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Quem quer andar de tatayãroo?

Nova escola - http://revistaescola.abril.com.br/
01 de Abr de 2004

Tatayãroo é barco a motor em tapirapé. E foi uma das palavras criadas pelo professor Josimar e sua turma para manter vivo o idioma e a identidade de sua nação indígena

Apesar das guerras com tribos inimigas, das doenças e do contato com a cultura dos não-indígenas, os tapirapés resistiram e hoje compõem um grupo de 620 índios que vivem em cinco aldeias no Mato Grosso. Melhor: a língua, grande patrimônio cultural de uma nação, não se perdeu. Mesmo sofrendo forte influência do português, o idioma está sendo preservado. E um dos grandes responsáveis é Josimar Xawapare'ymi Tapirapé, professor de Língua Indígena da Escola Indígena Estadual Tapi'itawa.

Para lutar pela cultura de seu povo, ele aproveitou o que tinha em mãos: a escola, que se converteu em fonte de resistência do tapirapé por meio de um projeto pedagógico de sucesso. Em sala de aula, Josimar promoveu o uso de palavras esquecidas e criou novas para designar objetos que não existiam na vida dos índios, como bicicleta, boné, trator e avião.

Os pais estão aprendendo com os filhos os novos vocábulos e assim a língua se expande, forte e viva na aldeia Urubu Branco, uma vila com pouco mais de vinte casas de sapé, em meio a fazendas de cana-de-açúcar. "Nós queremos conhecer a língua portuguesa, mas sem deixar de falar o nosso próprio idioma", afirma categórico esse professor sorridente, que leciona para turmas de 2ª série. Josimar está garantindo, assim, a conquista de um importante território para os índios o linguístico.

Plano de aula

Objetivos
O projeto de Josimar está totalmente em sintonia com o Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas ao atribuir prestígio à língua materna de seu povo, contribuindo para que seus alunos valorizem a identidade cultural. Ao pesquisar palavras que caíram em desuso pela comunidade, reforçou a importância do reconhecimento dos saberes dos mais velhos e favoreceu o desenvolvimento oral e escrito da língua indígena em atividades de dramatização, ilustração e investigação de vocábulos antigos e novos.

O saber dos mais velhos: crianças ouvem lendas e anotam termos desconhecidos
Em busca da palavra perdida Calcula-se que havia mais de 1300 línguas indígenas quando os portugueses chegaram aqui. Hoje, há cerca de 180 em diferentes estágios de manutenção e revitalização. Uma delas é o tapirapé. Josimar foi certeiro ao elaborar um projeto que privilegia o orgulho de fazer parte de um povo minoritário e falar uma língua pouco conhecida em um país que tem o português como idioma oficial e dominante. E seus alunos aprenderam mais que expressões antigas e novas, mas tradições esquecidas. "Nosso tesouro agora está salvo. Esse projeto só reforçou o meu amor pela sala de aula", conta o professor, que recusou o convite para se tornar diretor da escola.

Ouvidos atentos
Certa vez em uma caçada dedicada à divindade "Tataopãwa" um rito para alegrar os espíritos , Josimar se deu conta de que algumas expressões usadas pelos mais velhos eram estranhas aos seus ouvidos e aos da maioria da população de sua aldeia. Ficou atento ao linguajar dos alunos e percebeu que palavras portuguesas estavam ocupando espaço demais nas conversas. Passou a anotar as novas descobertas lingüísticas e gravar em fita cassete diálogos que ocorriam na aldeia. "Vi que aquelas informações poderiam render um projeto para melhorar o desempenho da turma em leitura e escrita e manter o português como segunda língua", afirma Josimar.

Na aula de História, o professor falou sobre o passado da língua tapirapé e mostrou a situação de representantes de outras etnias que não sabem mais falar a sua própria língua. Em seguida, apresentou as fitas gravadas, escreveu na lousa as expressões que foram ouvidas e pediu para cada aluno formar novas frases, substituindo as palavras portuguesas.

Durante outra atividade, Josimar distribuiu à classe um texto onde o português e o tapirapé se misturavam. Depois, colocou as crianças em fila e explicou que cada uma representaria uma das palavras do texto, na ordem em que apareciam. Leu pausadamente a história e o aluno que fazia o papel de um vocábulo em português deveria substituí-lo por um correspondente em tapirapé antes de ser eliminado da brincadeira. Quem caía com uma palavra tapirapé ia para o fim da fila e continuava no jogo.
Para finalizar, Josimar transformou os estudantes em pesquisadores. Todos foram visitar a casa dos idosos da aldeia. Lá, ouviram lendas e mitos e anotaram palavras desconhecidas.

Neologismos indígenas
De volta à escola, a garotada procurava o significado de cada uma das palavras descobertas. A estratégia deu tão certo que os alunos continuaram a pesquisa mesmo depois do fim da atividade. O professor passou a criar palavras novas para objetos que não existiam na língua, como tatayãroo, que significa barco a motor. O termo corresponde à junção de tatã, (fogo), yãra (canoa) e towoo (grande). E os pais, apoiando inteiramente o trabalho, passaram a utilizar os vocábulos novos e os antigos em seu dia-a-dia.

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