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Projeto desestrutura saneamento

FSP, Tendencia:Debates, p.A3
Autor: PERILLO, Marconi
08 de Set de 2004

Tendências/Debates
Projeto desestrutura saneamento
Marconi Perillo
Merece aplausos a iniciativa do Ministério das Cidades de colocar em discussão o anteprojeto do marco regulatório do saneamento ambiental. É urgente a regulamentação do setor. Meu governo já elaborou um completo estudo e remeteu à Assembléia um projeto sobre o marco regulatório do saneamento básico em Goiás.
O anteprojeto federal é polêmico. Dentre os muitos questionamentos, destaco o seu extremo detalhismo, a titularidade do serviço público de saneamento, o secionamento artificial das etapas do serviço, a exclusão das empresas estaduais, os consórcios municipais, o fim do subsídio cruzado e as deficientes regulação e fiscalização.
O detalhismo é inconstitucional. A Constituição dá à União o poder de instituir diretrizes para o saneamento básico, mas não o de traçar políticas e estabelecer normas operacionais. Os Estados têm o direito de legislar sobre o meio ambiente e a defesa da saúde pública, ou seja, sobre saneamento básico.
Quanto à titularidade do serviço de saneamento básico, o anteprojeto estabelece que é sempre dos municípios, desrespeitando o princípio constitucional de que, quando o interesse for comum, como nas regiões metropolitanas, o titular dos serviços é o Estado.
Ainda a questão da titularidade: as etapas do serviço de saneamento básico foram artificialmente secionadas ao se estabelecer que a distribuição da água seja da exclusiva competência dos municípios. Assim, poderia haver operadores captando, transportando e tratando água bruta, bem como coletando e tratando esgotos, sendo a distribuição feita por outro operador definido pelo município. Essa divisão será fatal para as empresas estaduais de saneamento, que não poderão cobrar tarifas dos consumidores finais da água tratada. Que garantias teriam essas empresas de que seriam remuneradas pela captação, transporte e tratamento da água bruta, bem como pela coleta e tratamento dos esgotos, justamente o que demanda mais investimento e tem custos mais elevados?
Qualquer iniciativa no campo do saneamento básico deverá ter a cooperação dos Estados
Outro aspecto preocupante do anteprojeto é que não contempla as empresas estaduais de saneamento, responsáveis pela maior parte do saneamento básico disponível. É uma temeridade, com conseqüências imprevisíveis, colocar em risco a quase totalidade das operações de saneamento básico, realizadas por essas empresas estaduais. Quanto tempo de caos seria necessário para operar uma transição dessa magnitude? Vale a pena correr tamanho risco? O bom senso indica que não.
O presidente Lula haverá de reconhecer que qualquer iniciativa no campo do saneamento básico deverá ter a cooperação dos Estados e suas empresas de saneamento.
O anteprojeto incentiva a substituição das empresas estaduais de saneamento por consórcios municipais. Na teoria, consórcios municipais para qualquer serviço público são uma boa iniciativa. Mas, na prática, isso não funcionou. O município rico não tem tradição de se associar a outro pobre, aumentando suas tarifas para viabilizar as do vizinho.
Tal tarefa tem sido possível pelo subsídio cruzado, usado pelas empresas estaduais de saneamento. O lucro nas maiores cidades cobre os custos em municípios pequenos e pobres. Querer acabar com ele no curto ou médio prazo é irrealista e inviável -sob pena de deixar a imensa maioria dos municípios sem tratamento de água e esgotos. Seria a elitização do saneamento básico. É uma temeridade desmontar a atual estrutura nacional do setor para criar outra, sem a participação dos Estados.
Mais uma polêmica do anteprojeto é a regulação e fiscalização. Hoje não há nem regulação nem fiscalização, com as empresas estaduais de saneamento se auto-regulando e autofiscalizando. É necessário pôr um fim nessa situação, com firme regulação e competente fiscalização dos operadores de saneamento básico. Em Goiás já se iniciou esse processo.Quanto ao anteprojeto federal, sua forma não é a melhor. Ele preconiza inúmeros conselhos populares municipais, encarregados de regular e fiscalizar o saneamento básico. No Brasil, os conselhos, embora sejam fóruns dos mais respeitáveis, deixam muito a desejar nas atividades regular e fiscalizar. Embora possam existir conselhos, acredito que agências reguladoras cumpririam melhor esse relevante papel.
Estou muito preocupado com o citado anteprojeto. É mais uma tentativa de enfraquecer os Estados. Se for para o Congresso como está, a grande polêmica que o cerca na sociedade forçosamente lá se manifestará, contaminando sua regular tramitação. Caso, mesmo assim, venha a se transformar em lei, com os perigos nele apontados, afirmo minha disposição de questioná-lo no Supremo Tribunal Federal, no meu compromisso de defender os interesses do povo de meu Estado e de, cada vez mais, oferecer aos goianos um saneamento básico universal e de boa qualidade.
Marconi Perillo, 41, é governador, pelo PSDB, do Estado de Goiás. Foi deputado federal (1994-1998).

FSP, 08/09/2004, p. A3

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