes de quilombos no estado, sendo cinco em Barreirinha (Ituquara, Boa Fé, Santa Tereza do Matupiri, São Pedro e Trindade), uma em Manaus (quilombo urbano da Praça 14), Tambor, em Novo Airão, e comunidade do Sagrado Coração de Jesus do Lago de Serpa, em Itacoatiara. Ao todo, a Conaq Amazonas estima que haja aproximadamente 8,4 mil quilombolas no estado. E no último Censo do IBGE essa população autodeclarada chegou a 2,8 mil pessoas.

"Apesar da estiagem conseguimos realizar o festival, que celebra nossa existência, nossa cultura e nossas raízes afro-brasileiras. Temos também a luta quilombola se fortalecendo no Amazonas, buscando reconhecimento de seus territórios, políticas públicas e nossos direitos na Amazônia", enfatiza um dos organizadores do Festival, Sebastião Douglas dos Santos de Castro, coordenador executivo da Conaq-Amazonas.

Territórios quilombolas

Dados do último censo demográfico do IBGE informam que o Brasil possui mais de 1,3 milhão de quilombolas, dos quais menos de 5% estão em territórios demarcados. São quase 6 mil comunidades quilombolas no país e apenas 147 tiveram seu título emitido. Existe um passivo gigantesco na demarcação dos territórios quilombolas que acarreta em aumento da violência e êxodo de população rural para as cidades.

No Amazonas, segundo Douglas, a meta é que 3 novas comunidades quilombolas sejam certificadas no Amazonas até o fim de 2024. "Para isso estamos iniciando o processo de certificação de São Paulo do Açu, São João do Urucurituba e Igarapé do Mato Urucurituba, todas em Barreirinha", comenta, acrescentando que no município de Alvarães já houve um avanço para o reconhecimento do quilombo de São Francisco do Bauana, onde vivem aproximadamente 300 quilombolas. Há ainda o início da identificação dos quilombos urbanos de Novo Airão e de Itapiranga, das comunidades de Vila Carneiro e Monte Aurebe, em Barreirinha, e da comunidade do Atiminga, em Manicoré.

O último 20 de novembro também marcou o aniversário de duas décadas do decreto 4.887/2003, que é símbolo da luta política quilombola porque regulamenta o procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes dos quilombos. Vale enfatizar que Consciência negra é um termo que ganhou força na década de 1970, no Brasil, em razão da luta de movimentos sociais que atuavam pela igualdade racial, como o Movimento Negro Unido.

Thiago de Mello, poeta da floresta, foi um dos maiores nomes da literatura e da poesia no Brasil, traduzido para cerca de 30 idiomas. Perseguido pela Ditadura Militar, exilou-se no Chile, onde teve amizade com Pablo Neruda. Sempre ligado as suas origens caboclas e à Barreirinha, sua obra foi comprometida com suas utopias e ideias ligados aos direitos humanos. No seu retorno do exílio voltou ao Amazonas e era figura sempre presente em Barreirinha. Sua poesia "Quando a verdade for flama" nos inspira nesse Dia da Consciência Negra, tão festejado pelos quilombolas de Barreirinha. "O que em nós hoje é palavra, no povo vai ser ação".

As colunas da injustiça

sei que só vão desabar

quando o meu povo, sabendo

que existe, souber achar

dentro da vida o caminho

que leva à libertação.

Vai tardar, mas saberá

que esse caminho começa

na dor que acende uma estrela

no centro da servidão.

De quem já sabe, o dever

(luz repartida) é dizer.

Quando a verdade for flama

nos olhos da multidão,

o que em nós hoje é palavra

no povo vai ser ação.

(Quando a verdade for flama, Thiago de Mello)

*Juliana Radler é jornalista com especialização em meio ambiente e analista de políticas socioambientais do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA)

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