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Protagonismo Indígena na Serra do Padeiro

Portal do Meio Ambiente - http://migre.me/dQGM
Autor: Liliana Peixinho
06 de Dez de 2009

Por Liliana Peixinho - Ativista ambiental

A nova ordem mundial, pós efeitos negativos das mudanças climáticas, nos mostra a urgência de corrermos atrás de prejuízos históricos, como a dizimação das florestas e do povo que dela tenta cuidar, para viver. Os desafios são enormes, como esse em pauta, sobre a publicação recente, na Revista Época, de matéria com a Serra do Padeiro. O conteúdo apresenta uma contextualização questionada pelas lideranças comunitárias indígenas, com muita propriedade, em carta assinada pelas lideranças, agora, dia primeiro de dezembro. Quem estudou os problemas da comunidade, viu de perto o que eles fizeram em tão pouco tempo, com tão pouco apoio, e com tanto saldo positivo, tem a obrigação ética de mostrar, divulgar, a Serra do Padeiro como um santuário ecológico, uma reserva, um paraíso ecológico, muito bem cuidado pelos índios e que não pode, de forma nenhuma, ser preterido por práticas que só agora estamos a ficar atentos, pós massacres de serras elétricas, substituição de florestas por pastos de gado, plantação de eucaliptos ou exploração turística predatória, com práticas insustentáveis.

Estive na Serra do Padeiro há pouco tempo, fui recebida pelo Cacique Babal e outros representantes da comunidade e sou testemunha do protagonismo indígena na prática da autosustentação, através de organização cooperativada. A Serra do Padeiro tem um sistema de agricultura familiar que deve ser modelo de vida não só para outras aldeias como para outras comunidades tradicionais esquecidas, perseguidas e massacradas historicamente. A avidez do ganho fácil empresarial ou descaso político para a garantia de direitos, assegurados, como a terra, mas não garantidos, estão sabiamente questionados por eles, que reaprendem, resgatam costumes correndo atrás, se informando, se especializando, para tentar garantir o que sabem ser de direito.

O cacique Babal, liderança Tupinambá Serra do Padeiro, é um homem proativo, que valoriza as tradições, tem compromisso com a agricultura sustentável, sabe ouvir a comunidade, balizar e conduzir confrontos. Eles focam suas atividades no quê, quando e onde plantar, como e quando colher, cuidar, distribuir na comunidade para garantir o sustento da atual e futuras gerações. Essa pauta é constante para garantir a terra, base para a vida de todos. Esse cotidiano é fato e deve ser replicado ao mundo, onde ainda se passa fome porque não sabemos fazer como eles, cuidar, preservar, pensar no futuro, nos outros, de forma harmoniosa com a natureza, de onde tudo tiramos limpo e para onde tudo devolvemos sujo.

Autosustentação comunitária

A proposta de autosustentação Comunitária na Aldeia Serra do Padeiro é resultado da luta coletiva diária dos guerreiros índios tupinambás. Com aproveitamento do potencial da terra e da vontade da comunidade em depender cada vez menos de ir à cidade comprar qualquer coisa, o Cacique Babal e lideranças da comunidade Indígena Serra do Padeiro são exemplo multiplicador do que está acontecendo de bom em sua aldeia, para que outros povos possam seguir o mesmo caminho.

A filosofia e prática do trabalho se dá através da valorização e resgate de ações verdadeiramente harmoniosas, com coragem, determinação, disciplina e resultados positivos de povo que trabalha duro, com exemplos de orgulho comunitário, ao saber driblar as adversidades com criatividade, alegria, auto-estima e luta diária do povo Tupinambá da Serra do Padeiro.

Eles são cerca de 900 pessoas, pertencentes a 180 famílias, distribuidas em 17 mil hectares de terra, num território abençoado pelo encanto e presenças divinas, onde as chuvas, constantes, são apenas um dos caminhos para se colocar em prática, a máxima de que "se plantando, quase tudo dá!". Na Aldeia Serra do Padeiro Tupinambá a presença dos "encantados" pode ser constatada a cada metro que se anda, em meio uma floresta rara, de mata atlântica, onde a biodiversidade é tão rica e presente quanto a própria consciência de cada índio em preservar a área como um presente de Deus, ou dos deuses da mata, como condição para a garantia das futuras gerações, que eles fazem questão de incentivar.

Biodiversidade encantada

No levantamento que fiz com o pajé da tribo tupinambá Serra do Padeiro pudemos identificar uma riqueza biodiversa na serra encantada, divina e rica composta por jequitibás, ararobas, sucupiras, vinhático, aletrinas, cobis, gameleiras, timbaubas, burundangas, pausangue, loros, cedros verdadeiros, cedros cabecinha, buraens, cundurus, oiticicas, jangadas, paus darco, jueranas, mussutaibas, imbirucus, biribas, angicos, pinhos, jacarandás, sapucaias, oitis, biquibas, baraúnas, jacarandás, pinhos onde, da suntuosidade de suas alturas, viviam em harmonia com espécies menores, um pouco mais baixas que elas, a exemplo de outras espécies como murtas, aracás, batingas, mudumrurus de rego, mudunrurus de ferro, mudumrurus cabelo de cotia, ingauçu, cipó de cravo, pai de cravo, cipó dalho,peão, cansação, virasaque, pindaíba, catirina, bapeba, jiniparana, abacate, unha de gato, jenipapo, motibando, onde índios e não índios se embrenhavam mata adento, sem medo, pra buscar o que comer na verdadeira autosustentação, propiciada por outras espécies , de frutas, como banana, laranja, jenipapo, tangerina, cacau, limão, manga, figo pinha, goiaba, coco , dendê além de tubérculos como aimpim, babata doce ou legumes como chuchu, jiló, frutapão, beterraba, maxixe, mangustão, taioba ou grãos como feijão e milho.

