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A quem interessa

O Globo, Opinião, p. 6
27 de Ago de 2008

A quem interessa

O julgamento final da forma de delimitação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que se inicia hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), vai além da causa em questão. E não é apenas porque, como admitem ministros da Corte, o veredicto balizará o desfecho de outros processos idênticos -- há 114 litígios do tipo tramitando na Justiça. Tanto quanto isso, está em discussão o alcance do poder do Estado brasileiro de preservar a Federação, diante de interesses de comunidades indígenas em torno das quais orbitam grupos ideologizados com ramificações no mundo inteiro, incluindo organismos internacionais.
Um primeiro aspecto do conflito entre a delimitação da reserva em terras contínuas e em ilhas - desta maneira para preservar a produção agrícola do estado (arroz) - é o destino de Rondônia. Delimitada em bloco, Raposa Serra do Sol e mais a reserva dos ianomâmi distribuída entre Brasil e Venezuela abrangerão cerca de 50% do território de Rondônia, reduzindo a arrecadação do estado de tal maneira que ele será rebaixado a território e voltará aos subsídios do Executivo federal. Há, portanto, nessa hipótese, um ônus para o contribuinte.
Na visão politicamente correta, por definição maniqueísta, índios, os "bons", estão em choque com brancos, os "maus", na defesa de um alegado patrimônio antropológico. Não é verdade: há grupos de índios também ao lado dos fazendeiros, pois sobrevivem da agricultura local.
Além de ONGs, políticos, índios e fazendeiros, também militares acompanharão de perto o julgamento. Aquela é uma região estratégica, fronteiriça à "bolivariana" Venezuela -- país em vias de se converter em potência militar -- e rota de traficantes. A reserva binacional dos ianomâmis há tempos causa ruídos em função de pressões internacionais para que haja a possibilidade da criação de "nações indígenas". O risco, segundo alertou em artigo ontem no GLOBO o embaixador Rubens Barbosa, está na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, negociada durante mais de uma década na ONU, aceita pelo Brasil em 1993 e ratificada pelo país no ano passado. O tratado internacional estaria em conflito com a Constituição brasileira.
O governo não está unido em torno do assunto. Mas o aparelho indigenista existente no Estado é ativo. Chegou mesmo o momento de a Justiça estabelecer parâmetros para proteger os interesses nacionais, e não de grupos, nessas delimitações.

O Globo, 27/08/2008, Opinião, p. 6

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