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Privatização de Jericoacoara e de outros três parques divide opiniões

O Globo, País, p. 16
11 de Mai de 2014

Privatização de Jericoacoara e de outros três parques divide opiniões
Governo federal busca parceria público-privada, mas é alvo de críticas de moradores

Thays Lavor
opais@oglobo.com.br

Jericoacoara (CE) - Tidos como paraísos naturais na Terra, os parques nacionais de Jericoacoara e Ubajara, no Ceará, e de Sete Cidades e Serra das Confusões, no Piauí, estão hoje imersos numa polêmica sobre possíveis privatizações. De um lado, estão aqueles que defendem uma administração mais eficiente. Do outro, os que temem que os parques percam o que têm de melhor: a paz e a beleza in natura.
No Ceará, a discussão sobre a privatização de Jericoacoara e Ubajara veio à tona há poucas semanas, depois que o governo federal anunciou que a administração das unidades de conservação passaria aos cuidados de uma empresa particular por meio de uma parceria público-privada (PPP). A ganhadora da seleção ficaria responsável não só pelo controle de acesso, mas pela arrecadação de entradas e pelo apoio à visitação. Ela também teria o direito de construir restaurantes e pousadas, o que desagrada aos moradores.
- O projeto é agressivo. Implementariam pousadas no parque e até restaurante em cima do Serrote (morro de onde se vê toda a vila), o que é algo absurdo - reclama o presidente do Conselho Comunitário, Elenildo Silva. - Controlar a entrada tudo bem, mas esses outros serviços são dispensáveis. Temos hotéis e restaurantes.
Até o momento, três reuniões foram feitas para discutir o assunto. Nelas estavam representantes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), técnicos do Ministério do Planejamento e da empresa Idom, contratada pelo governo federal para elaborar estudos sobre a área. O texto do projeto e o estudo da Idom seguem, no entanto, desconhecidos do público em geral.
Em março, Assembleia Legislativa do Ceará fez uma audiência pública e, nela, surgiu a ideia de se costurar uma parceria entre governos federal, estadual e municipal. Mas a população de Jericoacoara não acredita nessa opção.
- Há 12 anos que o parque foi criado e, nesse tempo, as coisas só pioraram. O estado constrói equipamentos como o mercado municipal, centro de artesanato, estacionamento e quadra, mas todos estão largados. O ICMbio não fiscaliza a questão ambiental. Os postos de entrada estão abandonados, temos casas e empreendimentos nas vias públicas, e licenças são concedidas de forma irregular - critica Elenildo.
Esta semana, haverá uma audiência pública na Câmara dos Deputados para debater a concessão de serviços públicos na forma de PPPs no Parque Nacional de Jericoacoara, com a presença das ministras do Meio Ambiente, Izabella Teixeira; e do Planejamento, Miriam Belchior; e o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Roberto Ricardo Vizentin.
O GLOBO passou quatro dias em Jeri e presenciou a falta de fiscalização citada. A princípio, três caminhos dão acesso ao parque, mas ele hoje é cortado por diversas trilhas. O tráfego de veículos é teoricamente vedado na vila, mas são poucos os visitantes que obedecem à regra. Em Jeri, já há engarrafamentos, cheiro de gasolina e barulho de buzinas e motores. A coleta de lixo é diária, mas essa regularidade só é respeitada nas três principais ruas da vila. Nas outras, 18 toneladas de resíduos se acumulam por dia. A especulação imobiliária também avança.
Com o metro quadrado custando cerca de R$ 2,5 mil, Jericoacoara viu a inauguração de cinco hotéis com 40 apartamentos nos últimos cinco meses. A população nativa sente como se estivesse sendo expulsa para a periferia.
- É muito barulho. Os carros não respeitam nosso espaço. Estacionam em frente à nossa casa - reclama a aposentada Isabel de Vasconcelos, de 64 anos. - Os donos de hotéis constroem além do que é permitido, e ninguém faz nada. Por isso eu quero ir embora. Quero descansar.
Coordenador do Plano de Uso Público: Trilhas de acesso ao Parque Nacional de Jericoacoara, Jeovah Meireles cita outros problemas: a perda da fauna e da flora e a aceleração do soterramento da vila.
- No plano, recomendamos medidas para evitar isso, mas ele não foi posto em execução. Hoje, esse sistema ambiental passa por um processo avançado de degradação regido pela mercantilização da natureza. É hora de a sociedade repensar o parque de Jeri.
Dois fiscais em seis mil hectares
Localizado na Serra da Ibiapaba, o Parque Nacional de Ubajara é outro do Ceará a enfrentar a polêmica da privatização. Ele existe há 55 anos e, entre seus principais atrativos, está o passeio de teleférico, que oferece uma visão panorâmica da caatinga e leva à entrada da Gruta de Ubajara - uma das maiores do Brasil. Segundo Gilson Luiz Souto Mota, responsável do ICMBio para o parque, apenas uma reunião sobre o assunto foi feita até agora porque o Conselho Consultivo do parque ainda aguarda os estudos de viabilidade encomendados à Idom.
- Aqui já temos serviço de guia, lanchonete e centro de apoio ao visitante, mantidos pela gerência da unidade. O bondinho também é uma concessão do governo do estado. Então não vai ser muito diferente com a PPP - diz ele.
No parque de 6.228 hectares, o ICMbio mantém hoje seis servidores. Dois deles são fiscais - pouco na opinião de Gilson.
- Enfrentamos aqui problemas como a caça predatória, pessoas morando no parque, desmatamento e especulação imobiliária. Então falta servidores para realizarmos todas as ações que nos cabem fazer.
De acordo com ele, a empresa que levar a concessão de Ubajara administrará o parque por 25 anos. O valor do investimento ainda é desconhecido, mas o edital deve ser lançado em novembro deste ano.
Apesar de só ter sido apresentado à população recentemente, o acordo de cooperação para a realização de PPP nos parques federais foi assinado em 2011 pelos Ministérios do Planejamento e Meio Ambiente e atende à determinação da presidente Dilma Rousseff de priorizar a gestão desses espaços em seu governo. Por uma semana, O GLOBO tentou contato com os responsáveis do ICMBio para Jericoacoara, mas não obteve sucesso. Segundo o Ministério do Planejamento, o instituto tem orçamento anual de R$ 200 milhões e gere mais de trezentas Unidades de Conservação país afora. A pasta considera o valor insuficiente para gestão adequada dessas áreas e defende a implementação da PPP.

