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Protesto ganha adeptos

CB, Brasil, p.11
05 de Out de 2005

Protesto ganha adeptos
No nono dia em greve de fome, bispo recebe solidariedade de quatro trabalhadores que entram em jejum. Atos em apoio ocorrem pelo país
Bernardino Furtado
Enviado especial
Cabrobó (PE) – No seu nono dia de jejum, isolado numa capela no sertão pernambucano, o bispo dom Luiz Flávio Cappio parece ter conseguido se fazer ouvir. Ontem, além da 2,5 mil pessoas que foram visitá-lo, vindas de ônibus, caminhões e caminhonetes, houve manifestações contra a transposição do São Francisco em várias cidades do país. Os atos animaram o espírito de dom Luiz. Na própria Cabrobó, centenas de manifestantes fecharam por 40 minutos o tráfego na rodovia BR-428, bem em frente à capela onde o bispo de Barra (BA) passas os dias e as noites. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) anunciou ontem que irá incluir na sua pauta de reivindicações a realização de um referendo sobre a transposição.
Em um altar improvisado sobre um palco montado ao lado da capela, o bispo recebeu o apoio de quatro integrantes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) que aderiram à greve de fome. José Santana Monte, 58, José Hélio Ferreira da Silva, 21, Maria Isabel da Silva, 24, e Romualdo Pessoa, 21, se apresentaram como voluntários, após decisão coletiva tomada pelo movimento, de participar do jejum. Precisamos defender a vida do rio até a morte”, disse Pessoa. Os voluntários foram recrutados tanto no Ceará, Paraíba, Sergipe e Alagoas.
Desde que iniciou seu ato extremo de protesto, dom Luiz têm dito a políticos e líderes de movimentos sociais que está fazendo a sua parte e espera que seu gesto não continue solitário. Como bom pregador, o bispo aproveita todas as oportunidades que tem para atrair aliados para a causa que, no limite, pode lhe custar a saúde e até a vida.
Ontem à tarde, ouviu pacientemente dois promotores de Justiça que foram oferecer o empenho do Ministério Público para obter policiais para a segurança, acompanhamento médico e até uma ambulância estacionada em tempo integral ao lado da capela de Cabrobó. Em resposta, dom Luiz disse que preferia que os promotores se engajassem na causa da revitalização do São Francisco e no banimento” do projeto de transposição das águas.
O bispo argumentou que não seria justo aceitar a ajuda em detrimento da população de Cabrobó que merece a mesma atenção. Diante da insistência dos promotores, que lembravam da necessidade de o bispo pelo menos medir a pressão com freqüência, por exemplo, dom Luiz retrucou com uma piada. Tenho minha irmã (Rita) aqui do meu lado, que é enfermeira, e descobri, nas últimas medições, que, aparentemente, o jejum é recomendado para quem precisa controlar a pressão”, disse.
Aniversário
Os protestos contra a transposição ocorreram num dia especial para dom Luiz. Foi seu aniversário de 59 anos e lá estavam seus irmãos. Católicos de Barra, cidade onde chegou frade em 1974 e se tornou bispo em 1997, lotaram um ônibus e viajaram 800 km para visitá-lo em Cabrobó. A data também é o dia da morte de São Francisco de Assis, padroeiro do rio, de Barra e santo da congregação de dom Luiz, a Ordem dos Capuchinhos.
O aumento do número de visitantes, inclusive de políticos, coincidiu com mudanças na rotina no entorno da capela de São Sebastião, onde o bispo está. O estacionamento de veículos foi afastado para a beira da rodovia BR-428, a cerca de 200 metros da capela. Um palco foi montado para a celebração da missa. Serviu também para abrigar políticos, como o governador de Sergipe, João Alves (PFL), e deputados federais, como Fernando Gabeira (PV-RJ) e Sarney Filho (PV-MA).
Após a missa, o bispo se recolheu na capela para descansar por duas horas. Pessoas próximas disseram que o bispo não reclamou de dores fortes de cabeça e nos músculos, o que normalmente ocorre com pessoas nesse estágio de jejum. Dom Luiz só toma água retirada do São Francisco e guardada num pote de barro.

Governo se mobiliza
Sandro Lima
Da equipe do Correio
Depois de enviar um emissário do Palácio do Planalto com uma carta do presidente Lula à Cabrobó para tentar convencer dom Luiz Flávio Cappio a desistir da greve de fome, o governo federal decidiu se mobilizar para não ser responsabilizado pela morte do religioso. Ontem, Lula se reuniu com o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, e o encarregou de resolver o problema. O Planalto também teme que o protesto do religioso comprometa a vinda ao Brasil do papa Bento XVI.
No final do dia, o governo decidiu mostrar que está disposto a negociar e informou que pedirá urgência para a aprovação de proposta de emenda constitucional que garanta recursos de R$ 300 milhões por ano para a revitalização do rio São Francisco até 2015. Lula espera que, com este gesto, o bispo encerre a greve de fome e abra uma negociação com o governo. Além da verba extra, estuda-se a possibilidade de suspender o início das obras.
A pressão pela revogação do projeto de transposição do rio São Francisco chegou às portas do Palácio do Planalto. Um grupo de 35 representantes de entidades vinculadas à Igreja Católica e a movimentos sociais fizeram protesto na Praça dos Três Poderes. Enquanto Lula recebia o presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, na rampa do palácio, o grupo gritava São Francisco”.
Mais tarde, já no Itamaraty, Lula foi evasivo ao responder perguntas sobre o protesto do bispo. Ao ser questionado sobre a greve de fome, afirmou que havia mandado carta ao bispo e abriu os braços ao ser perguntado se isso era o suficiente. Já mandei uma carta para ele”, disse Lula, acrescentado que não faria julgamento sobre a atitude de dom Luiz.
De acordo com a assessora da Pastoral Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), irmã Delci Franzen, há uma negociação para que o governo envie uma comissão a Cabrobó (PE) para negociar diretamente com o bispo. O presidente precisa entender que, se acontecer uma tragédia, acabou o governo para o Nordeste”, disse a religiosa.
No Congresso, senadores de partidos aliados e de oposição revezaram-se na tribuna com o mesmo apelo ao presidente: diálogo com o bispo. Até o senador Paulo Paim (PT-RS) criticou o imobilismo do governo diante da saúde fragilizada do religioso. É inaceitável que o bispo esteja quase morrendo e nada se faça para buscar uma saída negociada”, cobrou Paim.
CB, 05/10/2005, p. 11

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