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A queda do desmatamento na Amazonia e fruto da acao do governo?

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: SARNEY FILHO, José; SOUZA JUNIOR, Carlos; VERISSIMO, Adalberto
10 de Dez de 2005

A queda do desmatamento na Amazônia é fruto da ação do governo?

NÃO
Amazônia ao sabor dos ventos

José Sarney Filho

Como ambientalista brasileiro preocupado com a sustentabilidade, comemoro a queda do desmatamento na Amazônia. Infelizmente, ela não é resultado de uma sólida política ambiental.
Entendo a ânsia dos dirigentes do Ministério do Meio Ambiente em anunciar bons resultados, abrigados que estão num governo que se tem mostrado seguidamente hostil à causa ambiental e do desenvolvimento sustentável. Diferencio e enalteço os esforços desses senhores, liderados pela ministra Marina Silva, por seu nado persistente contra a corrente do restante do governo, indiferente à questão ambiental.
Não posso, no entanto, me abster de fazer uma análise realista da situação, contradizendo o mascaramento da realidade feito a partir de informações generalizadas que pretendem ligar a queda do desmatamento ao efetivo controle da situação pelo governo.
Na verdade, o governo não tem conseguido mostrar dados consistentes sobre a conseqüência de suas ações na região. Há meses os ambientalistas pedem, sem resultado, a exposição das realizações do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, instrumento apresentado pelo governo para conter o desmatamento. Em agosto último, 20 entidades enviaram documento à Casa Civil com esse propósito, alertando que o plano tem sido implementado de forma limitada e parcial.
A meu ver, alguns fatores estão sendo desprezados quanto à contribuição para diminuir a taxa de desmatamento, e outros números devem ser analisados.
Segundo a Confederação Nacional da Agricultura, apesar do aumento nas exportações do agronegócio, percebe-se o agravamento da crise da atividade rural brasileira, com a desaceleração nos índices das vendas externas do país. Em 2004, as exportações cresceram 27,3%, e, neste ano, a expansão é de apenas 8%. E o carro-chefe da crise é exatamente a soja, apontada como principal vilã nas frentes de desmatamento da Amazônia.
A crise da soja ocorre em virtude da queda dos preços internacionais, aliada à supersafra mundial, comandada principalmente pela grande safra americana, que deverá superar os 80 milhões de toneladas, causando queda de 15% nos preços internacionais.
Nos dez primeiros meses deste ano, o faturamento das exportações do setor caiu cerca de US$ 1 bilhão, queda de 12% em relação a igual período de 2004. A queda na área plantada de soja em território brasileiro já chega a 5,3%, segundo divulgação da Radiobrás, com projeção de 7% para 2006, segundo a CNA. De acordo com o IBGE, o maior produtor de soja do país, Mato Grosso, deverá ter quebra de 6,35% na área plantada. Note-se que o Mato Grosso foi responsável por 48% do desmatamento na Amazônia entre 2003 e 2004.
Além disso, é preciso diferenciar as ações de governo para atender a demandas circunstanciais das ações permanentes de Estado que asseguram a consistência e a continuidade das políticas públicas para a região.
A atuação muito recente e pontual do governo na Amazônia deveu-se, principalmente, à repercussão nacional e internacional do assassinato da missionária Dorothy Stang, que demonstrou de forma gritante a omissão do Estado na região para a solução do abandono social e dos conflitos pela extração desordenada de recursos ambientais.
As excelentes operações da Polícia Federal para o combate à grilagem e à extração ilegal de madeira e a presença do exército na região da Transamazônica são, contudo, momentâneas, e mesmo a criação de unidades de conservação, sabemos, é obra de pura burocracia, se não forem concretamente delimitadas e consolidadas.
Essa "operação apaga incêndio", aliada ao arrefecimento do agronegócio na região, resulta na situação transitória, a meu ver, da queda do desmatamento. Falta solidez à política ambiental deste governo. Falta a opção clara e inequívoca pelo modelo de desenvolvimento social e ambientalmente sustentável.
O governo ainda não entendeu que as imagens de seca e de chamas na Amazônia estão ligadas, na mente de todos, a uma totalidade de eventos catastróficos que demonstram a exaustão do planeta e a insegurança a que estamos sujeitos pelo aquecimento global e mudanças climáticas.
Assim, não se trata mais de expor estatísticas efêmeras para conter os ânimos de poucos ambientalistas. Trata-se de convencer toda a sociedade de que o Estado brasileiro está fazendo sua parte na diminuição da emissão de gases de efeito estufa (dois terços da emissão brasileira são devidos ao desmatamento) e na preservação de nossa natureza, tendo em vista fornecer segurança ambiental à população. Isso sem que mais freis Cappios, Franciscos Anselmos e irmãs Dorothys precisem sacrificar-se.

