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Primeiro Yanomami reconhecido como cineasta leva cultura indígena para o mundo: 'nossa imagem defende nossa floresta'

g1 - https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/04/19
19 de Abr de 2023

Primeiro Yanomami reconhecido como cineasta leva cultura indígena para o mundo: 'nossa imagem defende nossa floresta'
No Dia dos Povos Indígenas, celebrado nesta quarta-feira (19), o g1 mostra a história e trajetória do comunicador Morzaniel Ɨramari, de 43 anos. Entre as principais obras do cineasta estão A Casa dos Espíritos (2010) e Curadores da Terra-Floresta (2014).

Por Samantha Rufino, g1 RR - Boa Vista
19/04/2023 06h00 Atualizado há uma hora

"Nossa imagem fala com os não-indígenas que estão na cidade para mostrar a realidade dos Yanomami", é como Morzaniel Ɨramari, de 43 anos, descreve a importância de seu trabalho. Ele tem mais de uma década de atuação no audiovisual e é reconhecido como primeiro cineasta do povo Yanomami.

No Dia dos Povos Indígenas, celebrado nesta quarta-feira (19), o g1 mostra a história e trajetória do comunicador. A data foi oficializada por uma lei de 1943, pelo então presidente Getúlio Vargas, durante o regime do Estado Novo e recentemente, em 2022, foi alterada para Dia dos Povos Indígenas para demonstrar a pluralidade dos povos originários.

O envolvimento de Morzaniel com o cinema iniciou na década de 90. Entre as principais obras do cineasta estão A Casa dos Espíritos (2010) e Curadores da Terra-Floresta (2014). A produção mais recente é o curta Árvore do Sonho (2023), exibido no museu The Shed, em Nova York. Além dos três filmes, Morzaniel coassina outras obras, como a tradução do curta Uma Mulher Pensando, feito por mulheres Yanomami

Ao g1, ele conta que o interesse por registrar a história do seu povo iniciou quando diversos jornalistas e cinegrafistas estiveram na comunidade Watoriki, na região do Demini, para entrevistar o xamã Davi Kopenawa. À época, em 1995, a demarcação da Terra Indígena Yanomami havia sido oficializada há três anos.

"Eu pensava muito sobre como ia aprender, onde vou conseguir uma câmera, por que eles estão tirando foto? Será que eu posso aprender também sobre como eles estão tirando foto, estão fazendo vídeo? Eu perguntava muito para esse pessoal 'será que dá para estudar?' e ele diziam: 'dá sim, você vai aprender por oficinas, você vai aprender e vai começar a fazer seu filme' e eu ai ficava 'será que eu vou aprender a mexer nessas coisas?'", relembrou.

Atualmente, Morzaniel viaja o Brasil e o mundo para exibir as produções e comenta que se sente "feliz" em ser reconhecido como o primeiro cineasta Yanomami. A formação dele aconteceu em 2010 no projeto Pontos de Cultura Indígena, além de cineasta ele é tradutor e interprete do povo Yanomami.

"Nós Yanomami falamos assim 'nossa imagem defende nossa floresta, nossa terra e nossa saúde'. A nossa imagem é a nossa vivência. Como primeiro cineasta Yanomami eu sinto alegria, porque antigamente não tinha nenhum Yanomami cineasta."

Processo de criação
A oportunidade para estudar as técnicas de cinema surgiu em 2009, quando a Hutukara Associação Yanomami (HAY), a mais representativa organização do povo, o convidou para uma oficina em São Gabriel da Cachoeira (AM).

A partir da oficina, Morzaniel iniciou a produção do primeiro filme. No entanto, ainda sem conhecer muitas técnicas de vídeo e edição. Todo o processo de montagem aconteceu com apoio dos professores da oficina, como o documentarista e antropólogo Pedro Portella.

O filme de estreia do cineasta retrata sobre a iniciação dos jovens xamãs Yanomami da região Demini. Nele, os jovens xamãs aprendem a se comunicar com os xapiripë (espíritos), alimentando-os com o rapé yakoana (comida dos espíritos).

"Quando fui em Demini e comecei a fazer vídeo, eu não tinha noção de fazer roteiro e então eu comecei a fazer vários vídeos, gravei várias imagens na aldeia e eu andava por aí. Eu trouxe material de novo em 2010 em São Gabriel da Cachoeira e comecei a fazer vídeo, montei junto com os professores. Eu comecei a fazer ali, eu não sabia mexer ainda".

Casa dos Espíritos foi vencedor do prêmio de Melhor Filme, segundo o júri popular, na Mostra Aldeia SP, em 2014. No mesmo ano, ele lançou o filme Curadores da Terra-Floresta. Na obra, Davi Kopenawa reuniu os xamãs Yanomami de diversas regiões para vão tratar os males provocados pelas cidades e doenças dos não-indígenas através de rituais xamânicos.

Inspiração
A trajetória do cineasta tem servido de inspiração para outros jovens comunicadores. Agora professor em oficinas, Morzaniel repassa os conhecimentos técnicos para somar com a sabedoria ancestral do povo Yanomami.

Em 2022, a Hutukara Associação Yanomami, em parceria com o Instituto Socioambiental e o Projeto Rumos Comunicadores Indígenas, promoveu uma oficina na comunidade em que Morzaniel e Davi Kopenawa nasceram para ensinar jovens Yanomami e Ye'kwana técnicas de filmagens, roteiro e edição.

O cineasta relembra que as produções feitas por ele despertaram a curiosidade dos jovens Yanomami, que também querem continuar no caminho da comunicação, como produtores do audiovisual e até jornalistas.

"Onde eu moro seis já estão aprendendo por mim, estão viajando, fazendo outras imagens. Eles estão seguindo, tem muito interesse em aprender. Quando eu ando nas aldeias eles perguntam 'Ei, Morza será que tem como vocês ensinar nós? A gente tem interesse também.' Eles estão filmando até celulares", comentou.

Na ocasião, os jovens escolheram abordar temas como saúde, brincadeiras das crianças Yanomami e a própria experiência na oficina. A previsão é que todos os filmes produzidos pelos comunicadores indígenas durante a oficina sejam disponibilizados em um canal da Hutukara Associação Yanomami.

Com cerca de 10 milhões de hectares distribuídos no Amazonas e em Roraima, onde fica a maior parte, a Terra Yanomami tem 371 comunidades de difícil acesso espalhadas ao longo da densa floresta amazônica. O povo Yanomami é considerado de recente contato com a população não-indígena. Além disso, no território há, ainda, indígenas isolados, sem contato ou influência externa.

Oficialmente demarcada em 25 de maio de 1992, o processo de avaliação e registro da Terra Indígena Yanomami durou quase 15 anos, o que envolveu uma longa batalha, com articulação internacional, até o governo brasileiro, à época presidido por Fernando Collor, homologar o território.

A Terra Yanomami enfrenta uma crise humanitária e sanitária sem precedentes, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa - problemas agravados pelo avanço de garimpos ilegais nos últimos quatro anos.

A invasão do garimpo predatório, além de impactar no aumento de doenças no território, causa violência, conflitos armados e devasta o meio ambiente - com o aumento do desmatamento, poluição de rios devido ao uso do mercúrio, e prejuízos para a caça e a pesca, impactando nos recursos naturais essenciais à sobrevivência dos indígenas na floresta.

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