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Procuradoria processa invasor de terra indígena

Correio (João Pessoa - PB)
Autor: Hilton Gouveia
21 de Abr de 1992

O Procurador Geral da República na Paraíba, Luciano Maia, dis­se que o arrendamento das terras potiguara era um benefício gozado por uma minoria, ao qual o índio não tinha acesso. Ele reafirmou isso domingo, na Aldeia São Francisco, em Baía da Traição, 77 Km ao Norte de João Pessoa, durante os festejos do Dia do Índio.
Por causa disso, os invasores irão pagar muitas aos índios de Cr$ 180 milhões, um dinheiro que o procurador garante ser administrado pela própria comunidade indígena. A lém disso, quem ainda ocupa ter­ras potiguara já sabe que irá desocupar. Enquanto isso, deve reservar 1 hectare de terras para o índio plantar culturas de subsistência, em cada 10 hectares ocupados com cana-de-açúcar.

Divergências entre líderes de aldeias marcaram as com em ora­ções do Dia do índio, domingo, na Reserva Indígena Potiguara de Baía da Traição, a 77 Km de João Pessoa. "Há mais de 500 anos se com em ora aqui o Dia do índio. Hoje, vim comunicar que já iniciamos a luta pela em emancipação indígena" , observou Lu­ciano Maia, Procurador Geral da República na Paraíba, ao par­ticipar das solenidades em home­nagem ao índio, na Aldeia São Francisco a 8 Km de Baía da Trai­ção.

A festa do Dia do índio come­çou no sábado à noite, na Aldeia Cumaru, onde a Funai e a Prefei­tura de Baía da Traição implanta­ram o serviço de energia elétri­ca, a um custo de Cr$ 16 milhões. Houve só a festa organizada por uma banda musical, sem solenida­de. O chefe do Posto da Funai no Forte do Tambá, em Baía da Traição, Marcos Santana, esque­ceu de convidar o prefeito João Pedro. A Funai adiou a inaugura­ção solene, para não "cometer uma grosseria".

No domingo, o que seria uma grande festa na Aldeia São Fran­cisco, resumiu-se a uma exibição do Toré - a dança ritual dos Poti­guara - com poucos dançarinos e escassa assistência. As divergên­cias entre líderes de aldeias apa­garam o brilho da com em oração. O cacique Raqué, da Aldeia do Galego e um dos dançarinos do Toré, ainda ameaçou ir embora. A pedido do cacique João Batis­ta Faustino, da Aldeia São Francisco, Raqué desceu do trator, participou da festa, mas fez um discurso sincero: criticou as diver­gências e disse que roupa suja se lavava em casa. "No Dia do Índio, as diferenças devem ser esquecidas, para o bem comum de uma gente sofrida" , alertou Raqué.

A festa grande não houve. Mas o Toré foi apresentado, com os poucos bailarinos que dispu­nha. No centro da roda, o "mes­tre" convocou os guerreiros pa­ra a dança, ao som melancólico de um pífano, Tonhô, músico do Toré, respondeu com um batu­que de tambor, rápido e caden­ciado. Faustino, o cacique de São Francisco, iniciou a canção. A roda de fora girou, com dançari­nos adultos. A de dentro girou em contrário, com curumins e cuyas potiguara. O Toré foi filma­do atentamente, pelo Procurador Luciano Maia.

BENEFÍCIO DE MINORIAS

Pelos cálculos do Procurador da República, o arrendamento das terras potiguara, por particu­lares, não passava de um benefí­cio de uma minoria, ao qual o ín­dio não tinha acesso. "Tinha gen­te arrendando terras do índio, recebendo o dinheiro e sem pa­gar ao índio" , disse Maia. Segun­do ele, agora a Procuradoria Ge­ral da República na Paraíba colo­cou a Funai nos carreteis e está processando os invasores. De hoje em diante, por exemplo, quem ainda tiver terras arrendadas já sabe que irá sair. E terá que conceder ao índio, dentro do arrendamento, 1 hectare de terra beneficiada, para cultu­ras de subsistÊncia, isto a cada 10 hectares ocupados com cana-de-açúcar. Por não obedecer ao Estatuto do Índio, os invasores vão pagar Cr$ 180 milhões de multas. Este dinheiro, segundo Maia, ficará à disposição do ín­dio, em conta especial. A comu­nidade indígena indicará uma co­missão ou um representante pa­ra administrar esses recursos. O dinheiro será depositado nos car­tórios da Justiça.

