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Projeto pecuário pode ter impacto irreversível

OESP, Vida, p. A16
07 de Mar de 2007

Projeto pecuário pode ter impacto irreversível
Relatório aponta risco ambiental de novas atividades do Grupo Bertin no PA, MT e RO; ONGs querem que Bird adie decisão sobre financiamento

Giovana Girardi

Um empreendimento classificado na categoria A de risco ambiental, o que significa que pode resultar em impactos 'diversos, irreversíveis ou sem precedentes' na Amazônia, segundo avaliação da Corporação Internacional de Finanças (IFC), está em vias de receber um financiamento de US$ 90 milhões - da própria IFC.

Amanhã, o conselho da instituição, braço do Banco Mundial (Bird) responsável por financiar a iniciativa privada, vai votar se libera ou não o empréstimo para o Grupo Bertin, maior exportador de carne bovina e couro do País, que pretende expandir sua capacidade de processamento no Pará, em Mato Grosso e em Rondônia. Entidades ambientais ligadas ao Fórum Brasileiro de ONGs alegam que mesmo o relatório alarmante da IFC é insuficiente e pedem adiamento da votação.

O documento que está em mãos do conselho aponta com detalhes o impacto da cadeia de suprimento em Marabá (PA), onde está previsto o funcionamento de um frigorífico, mas não traz nenhuma informação sobre os eventuais danos que podem ocorrer em outras cinco áreas onde o Bertin terá instalações.

'Eles estão avaliando apenas um sexto de todo o empreendimento, só que ele cobre regiões que ficam a até uns 2 mil km de distância uma da outra. Não dá nem para imaginar qual é o risco real de impacto de tudo só com essa avaliação', alega Roberto Smeraldi, do grupo Amigos da Terra, uma das entidades que pedem reformulação do projeto.

Em conseqüência do aumento da capacidade do frigorífico de Marabá (que deve elevar o abate de gado para 310 mil cabeças até 2009), a IFC prevê emissões de pelo menos 56 milhões de toneladas de carbono ao longo de uma década. Isso porque, para suprir a demanda, será necessário aumentar o rebanho na região, levando a novos desmatamentos para a criação de pastos. 'Prevemos algo entre 270 mil e 320 mil hectares', alerta Smeraldi. O medo das entidades é que isso incentive a ilegalidade de fazendas.

'Para efeito de comparação, toda a emissão anual de carbono do Brasil pela queima de combustíveis fósseis é de 83 milhões de toneladas. Cada um que avalie por si mesmo', pondera. O problema, segundo Smeraldi, é não se saber quanto que as outras instalações vão emitir também.

Um dos pontos mais preocupantes é um matadouro em Água Boa (MT), na cabeceira do Xingu. As entidades acreditam também que deve haver outra instalação do tipo em Campo Novo dos Parecis (PA), perto do Rio Sacre, onde está sendo construída uma hidrelétrica. As outras três regiões - Cacoal (RO), Conceição do Araguaia e Redenção (PA) terão curtumes.

OUTRO LADO

Procurado pela reportagem do Estado, o Bertin não quis se pronunciar. Já a IFC informou que só fez um estudo detalhado sobre o frigorífico em Marabá porque considerava o local o mais preocupante dos seis, mas que as outras regiões receberam a visita de técnicos.

A corporação alega que só soube do matadouro de Água Boa quando o relatório já estava sendo finalizado - trabalhava-se com a informação de que as demais instalações funcionariam como curtumes, considerados menos danosos ao ambiente - mas declarou que fará um estudo de impacto no local.

'Apesar de o empreendimento estar na categoria A, a empresa se comprometeu a implementar um projeto gradual para a produção sustentável na cadeia de suprimento de carne bovina e couro em Marabá', afirma Karina Manasseh, da IFC. 'Comprovação de que o produtor não tenha sido condenado por trabalho escravo, desmatamento recente ou violência agrária passa a ser requerida num prazo de dois meses', explica.

Pecuária invade a Amazônia
Entre 1990 e 2003, a taxa média de crescimento anual do rebanho na Amazônia Legal (6,9%) foi dez vezes maior do que no restante do País (0,67%): passou de 26,6 milhões para 64 milhões de cabeças, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Na região, os três Estados com mais cabeças são Mato Grosso, Pará e Rondônia. A pecuária cresce na Amazônia porque é mais lucrativa do que em outras regiões do Brasil, principalmente pelo preço baixo das terras e pastagens produtivas. Há também incentivos financeiros: entre 1989 e 2002, o Banco da Amazônia emprestou U$ 5,8 bilhões do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) rural na Amazônia (excluindo Mato Grosso e Maranhão). Cerca de 40% desses recursos - ou US$ 2,36 bilhões - foram destinados diretamente para a pecuária bovina. Projetos de reflorestamento ganharam do banco menos de US$ 10 mil no mesmo período.

O avanço da pecuária é um dos vetores do desmatamento da Amazônia, primeiro, pela conversão indiscriminada de floresta para pasto e, segundo, pela abertura de novas estradas, usadas por grileiros e madeireiros ilegais para alcançarem áreas antes inacessíveis. A ação ameaça a biodiversidade e pode causar mudanças climáticas negativas em escalas regional e global.

OESP, 07/03/2007, Vida, p. A16

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