Parceria implantada em Iguaçu servirá de modelo
Com Cataratas S.A., visitação do parque quase triplicou em 14 anos

FOZ DO IGUAÇU (PR) - A parceria entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e empresas privadas vem garantindo uma visitação de melhor qualidade e uma maior proteção ao Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná. O modelo aplicado pela concessionária Cataratas do Iguaçu S.A., responsável pela estrutura de recepção dos visitantes, deverá servir de exemplo à parcerias público-privadas (PPPs) dos parques nacionais de Jericoacoara, Ubajara, Sete Cidades e Serra das Confusões.
Entre as vantagens da PPP selada para exploração dos serviços em Iguaçu, os gestores destacam a oferta de recursos, mão de obra e estrutura para preservar 185 mil hectares. No total, estão hoje em vigor seis concessões e, através delas, são disponibilizados voos de helicóptero, aventuras de barco, incursões na selva, esportes radicais e hotel de luxo, além alimentação e recepção.
Os contratos com as concessionárias variam de dez a 20 anos e são regulamentados pelo Plano de Manejo. Paralelamente a isso, as parcerias preveem investimentos em pesquisas. É obrigatória a cessão de horas de voos de helicóptero e diárias de barco à fiscalização da reserva.
- Oferecer uma visitação de qualidade e manter os parques preservados é um grande desafio. Sem as parcerias, cuidar de uma unidade como esta, com as dimensões que tem, seria impossível - admite o diretor do parque, Jorge Pegoraro.
Desde que a Cataratas do Iguaçu S.A. começou a operar, em 2000, o número de ingressos subiu de 600 mil por ano para mais de 1,5 milhão. A unidade é segunda mais visitada do país, atrás do Parque Nacional da Tijuca, que abriga o Cristo Redentor.
- Se no começo houve alguma resistência até mesmo interna a esse modelo de parceria, isso já foi superado. As vantagens são claras, tanto que o modelo está sendo aplicado em outras unidades. Os parques que ainda não adotaram a iniciativa ou estão fechados ou tem uma visitação inexpressiva, com funcionários tendo que fazer um pouco de tudo - reforça Pegoraro.
Experiência de concessão de serviços em parques nacionais também é adotada no Peru e no Chile. Para o diretor administrativo da Cataratas do Iguaçu S.A., Celso Florêncio, é tendência.
- Parque fechado exige muito dos órgãos de proteção e do governo. Abertos podem ser canalizadores de recursos.

O Globo, 11/05/2014, País, p. 16

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