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A que veio dom Tomás Balduíno?

Folha de Londrina - http://www.folhaweb.com.br/
Autor: Eliane Tomiasi Paulino
19 de Mai de 2014

Maio chegou e, com ele, a notícia da perda de dom Tomás Balduíno, o bispo daqueles que colocaram na agenda política das principais democracias do mundo o clamor por ampla mobilização e firme engajamento: os camponeses e indígenas. Tanto o Dia Internacional das
Lutas Camponesas quanto o Dia do Índio, celebrados em 17 e 19 de abril, surgiram de enfrentamentos árduos, como os que coroaram a vida de dom Tomás. Tanto quanto as datas simbólicas, que servem para lembrarmos por que vieram, é importante que não nos esqueçamos a que veio esse homem.

Fundador da Comissão Pastoral da Terra, somou à luta eternizada desde o massacre de Eldorado do Carajás, contra camponeses em busca de uma nesga de terra onde apenas 551 imóveis dividem entre si mais de 255 mil hectares, a maior parte grilada e que, por lei, se destinariam exclusivamente à reforma agrária.

Ainda que se ignore essa cláusula constitucional, por lei deveriam ser desapropriadas por improdutividade, já que geram apenas um emprego permanente a cada 2.056 hectares, quando no referido município o tamanho médio de 75% das propriedades é 21 hectares (IBGE).

A grilagem e a ociosidade das terras, razão das lutas camponesas, é também o que move a luta indígena, consagrada na data de criação do Instituto Indigenista Interamericano, com sede no México, do qual o Brasil é membro desde 1943 e que desde 1970 tem seu próprio conselho, o Cimi, que teve dom Tomás como fundador. Diferentemente dos camponeses, que lutam pelo acesso à terra, os indígenas lutam pela direito à permanência onde vivem mesmo antes de os colonizadores aportarem e, com eles, a cobiça que não reconhece fronteiras éticas
ou legais. No momento, ela tem nome, PEC 215, que propõe a ingerência sobre as unidades de conservação e a destituição do direito indígena a territórios originários, tanto quanto áreas ocupadas pelos descendentes de escravos ali estabelecidos antes da abolição. Foram injustiças dessa ordem que dom Tomás combateu, valendo-se da proclamação da verdade que conscientiza e mobiliza para que as leis sejam cumpridas.

As armas que costumeiramente a isso se levantam já fizeram tombar 331 trabalhadores e 563 indígenas somente nos últimos 10 anos (CPT). Para que não pereçam valores e princípios fundamentais em favor de um projeto discutível para o campo brasileiro, embalado no discurso da produção do sagrado alimento, é imperioso lembrar que segundo a Conab, a área ocupada por lavouras temporárias nesse ano a safra é de 56,4 milhões de hectares que, somados à das lavouras permanentes, fecha em 68,1 milhões a área agrícola do Brasil. Note-se que os estabelecimentos com menos de 100 hectares ocupam 70,7 milhões de hectares, mas
correspondem a 90,1% dos estabelecimentos rurais. Como o conjunto dos imóveis brasileiros ocupa 605,4 milhões de hectares (Incra), os rgumentos que projetam a grande propriedade como eficiente e protagonista do sucesso da agricultura brasileira são, no mínimo, parciais, pois se não houvesse um palmo de lavoura sequer em quaisquer daqueles com menos de 100 hectares, ainda assim os grandes teriam nada menos que sete vezes mais terras em idêntica situação.

Quem são, pois, os improdutivos do Brasil? O que explica as atuais investidas contra unidades de conservação e terras indígenas que, juntas, somam 197,6 milhões de hectares? E a criminalização da reforma agrária? Com a palavra dom Tomás Balduíno: "Como pensar num mundo e numa humanidade equilibrados e sustentáveis? Produzindo de acordo com a
necessidade. Uma coisa é a necessidade em que todos participem. Outra, é atender a um modelo superpredador [...]. Não seria a hora de questionar o modelo vigente e dar a palavra à população camponesa, ao indígena?"

ELIANE TOMIASI PAULINO é professora do departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina

http://m.folhaweb.com.br/?id_folha=2-1--2053-20140516

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