Luciano tam bém presenciou as divergEncias entre os líderes de aldeias. A discussão deles gi­ra em torno da legitimidade ou não da identidade indígena da lí­der do Grumin, Eliane Potiguara. O índio Francisco Siríaco, ser­vidor da UFPb em João Pessoa, garante dispor de provas de que Eliane é uma farsante". O caci­que de São Francisco, João Batis­ta Faustino, chega a defender um parentesco com Eliane, que não prova esta consaguinidaae.
O chefe do Posto da Funai, Mar­cos Santana, disse que ''vai espe­rar as investigações para se pro­nunciar".

Com suas denúncias, Siríaco levou Eliane a depor na Polícia Federal, em João Pessoa. A PF, alegando sigilo de inquérito, ainda não vivulgou o resultado das investigações. Eliane se defende, alegando que irá provar sua identidade indígena. E alega que o complô formado contra ela tem origem na política. Eliane não se dá bem com o antropólogo Franz Moonen, amigo de Siría­co, que afirma ter sido tentado por Eliane a receber suborno, "pa­ra esquecer o assunto". No meio desta confusão, o Procurador Geral da República conclamou todos à.paz. E adian­tou que sendo Eliane ou não uma potiguara com o afirma, o que interessa é que ela está inte­ressada na luta pelas causas indí­genas. Eliane, segundo Siríaco, "é a única potiguara com sota­que carioca que existe na Paraí­ba" . Ele tam bém não reconhece a identidade de Tiuré, que está no Canadá, com "uma falsa iden­tidade indígena".

POTIGUARA É CANDIDATA

Com a implantação da ener­gia elétrica na Aideia Camaru e uma ambulância que está che­gando por aí, doada pela Funai, a vida dos Potiguaras começa a melhorar. E o que admite Iracy Cassiano Soares, a Nancy, uma parteira índia candidata à Prefeitura de Baía da Traição, pelo PDS. Seu vice é outro ín­dio, Marcos Santana, atual che­fe do Posto da Funai. Nancy, que calcula já ter feito cerca de 200 partos no âmbito da Re­serva, disse que apoia sua plata­forma de trabalho no incremen­to à pesca e a agricultura. Ou­tros prefeitos esqueceram isso. "Eu vou começar por aí".

Já coligada com o PL, por gestões do vereador Marcelo, Nancy não sabe ainda em que vai dar o namoro do PDS com o PMDB, iniciado desde as pri­meiras articulações para o lasçamento de sua campanha. Ela também pensa em incrementar o artesanato indígena e purifi­car a cultura potiguara, embo­ra não descarte a possibilidade de atrair, para a Baia da Trai­ção, um grpo especializado em hotelaria. Em outras palavras, ela quer incentivo à vocação natural do município para o tu­rismo.

"Para o índio ser índio é ne­cessário um representante indí­gena para assistí-lo", observa Nancy, que também é a única mulher índia do Brasil a candidatar-se ao cargo de prefeito. Atualmente, ela é vice do pre­feito de Baía da Traição, João Pedro, de quem se desligou ide­ologicamente, poucos meses após a eleição. Também foi a vereadora mais votada em 82. Ganhou sem dinheiro e disse que em outubro enfrentará a campanha "com a cara e a cora­gem''.

No esquema eleitoral que ora surge entre índios e não-índios de Baía da Traição, há quem afirme que, se as elei­ções fossem hoje, Nancy ganha­ria disparado. Ela dispõe de forte apoio nas comunidades de pescadores e, entre os ferre­nhos adversários políticos, conquistou um para seu lado, João Batista Faustino, ex-PMDB e atual cacique da Aldeia São Francisco. Batista é vereador, em Baía da Traição. Na plata­forma de trabalho de Nancy, destaca-se a idéia de aproveitar os frutos regionais - mangaba, cajú e coco - em pequenas in­dustrias caseiras, para render divisas e geram empregos.

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