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Questão indígena domina discurso de Bolsonaro na ONU; lideranças criticam

Estadão - https://politica.estadao.com.br
Autor: Giovana Girardi
24 de Set de 2019

Presidente leu carta que fala em 'indigenismo ultrapassado' e 'ambientalismo radical'.

NOVA YORK - A expectativa era que as queimadas na Amazônia tomassem a maior parte da fala de Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU, mas o tema que dominou o discurso do presidente foi questão indígena no Brasil.

Bolsonaro, que falou em "ambientalismo radical" e "indigenismo ultrapassado" ao ler uma carta atribuída a uma comunidade indígena, também criticou o líder da etnia caiapó cacique Raoni, indicado ao prêmio Nobel da Paz.

Segundo Bolsonaro, o cacique é "peça de manobra" de governos estrangeiros. "Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas", disse Bolsonaro.

Líderes indígenas brasileiros que vieram para Nova York acompanhar a marcha contra as mudanças climáticas e a Cúpula do Clima da ONU fizeram uma forte manifestação de repúdio às declarações do presidente.

"Hoje foi um dia de terror para os povos indígenas do Brasil e do mundo. Bolsonaro fez um discurso de intolerância e muita truculência. Essa fala será histórica, infelizmente, porque mancha o legado brasileiro nas Nações Unidas", afirmou Sônia Guajajara, da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, e coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

"Ele nos chamou de animais (na verdade foi homens) das cavernas e ainda desrespeitou o nosso grande líder, o cacique Raoni, que foi nomeado ao prêmio Nobel da Paz. Bolsonaro se colocou mundialmente como uma ameaça concreta a Amazônia, como um porta-voz do agronegócio e da exploração mineral, com uma posição do século 19", continuou a líder indígena, que foi candidata à vice-presidência na chapa de Guilherme Boulos no ano passado.

Sonia, Dinamam Tuxá, Cristiane Pankarau e a jovem Artemisa Xakriabá, de 19 anos, que discursou durante a marcha pelo clima na sexta-feira, em Nova York, falaram com a imprensa algumas horas depois do discurso de Bolsonaro.

O cacique Raoni Metuktire, citado diretamente pelo presidente como alguém usado "como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia", também estava previsto para falar com a imprensa, mas passou mal e se dirigiu para o aeroporto para voltar ao Brasil.

O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Roque Paloschi, leu um artigo em solidariedade aos povos indígenas e a Raoni durante o lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil - dados 2018, na tarde desta terça, em Brasília.

"A agressividade nos discursos do presidente da República e de membros do seu governo servem de combustível para a violência cometida contra os territórios e a vida dos povos originários, cidadãos e cidadãs de primeira hora de nosso querido Brasil", escreveu o presidente do Cimi.

Acompanhado da indígena Ysani Kalapalo, do Xingu, que se declara uma "indígena do século 21", Bolsonaro improvisou em relação ao discurso que tinha levado escrito e decretou: "Acabou o monopólio do senhor Raoni", ao argumentar que Ysani teria poder de representatividade dos povos indígenas por ter sido endossada em carta do Grupo dos Agricultores Indígenas do Brasil, assinada por 52 etnias.

"Dizer que Raoni é usado por interesses estrangeiros reforça uma prática da ditadura, de achar que não temos capacidade. Não estamos sendo usados por ninguém, estamos aqui respondendo aos pedidos da mãe-terra", disse Sonia. Ela também comentou a presença de Ysani: "Somos uma enorme diversidade. São 305 povos indígenas no Brasil. Não podemos de forma alguma esperar que todos tenham o mesmo pensamento. Mas ao trazer uma indígena do seu lado, Bolsonaro reforça o espírito de colonizador, de ditadura, de tutela. De ele querer dizer quem nos representa. Ela pode representar o governo dele, mas não os indígenas".

Dinaman Tuxá, também da Apib, disse que os indígenas ficaram bastante assustados com o pronunciamento de Bolsonaro. "Mas pelo menos agora nós e vocês tiveram certeza que tudo o que a gente vem falando nesses nove meses de governo é verdade. As denúncias que os povos indígenas trouxeram à tona são verdadeiras. Bolsonaro declarou que vai abrir mineração em terra indígena e não apresentou nada de concreto para combater os incêndios na Amazônia", afirmou.

"É uma tristeza ver, como jovem, depois de marchar com milhares de outros jovens pelas ruas pela proteção do nosso planeta, ver o nosso presidente falar que é a gente que põe fogo na floresta. Dá muita raiva, tristeza e vergonha", resumiu Artemisa.
Recuo

Logo depois que a lista de assinaturas da carta dos Índios Agricultores veio à tona, áudios de alguns dos signatários começaram a circular em grupos de Whatsapp dizendo que não endossavam a indígena.

Um deles é do indígena Rony Pareci, do povo Haliti-Pareci, que cultiva soja em terra indígena e foi visitado pelos ministros Ricardo Salles (Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura) em fevereiro. Ele defende agricultura em terras indígenas, mas disse que não concorda muito com a forma com que Ysani se expõe.

"Eu nunca fui contra ninguém, é direito dela de expor, debater, fazer a reflexão do jeito dela, mas meu ponto de vista eu vejo muito exagerado (o ponto dela), muito constrangedor, que em vez de somar, às vezes traz uma imagem negativa. A forma dela expor acaba sendo muito negativo. A conduta dela acaba sendo muito negativa. Peço para retirar meu nome desse documento", diz para um grupo de Whatsapp dos Índios Agricultores.

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