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Problema transgenico

CB, Politica, p.2
08 de Out de 2004

Problema transgênico
Mesmo com aprovação de Lei de Biossegurança no Senado, Lula deixa para o Legislativo resolver a questão do plantio de soja modificada. Roberto Rodrigues acredita que a solução virá em breve
Helayne Boaventura
Da equipe do Correio
O governo escolheu o caminho mais tortuoso para resolver a polêmica liberação de soja transgênica. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva bateu o pé e não irá editar uma medida provisória para liberar o plantio da safra de 2005. Preferiu pressionar a bancada ruralista. Vai incluir a permissão na Medida Provisória 192, empacada na Câmara por desagradar aos representantes dos agricultores. Sonha em resolver três assuntos de uma só tacada. Manter no Congresso um tema do qual o presidente Lula pretende manter-se afastado e forçar uma solução para a MP 192, necessária para destrancar a pauta da Câmara.
Isso porque o plantio da soja transgênica só será liberado se a MP for aprovada. Tarefa pela qual o governo se debate há seis meses, desde que a medida provisória chegou ao Legislativo, em agosto. A MP facilita as condições de pagamento de terras produtivas desapropriadas para a reforma agrária com a intenção de estimular proprietários a vender suas terras ao governo.
Tanto a bancada ruralista quanto o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, são intransigentes quanto aos termos da MP. Sem solução, a medida provisória está trancando a pauta da Câmara desde o dia 20 de agosto. Foi uma das principais causas do fracasso dos últimos esforços concentrados, pois impede a votação de outros projetos.
Mesmo com o imbróglio, os ruralistas aceitaram incluir a questão dos transgênicos na MP. Na tarde de quarta-feira, logo depois que a Lei de Biossegurança foi aprovada no Senado, o Palácio do Planalto fez uma consulta aos deputados ligados ao agronegócio. O líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), perguntou se poderia incluir a liberação na MP. Os ruralistas disseram sim. O projeto de Biossegurança não sairá da Câmara, para onde retornou depois de ser aprovado pelos senadores, a tempo de garantir a safra de 2005. Por isso é necessária uma MP para liberar o plantio.
Os ruralistas entenderam que, pelo menos por enquanto, Lula não cederá ao apelo para editar nova MP. O presidente não quer mais se envolver na polêmica dos transgênicos com o governo dividido. Lula se desgasta ao tentar resolver a divergência entre o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que é a favor dos transgênicos, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que é contra. Não é o ideal. Esta saída salomônica não soluciona o assunto no curto prazo. Mas nosso interesse é resolver, de um jeito ou de outro, justifica o deputado Augusto Nardes (PMDB-RS). Se fosse editada nova MP, a permissão entraria em vigor na data da publicação da medida. Ao emendar uma antiga, o plantio só será liberado quando a MP deixar o Congresso e se tornar lei.
Sem permissão
Mas nem a necessidade os levará a engolir os termos da MP 192, alertam os ruralistas. Não estamos trocando mercadorias, avisa o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO). Os agricultores estão decididos a plantar a próxima safra de soja transgênica mesmo sem permissão legal. Contam que o governo fará vistas grossas, já que têm o respaldo da votação do Senado. O plantio ocorrerá. Os agricultores só não poderão ter ajuda financeira do governo, prevê Nardes.
Para aprovar a MP, deputados do PP, PMDB, PL, PTB, PFL e PSDB exigem mudanças no texto. Querem a proibição de desapropriar terras que tenham sido invadidas dois anos antes. Para Ronaldo Caiado, é preciso evitar que o Movimento Sem-Terra invada propriedades produtivas para obrigar o proprietário a vendê-las ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O ministro Miguel Rossetto, porém, não quer nem discutir essa sugestão. Já existe uma lei com essa proibição, justifica o assessor especial de Rossetto, Fábio Pereira.
Apesar do impasse, Roberto Rodrigues estava confiante ontem. Ele acredita que o governo solucionará a questão em breve. Posso garantir aos produtores que haverá uma condição de legalidade para todos. O governo sabe disso e não vai permitir que a ilegalidade persista, avaliou o ministro.

Queda-de-braço entre governadores
A aprovação da Lei de Biossegurança no Senado não eliminou a controvérsia em relação aos temas explosivos contidos no projeto. Ontem, os governadores do Paraná, Roberto Requião (PMDB), e do Mato Grosso, Blairo Maggi, continuavam divergindo sobre a liberação do plantio de soja transgênica. Ambientalistas não desistiram também de alterar o projeto e dar mais poderes ao Ibama. Os cientistas eram os únicos que aceitaram os tímidos avanços que a lei permitirá em relação ao uso de células embrionárias.
Mesmo com a decisão do Senado de liberar, sem limite, o plantio da soja transgênica, Requião avisou que continuará proibido o embarque do produto pelo Porto de Paranaguá. Segundo ele, 99,7% da soja que chega a Paranaguá é convencional. Não tenho como misturar e dar ao conjunto da soja exportada a condição de transgênica, pagando royalties, quando ela não é, justificou. Já Maggi, maior plantador individual de soja, que encontrou-se ontem com Requião, defendeu a soja transgênica. O Brasil perdeu competitividade com a soja convencional, justificou.
Especialistas
Entre os pesquisadores também continuam as divergências em relação ao papel do Ibama. Parte dos cientistas elogiou a decisão do Senado de fortalecer a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Pelo texto do Senado, o Ibama não dará mais a palavra final, como foi aprovado na Câmara. O órgão, que integra a CTNBio, terá de recorrer da decisão da comissão a um conselho formado por 11 ministros (leia quadro). Dá uma certa tranqüilidade saber que as coisas não vão se arrastar para sempre, justificou o cientista Aluízio Borém, da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais.
Ambientalistas, por outro lado, criticaram as mudanças. Avisaram que vão pressionar os deputados a retomar o projeto original onde o Ibama tinha o poder de vetar o plantio de transgênicos. Para eles, o conselho de ministros pode se orientar mais por questões políticas do que técnicas e acabar prejudicando o meio ambiente. Não acho que seja um fórum adequado para discutir temas técnicos e científicos, avaliou o pesquisador Marcelo Menossi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Para lideranças ambientalistas, a decisão final sobre a liberação de transgênicos no meio ambiente deveria ficar com o respectivo ministério. O licenciamento ambiental deve ser obrigatório, analisou o coordenador da campanha de Engenharia Genética do Greenpeace, Ventura Barbeiro.
Só os pesquisadores não reclamaram. Apesar de ter sido proibida a clonagem terapêutica, que poderia reproduzir tecidos e órgãos para transplantes. Avaliaram como avanço a permissão de pesquisar a partir do estoque de embriões, de onde serão retiradas as células-tronco. Foi o acordo viável e está muito bom, analisou a pesquisadora Patrícia Pranke, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Posso garantir aos produtores que haverá uma condição de legalidade para todos. O governo sabe disso e não vai permitir que a ilegalidade persista
Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura

CB, 08/10/2004, p. 2

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