Destaque Amazônia n. 5, out./dez. 1996, p. 6-7
30 de Nov de 1996
Programa Rio Negro
Em maio de 1997 começou a demarcação física da área indígena do Rio Negro. A longa luta pelo direito de posse do território uniu índios e pesquisadores para a implantação de um plano de desenvolvimento para a região.
O território indígena do Rio Negro, no noroeste do Estado do Amazonas, foi reconhecido oficialmente em 1996. As cinco terras contíguas (Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I e II, Rio Téa e Rio Apapóris) somam 108.111 km2 de área, onde moram cerca de 30.000 pessoas de 21 diferentes grupos étnicos das famílias Tukano, Arwak e Maku. Uma organização não governamental, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), formada por 23 organizações de base, teve um papel fundamental na coordenação dos interesses desses grupos e na articulação com autoridades do governo brasileiro para efetivar a demarcação física das cinco terras delimitadas.
Durante todo o período de negociação para a demarcação, a FOIRN contou com o apoio de várias instituições, dentre as quais destaca-se o Instituto Socioambiental (ISA), organização não-governamental sediada em São Paulo. Trata-se de um bom exemplo de aliança entre pesquisadores e comunidades indígenas, que pode, na prática, contribuir para que essas comunidades tenham seus direitos garantidos e vida mais digna. Apenas no período de 1993 a 1996, o trabalho desenvolvido pela parceria foi da construção da sede da FOIRN e treinamento de pessoal à implementação de uma rede de comunicação e transporte e estruturação de um banco de dados que relaciona a localização e denominação de cerca de 700 povoados, com informações sobre população, grupos étnicos e línguas, formas de ocupação territorial, atuações de agências oficiais, serviços de saúde, educação e comunicação, atuação missionária e confissão religiosa.
Mas esses já são os primeiros resultados de uma longa história. Foram precisos 20 anos de luta para que o Governo Brasileiro se comprometesse em demarcar as terras dos índios do Rio Negro. O final da "novela" mostrou, afinal, quem está do lado dos índios e como a Ciência tem muito a fazer pela Amazônia.
A história de um conflito
A partir de 1989, vigorou no Alto Rio Negro o reconhecimento de apenas uma parte das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Sob protestos destes, cerca de 70% das terras foram transformadas em Florestas Nacionais, as quais permitem a exploração econômica dos recursos naturais por terceiros, dentro de seus limites. O retalhamento das terras em 14 áreas indígenas descontínuas seguiu o modelo do Conselho de Segurança Nacional, que se opunha à demarcação das áreas próximas à fronteira.
Em 1991, acolhendo as reivindicações das associações indígenas da região, o Ministério Público moveu uma ação na justiça contra a União, Funai e Ibama, pedindo o reconhecimento e demarcação de todo o território. Um ano depois, a Funai reviu sua posição e aprovou a alteração da área, mas a unificação do território do Alto Rio Negro só foi efetivada em 1996, após muitas idas e vindas da burocracia federal.
Temendo que as atividades garimpeiras se alastrassem pela região e estimulados pelo apoio que os moradores do Alto Rio Negro vinham recebendo de organismos públicos, privados e pesquisadores, os índios residentes no Médio Rio Negro criaram a Associação das Comunidades Indígenas do Baixo Rio Negro (ACIBRN), entidade que -juntamente com a FOIRN - solicitou à Procuradoria Geral da República, em 1992, o reconhecimento da Área Indígena do Médio Rio Negro, contígua à do Alto Rio Negro.
Até então, a Funai negava a existência de índios nessa região, fato comprovado por um laudo antropológico especialmente escrito por Márcio Meira, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.
O novo processo permaneceu na justiça até 1993,quando a Funai mais uma vez foi obrigada a reconhecer a legitimidade do pedido dos índios. Um Grupo de Trabalho foi formado para identificar e delimitar o território, chegando às atuais áreas que estão sendo demarcadas.
Juntamente com a demarcação do Alto Rio Negro, em 1996, as áreas do Médio Rio Negro, Rio Apapóris e Rio Téa foram reconhecidas, graças ao movimento indígena da região e ao apoio decisivo de pesquisadores e instituições diversas.
E agora?
Todos estes acontecimentos recentes colocam uma nova agenda para os índios da região. Para o ISA, se até o presente a FOIRN dedicou-se principalmente à questão do reconhecimento dos direitos territoriais, a partir de agora terá que enfrentar outras demandas, como o controle efetivo dos limites demarcados, a sobrevivência das comunidades residentes (subsistência, geração de renda), assistência de saúde e educação escolar, as relações com os militares instalados na fronteira e a pressão externa pela exploração dos recursos do subsolo.
Alguns projetos-piloto já foram iniciados em busca de alternativas econômicas na área de piscicultura e garimpagem. Mas os diagnósticos dos antropólogos que trabalham na área apontam para a urgência de respostas a questões sociais e ambientais, como a concentração demográfica em São Gabriel da Cachoeira e a produção de alimentos (os rios da região têm baixa piscosidade e apenas 30% das terras são aptas para a agricultura).
A parceria ISA/FOIRN deve implantar, em 1997, outros projetos que conciliem a proteção ambiental à satisfação das atuais demandas das populações residentes na região. Dependendo dos resultados dessas iniciativas, a FOIRN e seus colaboradores trabalharão num plano de desenvolvimento socioambiental para o conjunto da bacia do Rio Negro, cuja meta principal seja garantir a autonomia e a sustentabilidade dos territórios indígenas recentemente reconhecidos.
O Museu Goeldi no Rio Negro
É de longa data o interesse dos pesquisadores do Museu Goeldi pelos índios do Rio Negro. O primeiro registro de presença da instituição na região data de 1905, quando Theodor Koch-Grünberg, em passagem pelo Brasil, por lá viajou com o apoio do Museu. Dessa expedição deixou mais de 500 peças na instituição, que hoje constituem unia das mais importantes coleções etnográficas do mundo.
Curt Nimuendaju, na década de 20, também esteve na região. Não formou grande coleção, mas a fértil colaboração com o Museu acabou por lhe permitir a elaboração do primeiro mapa etno-histórico do Brasil, hoje depositado no Arquivo do Museu.
Nos anos 50, Eduardo Galvão iluminou os estudos antropológicos com novas abordagens. Esteve por duas vezes no Rio Negro e acabou por estimular outros pesquisadores a fazê-lo, como Adélia Rodrigues, já na década de 70. Como resultado, novas coleções e vários artigos escritos.
Antônio Maria de Souza Santos, ainda nos anos 70, realizou o único estudo existente sobre São Gabriel da Cachoeira. Nos anos 80, dentro do convênio MPEG/CNPq/ORSTOM (França), Dominique Buchillet trabalhou no Rio Negro e Márcio Meira iniciou estudos que contribuíram para a demarcação das terras indígenas.
Desde 1995, Lúcia van Velthem estuda o artesanato feminino indígena em São Gabriel e, juntamente com Márcio Meira, iniciaram um novo tipo de relacionamento com as comunidades indígenas da região por meio de assessoria à FOIRN.
Os povos do Rio Negro
Arapasso, Baniwa, Bará, Barasana, Baré, Dessano, Karapanã, Kubeo, Kuripako, Makú, Makuna, Miriti-Tapuia, Piratapuia, Siriano, Tariano, Tukano, Tuyuka, Wanano, Werekena.
Destaque Amazônia n. 5, out./dez. 1996, p. 6-7
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