José Sarney Filho, 48, advogado, é deputado federal pelo PV-MA e líder do partido. Foi ministro do Meio Ambiente (governo FHC) e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista para o Desenvolvimento Sustentável.

SIM
Avanços e desafios

Adalberto Veríssimo e Carlos Souza Junior

No balanço de fim de ano sobre a Amazônia, temos duas notícias sobre o desmatamento: uma boa, uma ruim. A boa notícia é a redução de 30% na taxa de desmatamento para o período de agosto de 2004 a julho de 2005. O desmatamento, que havia atingido 27 mil km2 (quase a área do Estado de Alagoas) no período anterior, caiu para cerca de 19 mil km2. Porém, não há o que comemorar se considerarmos que a área desmatada permanece num patamar muito elevado. De fato, a média anual do desmatamento de 2000 a 2005 é maior que a média da década de 90.
Dois fatores parecem ter contribuído para essa redução em 2005. Primeiro, um conjunto de ações do governo no âmbito do seu programa de combate ao desmatamento, entre as quais se incluem as operações integradas de combate aos crimes ambientais, a criação de Unidades de Conservação em áreas de conflito fundiário e as medidas de combate à grilagem de florestas públicas.
Segundo, uma queda significativa nos preços das commodities agrícolas, em especial da soja, que reduziu o interesse do setor agropecuário pelo desmatamento nesse período.
A proporção da contribuição desses dois macrofatores não está esclarecida.
A má notícia é que o governo, pelo menos por enquanto, apenas represou o desmatamento, pois as motivações econômicas ainda estão presentes. Sob as condições atuais, a economia com base na agropecuária, associada à exploração predatória de madeira, continua sendo mais rentável se comparada ao modelo de desenvolvimento com base na conservação e uso sustentável da floresta. Portanto, ao menor sinal de arrefecimento da política de combate ao desmatamento e/ou de uma conjuntura econômica mais favorável ao agronegócio, o dique que represou parcialmente o desmatamento poderá se romper.
Para que a política de combate ao desmatamento lançada em 2004 tenha êxito no longo prazo, três medidas estruturais previstas no plano precisam ser intensificadas e/ou postas em prática. Essas medidas são: aumento da transparência no monitoramento do desmatamento, ampliação do ordenamento territorial e efetivação do marco legal para o setor florestal sustentável.
É preciso manter e ampliar a política de transparência na divulgação das informações sobre o desmatamento que o governo adotou a partir de 2003. Houve avanços positivos, como a divulgação dos mapas digitais gerados pelo Inpe contendo a localização dos desmatamentos. Além disso, o Inpe desenvolveu um novo sistema para detecção do desmatamento em tempo real, o qual tem contribuído para orientar as ações de fiscalização ao mesmo tempo em que permite um acompanhamento das tendências de desmatamento mês a mês.
Porém, falta transparência por parte do governo na divulgação das informações sobre as autorizações legais de desmatamento e a localização dos planos de manejo florestal. E, por último, falta o fundamental, que é detectar e identificar desmatamentos no âmbito da propriedade rural.
Uma questão crucial para o futuro da Amazônia é reduzir o caos fundiário que assola a região. Mais de um terço da Amazônia ainda é floresta pública devoluta ou área em disputa. Nas terras privadas e assentamentos de reforma agrária (um terço do território), sobra confusão sobre a legalidade dos títulos e conflitos armados pela posse da terra.
Apenas nas Áreas Protegidas, outro terço do território, a situação é ligeiramente mais estável. Para enfrentar o desafio, é essencial realizar a regularização fundiária das áreas privadas (com titulação legítima) e assegurar o domínio público sobre as florestas devolutas.
Somente uma economia com base na floresta pode assegurar a manutenção, em larga escala e a longo prazo, da floresta amazônica. Entretanto tem sido difícil desenvolver uma economia florestal na região. O maior obstáculo é a ausência de um marco regulatório para o uso sustentável das florestas públicas. A resposta está no projeto de lei de gestão das florestas públicas, sob apreciação no Senado. Se for aprovado, será possível iniciar um ciclo positivo no qual o uso dos recursos florestais (com base no manejo sustentável) se torne aliado no combate ao desmatamento.
A Amazônia vive um momento decisivo de sua história. O desmatamento avança rapidamente e, em pouco mais de três décadas de ocupação, a região perdeu 17% da floresta original. Para combater o desmatamento na Amazônia, é preciso que um plano, como o ora em curso, possa se tornar um compromisso do Estado nacional (indo além de governos) e da sociedade brasileira.

Adalberto Veríssmo, 40, mestre em ecologia pela Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), é pesquisador sênior do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

Carlos Souza Junior, 38, Ph.D. em geografia pela Universidade Estadual da Califórnia em Santa Bárbara (EUA), é pesquisador sênior e secretário-executivo do Imazon.

FSP, 10/12/2005, Tendências/Debates, p. A3

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