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"Quero atuar na minha comunidade com o jornalismo", diz universitária caiová de 19 anos

UOL - http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/07/15/ult5772u4638.jhtm
Autor: Guilherme Balza
15 de Jul de 2009

Estudante do 1 ano do curso de jornalismo, Jaqueline Gonçalves, 19 anos, pretende se formar para ajudar a melhorar a vida de seu povo, o guarani-caiová, uma população de 20 mil pessoas distribuída por 26 aldeias no sul do Mato Grosso do Sul. Jaqueline afirma que é a única indígena que estuda jornalismo no Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran).

"Na faculdade, a maioria dos índios estuda enfermagem e pedagogia. São os cursos mais procurados", diz. "A mídia, em geral, acaba com a imagem dos índios. Nos tratam como incapazes, bêbados, sujos, violentos... Eu quero tentar mudar isso e atuar na minha comunidade com o jornalismo", afirma.

Jaqueline vive na aldeia de Dourados, a mais populosa ocupada por guaranis-caiovás, com mais de 7.000 pessoas, segundo levantamento feito em 2008 pelo Instituto Socioambiental (ISA) com base em dados da Funai (Fundação Nacional do Índio).

A estudante integra o projeto Ação dos Jovens Indígenas de Dourados (AJI), que reúne jovens dos três grupos étnicos de moradores da aldeia de Dourados - guarani-caiová, o majoritário, guarani-nhandeva e terena - e tem como objetivo unir os povos e diminuir a violência na comunidade.

Só no ano passado, 11 pessoas foram assassinadas na aldeia, todas guaranis-caiovás, e outras 11 se suicidaram, segundo relatório do Conselho Missionário Indigenista (Cimi). "Teve um jovem da AJI que se suicidou. Segundo conta a sua família, ele tinha vergonha da realidade que vivia, de não ter roupas e moradia decente", afirma Jaqueline.

A AJI foi idealizada em 1999 pela antropóloga Maria de Lourdes Beldi de Alcântara com a proposta de ensinar jovens indígenas a registrar seu cotidiano em texto, foto e vídeo. Segundo a estudante, participam da ação jovens dos dois bairros da terra indígena - Bororó, mais popular e povoado somente por caiovás, e Jaguapiru, mais "elitizado", com moradores dos três povos.

"Quando as coordenadoras da ação juntaram esses jovens foi um problema. O pessoal do Bororó era taxado de sujo, violento e os jovens do Jaguapiru de metidos, que se achavam. Aos poucos começamos a fazer trabalhos, oficinas, e eles foram se conhecendo melhor e acabando com os mitos e preconceitos", diz Jaqueline.

Levantamento do Cimi aponta ainda que, em 2008, dos 60 assassinatos de indígenas, 42 foram cometidos contra guaranis-caiovás, que possuem uma taxa de homicídio mais de 20 vezes maior do que a registrada no Estado de São Paulo no mesmo ano. No ano passado, todos 32 suicídios praticados no Brasil por indígenas foram cometidos por caiovás. Em Dourados, 24 crianças foram internadas com desnutrição severa e 200 com desnutrição moderada em 2008.

Funai (Fundação Nacional do Índio), Cimi, ISA (Instituto Sociambiental), lideranças indígenas, antropólogos e representantes do Ministério Público de Federal em Mato Grosso do Sul (MPF-MS) compartilham da mesma posição: a causa principal da violência entre os povos indígenas é a falta de terras. A demarcação de novas terras, no entanto, tem como ameaças a pressão do agronegócio e uma das condicionantes estabelecidas do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento da reserva Raposa/Serra do Sol, que proíbe o aumento das reservas que foram demarcadas.

"Hoje a violência não tem mais limite. Os pais já não têm mais controle sobre os filhos, que ainda bem jovens começam a beber, usar drogas e praticar a violência. Carros e motos que passam na aldeia de noite são atacados. Em cada esquina se vê pessoas vestidas inteiras de preto, encapuzadas, com facões, armas", diz a estudante. O pai de Jaqueline foi assassinado por um índio guarani-nhandeva quando a jovem tinha 13 anos. "Até hoje ele continua ameaçando a minha família", afirma.

Policiamento divide opiniões
Dada a gravidade da situação, Jaqueline defende a presença da polícia "dos brancos" na aldeia até que a criminalidade diminua. "Grande parte da violência é causada porque os pais não têm controle sobre os filhos. Aqui temos só três policiais indígenas fazendo a segurança da aldeia. Em razão disso eles ficam marcados. Precisamos de policiamento das polícias Militar e Federal", diz.

O antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Almeida, que estuda os guaranis-caiovás, discorda dessa medida. "Já é sabido que isso não tem êxito. Nunca deu certo. Existe na aldeia uma gama enorme de problemas que não são fáceis de resolver. Os policiais militares e federais não têm preparo para atuar em comunidades indígenas", afirma.

Questionada se, nas comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul, não há um processo de perda das tradições, em razão do confinamento em pequenas aldeias e do contato com as cidades, a estudante diz que aposta no nascimento de uma nova cultura guarani. "Não abandonamos nossa cultura. Ela está se reestruturando. Resgatamos o que sobrou da antiga e estamos construindo uma nova", afirma.

"Não iremos falar como antes - a língua guarani pura - mas, quem é índio sabe: por mais que mudemos lugar, até de país, continuaremos sendo índios, sempre, porque isso está no nosso sangue", diz Jaqueline.

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