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Projetos oportunos em mãos de oportunistas

O Globo, Razão Social, p. 17
01 de Dez de 2009

Projetos oportunos em mãos de oportunistas
Desconhecimento ronda o início de projetos de REDD no país

Camila Nobrega
camila.alves@oglobo.com.br

Há cerca de três meses, o representante indígena Bonifácio Baniwa recebeu uma ligação de empresários espanhóis que lhe ofereceram um contrato com o objetivo de pagar a seu povo para manter parte dos mais de três milhões de hectares que eles possuem de floresta em pé e gerar créditos de carbono.

Bonifácio disse que precisava conversar com seu povo e chamou a Funai para acompanhar o diálogo. Sem saber do que se tratava, o líder indígena estava iniciando uma das primeiras negociações do país baseadas no REDD - Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação - um mecanismo que atribui um valor à floresta em pé e é um dos principais pontos a serem negociados em Copenhague. Longe de ser exceção, Bonifácio é apenas um de todos os indígenas que têm sido assediados por empresas para entrar nesse mercado, mesmo sem nunca ter ouvido falar em REDD antes.

Ele conta que, após saberem que seria necessário passar por um processo de discussão e autorização de órgãos do governo, os espanhóis fugiram: - O povo nunca tinha ouvido falar de créditos de carbono, tínhamos que debater e nos informar. Não sabemos porque eles sumiram. Mas vou estudar e ficar atento a isso.

Segundo o assessor técnico da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) Marcelo Cantuário, esse não é um caso isolado.

Mesmo antes de o mecanismo ter sua regulação aprovada na Conferência de Copenhague, a organização tem recebido telefonemas de empresas e até proprietários de terras interessados em saber quanto podem ganhar com as florestas de pé: - Empresários estrangeiros ligam e falam logo em cifras. Já está em negociação um projeto com os Suruís, do Pará, e outro com os Cinta Larga, de Rondônia.

Para uma área de 211 mil hectares, falaram em R$ 1,7 milhão por ano, é muito dinheiro. Apesar de os índios desconfiarem muito dos estrangeiros, seria necessária a presença da Funai no processo de negociação e esclarecimento das populações. Deveria haver um setor para orientar esse tipo de acordo.

A ONG americana The Nature Conservancy (TNC) está iniciando dois projetos no Brasil, um no Pará e outro em Mato Grosso. Segundo a coordenadora de mudança do clima da TNC, Fernanda Carvalho, apesar de o REDD ainda não estar regulado, há um mercado voluntário: - Estamos desenhando projetos no Brasil ainda, mas na Bolívia temos três empresas parceiras que pagam e recebem 50% dos créditos gerados pelo projeto. Aqui, estamos em fase de consulta às comunidades e esclarecimento sobre o assunto. O governo hoje busca o debate, mas demorou. Muita gente quer ganhar dinheiro com isso. Algumas organizações fazem um trabalho de qualidade, mas outras falam direto com os índios e pedem para eles assinarem contratos.

Já para a diretora da ONG Fase, Letícia Tura, deixar o sistema na mão do mercado é muito arriscado. Enquanto o governo está levando para Copenhague uma proposta de sistema misto, com fundos públicos e negociação no mercado, Letícia alerta para a falta de controle social sobre o mercado: - A questão ambiental e a social precisam andar de mãos dadas, e o mercado não regula isso. O debate sobre o REDD precisa ser ampliado. Esses projetos deveriam ter como foco o uso sustentável da floresta, e não que ela permaneça intocada. As populações podem assinar contratos de anos, mas ficarão sem liberdade para sobreviver da terra. É preciso acompanhamento do governo em todos os processos, pois é preciso garantir a autonomia dos povos da floresta - cobrou Letícia.

O Globo, 01/12/2009, Razão Social, p. 17

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