CB, Cidades, p. 25
18 de Jun de 2008
Questão de bom senso
A resistência de um grupo de índios não impedirá a construção do Noroeste, garante o governador do DF, José Roberto Arruda. Segundo ele, não existem traços indígenas nas áreas desapropriadas para construir Brasília
Helena Mader e Diego Amorim
Da Equipe do Correio
O governador José Roberto Arruda garantiu ontem que a resistência indígena à criação do Setor Noroeste não será um empecilho à construção do novo bairro. Durante um evento em Sobradinho, Arruda chamou os atuais habitantes do Noroeste de "oportunistas" e afirmou que a área ocupada irregularmente não é uma terra indígena. A Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) recorrerá à Justiça para desocupar o terreno. A Defensoria Pública da União, que assumiu a defesa dos índios, vai entrar com uma ação declaratória para tentar obter uma demarcação oficial do terreno como área indígena tradicionalmente ocupada.
A delimitação do lote é a única possibilidade legal de a comunidade conseguir permanecer no local. Como não foram feitos estudos para comprovar que ocupação é tradicional, a área ainda não pode ser classificada como reserva indígena. O lote é hoje um terreno público ocupado irregularmente. A Justiça é quem vai decidir se os índios terão que sair imediatamente ou se poderão ficar enquanto a possibilidade de demarcação é analisada.
Sobre a realização de estudos que poderiam confirmar a área do Noroeste como uma terra indígena, o governador Arruda disse não acreditar nessa possibilidade. "Os territórios indígenas têm definição própria na Constituição e são aqueles ocupados pela tribos antes da chegada do homem branco. São territórios que têm cultura própria, que têm história. Não é o caso de uma área urbana no centro da capital do país, onde alguns poucos indígenas passam de vez em quando e ficam acampados", disse o governador. "Defendo muito o direito dos povos remanescentes, das culturas anteriores ao Descobrimento do Brasil, acho isso importante. Mas a gente tem que tomar cuidado para isso não cair no ridículo, não fazer com que isso vire piada, que é o que está acontecendo em Brasília", acrescentou Arruda.
Os índios ocupam uma área de cerca de 10 hectares dentro de um terreno de 825 hectares, onde será construído o Noroeste. Para o governador Arruda, a comunidade não é uma ocupante legítima das terras. "Quando Juscelino Kubitschek desapropriou essa área e construiu Brasília, não havia aqui nenhum índio. Não existe nenhum traço cultural, nada disso. À luz do bom senso, estamos tratando de uma questão ridícula", disse o governador. "Daqui a pouco, alguns índios acampam ali na Esplanada dos Ministérios e vão reivindicar um tempo depois que seja um território indígena. As coisas não são assim", finalizou o chefe do Executivo local.
Perícia
Tanto a Fundação Nacional do Índio (Funai) quanto a Defensoria Pública acreditam haver elementos para comprovar que a ocupação é tradicional e que parte do Setor Noroeste pode ser delimitado como reserva indígena. Se a Justiça acatar essa hipótese, a Terracap ficará impedida de licitar ou construir qualquer empreendimento dentro do terreno demarcado.
A defensora pública da União Liana Pacheco, que fará a defesa dos índios, disse que vai trabalhar para confirmar a posse tradicional indígena na região. "Essa não é apenas uma questão de moradia, não adianta apenas transferi-los para outro lugar. Os índios estão em terras que foram ocupadas pelos seus ancestrais, onde seus entes queridos foram enterrados. Há uma relação espiritual com o terreno", disse a defensora pública.
Ainda esta semana, a Defensoria Pública vai entrar com a ação declaratória. Se a Justiça aceitar a ação, deve designar um perito judicial para fazer os estudos necessários à demarcação. Esse profissional, indicado pelo juiz, vai mostrar se há ou não posse tradicional da terra. O perito pode demarcar uma pequena faixa de terra ocupada, deixando o restante livre para a construção do Noroeste. Ou existe a possibilidade de ele entender que os índios têm necessidade de uma faixa maior de terra para circularem livremente.
A defensora pública Liana Pacheco acredita que a permanência dos índios não vai inviabilizar a construção do novo bairro. "É o perito quem vai definir o raio de distância a ser resguardado para que a sustentabilidade da área não seja maculada. Mas certamente vai ser uma área pequena em comparação com o terreno que o governo tem para construir o Noroeste. Essa convivência dos índios com o novo setor é possível", disse a defensora.
Para o antropólogo Stephen Grant Baines, professor da Universidade
de Brasília, existem elementos para definir as terras ocupadas no Noroeste com indígenas. Ele explica que uma série de pontos é observada no processo de reconhecimento. "Mas o mais importante é ouvir os índios, receber as reivindicações e analisar o relacionamento que eles mantêm com a terra ocupada", afirma.
A Lei 6.001/73, que cria o Estatuto do Índio, define como reserva indígena as terras ocupadas ou habitadas pelos índios, as áreas reservadas pela União ou as terras de domínio das comunidades indígenas ou silvícolas. De acordo com a legislação, "cabe aos índios ou silvícolas a posse permanente das terras que habitam e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes". A definição de reserva é a "ocupação efetiva da terra que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, o índio detém e onde habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência". Ainda segundo a legislação, as terras ocupadas pelos índios, nos termos da Lei 6.001/73, são bens inalienáveis.
Durante as tentativas de negociação com os índios que vivem no Setor Noroeste, o governo local ofereceu uma área para que eles fossem transferidos. A Terracap se comprometeu a oferecer infra-estrutura, além de construir todas as benfeitorias. O local ofertado pelo governo fica no Recanto das Emas, ao lado do Núcleo Rural Monjolo. Mas, segundo os índios, o lote não é adequado ao cultivo. "Os índios reclamam que só tem cupim no local. E no terreno onde estão, eles conseguem plantar tudo o que precisam para a subsistência", justifica a defensora pública Liana Pacheco.
Defendo o direito dos povos remanescentes, das culturas anteriores ao descobrimento do Brasil. Mas a gente tem que tomar cuidado para não fazer com que isso vire piada, que é o que está acontecendo em Brasília
José Roberto Arruda, governador do DF
CB, 18/06/2008, Cidades, p. 25
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