Festa dos bichos

E havia a festa dos bichos como corsas, caititus, capivaras, pacas, jupararás, quatis, guaxinins, tatus verdadeiros, tatus rabo de couro, tatus peba, sarues, raposas, cachorros da mata, gatos da mata (ou do mato), sussuaranas parda e pintada, gatos Açu. jupatis, papas-mel, teiús, cotias, lontras, caxixis, preguiças, calangos de coleira, calangos vermelhos, bacurais, caburês, sabiás de paus, formigões. Além de aves que voavam de uma para outra árvore, a exemplo de sangue de boi, sete cor, lavadeiras, guris, periquitos, assanhaços, bem-te-vis, sabiás, assanhaços, sofrês, papa-capins, chorões bigodes, curiós, pássaros-preto, anuns, japus, pica-paus, jandais, cuiubinhas, jandaís, arma de gato, juritis jacupenbas, aranquans, mutiuns, pardais, chorões, nambus, tucanos verdadeiros, tucanos araçaris, tucano de sapos. tucano paós, canarios, bastiões, martin pescadores, socos, quero-queros, perdizes, garças beija-flores, xoros, chupa-limas, pimentões, escarros, garrinchas, azulões,arapongas, sete cores, curujões, corujas, vó da lua, sapucaias, numa comunhão que jamais veremos, com outros bichos aquáticos como: jacarés, traíras, berés, jundiais, piabas, piaus, acauans, tucunares, pitus, cobras preta,entre muitas outras espécies de uma biodiversidade perfeita, que deve ter dado muito trabalho para os estudos de Darwin e que, infelizmente, as futuras gerações só saberão da existência desse paraíso, dessa biodiversidade local, se dermos a chance delas resistirem nesse ritmo insensato de destruição.

Publicação , pesquisa e proteção

É desejo das comunidades que esse registro, narrativo e fotográfico iniciado em dezembro de 2008, possa ser continuado para a edição de uma publicação, catálogo, para que as futuras gerações e pesquisadores possam reforçar a necessidade, urgente, de preservar o que restou, assim como disponibilizar em sites, blogs e ambientes virtuais para o crescimento da inclusão digital nas aldeias. Essa expedição fotográfica pelas florestas indígenas integra o trabalho de pesquisa in loco, dessa jornalista, iniciado nos anos 80, a partir de visita a comunidades tradicionais indígenas como a aldeia mãe Pataxó, Caraívas, Ponta de Corumbau, e outras localidades do sul da Bahia e Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.

Para esse povo que sabe bem o que precisa para viver bem, que já perderam tudo ou quase tudo e que, agora, estão querendo proteger, com unhas, dentes, tacapes e zarabatanas o pouco do restou, para os filhos e netos, fica mesmo difícil entender a defesa de empresários que praticam a monocultura, seja de eucalipto, soja, cana de açúcar, mamona, cacau. ou qualquer outra. Num pais abençoado por Deus e repleto de gente bonita, guerreira, disposta a pegar na enxada, cantando, mas ainda com fome, é inaceitável qualquer idéia que mate, dizime, continue extinguindo paraísos como o da Serra do Padeiro. Se o Brasil realmente que ter compromisso com sustentabilidade precisa deixar, em pé, o que restou das nossas das florestas, com desmatamento zero e para isso precisa conter o ávido desejo do agronegócio predatório.

Cooperatismo autosustentável

O sistema de cooperativa, agricultura familiar, desenvolvido entre homens, mulheres e jovens da Serra do Padeiro, pode ser traduzido na seguinte expressão do cacique Babal "A gente não se preocupa com o que vai vender e lucrar, e sim com o que vai comer pra não passar fome." Estive pesquisando diversas tribos indígenas do Nordeste, como os Trukas, Tumbalalas, (durante a greve de fome do bispo franciscano Dom Luiz Cappio, em outubro de 2005 Kaimbes, Kiriris (Mobilização Território Indígena) Tupinambas ( Reforma do Estatuto do Índio) entre outras, e penso que a Serra do Padeiro deve ser divulgada como um exemplo multiplicador do que os índios nos ensinaram, ao longo da história, e que, ano a ano, década a década, século a século, foi sendo negado, esquecido ou subvertido em análises apressadas, descomprometidas ou favoráveis ao massacre indígena testemunhado mundo afora.

Será se ainda não pudemos entender que entre o que índio tenta fazer, em harmonia com a natureza e sem os apoios necessários, e o que os empresários veem fazendo, há séculos, de forma predatória, ainda temos que ter dúvidas do que é melhor para preservar as riquezas de um Brasil que chama a atenção do mundo, com liderança, exatamente porque ainda somos o topo da megabiodiversidade do planeta? A pergunta poderia ser: até quando, como e o quê precisamos fazer, ou não fazer, para continuarmos com esse patrimônio natural que é o Brasil, mas que vem sendo dilapidado, irresponsavelmente?

Na Serra do Padeiro tem pessoas com muita sensibilidade, espíritos antepassados de resistencia e muita coragem para trabalhar e esse é um patrimônio de valor inestimável.

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