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Presos ajudam a natureza

CB, Cidades, p.20
22 de Ago de 2005

Presos ajudam a natureza
Detentos participam de projeto para recuperar vegetação que protege mananciais de água. Eles cuidam de mudas que serão replantadas
Cecília Brandim
Revegetar áreas degradadas pode promover mais mudanças que a recuperação do meio ambiente. Com tantos córregos, ribeirões e nascentes ameaçados pela expansão urbana, o Distrito Federal depende de muitas mãos para manter seus mananciais vivos. No Jardim Botânico de Brasília, elas trabalham com a delicadeza que a tarefa de cultivar mudas nativas exige. E pertencem a homens que foram condenados à reclusão em uma das unidades do sistema penitenciário do DF por terem cometido crimes, muitos contra a vida. Eles colaboram na produção de espécies que vão fazer renascer lugares ameaçados por danos contra a natureza.
A primeira turma de detentos do projeto encerra hoje uma jornada de 35 dias, dedicada ao aprendizado sobre o cultivo de mudas. O resultado são pouco mais de mil jenipapos, copaíbas, ipês, oitis, buritis, mognos, cerejeiras, cedros, entre outros tipos, cuidadosamente mantidos no viveiro do Jardim Botânico. Depois de cumprirem os tempos de germinação, darão lugar às arvores retiradas das matas de galeria – vegetação que protege os mananciais – de diversos pontos do DF.
O destino do plantio provavelmente não será visto por A.A.S, 26 anos, ex-caixa de loteria, preso por homicídio há três anos. Ele promete dedicar-se à atividade que aprendeu no último mês para poder ajudar nas despesas domésticas, depois que deixar a carceragem. Casado, pai de três crianças, ele diz que mudou de vida. É uma profissão legal, que sempre gostei. Quando era pequeno, trabalhava na roça com meu pai”, ressalta.
O jovem foi condenado a 15 anos de detenção, período que tem conseguido reduzir participando de atividades especiais. Pelo tempo passado no viveiro de mudas, ganhou uma redução de dez dias. Mas a experiência em meio ao som dos passarinhos, cercado pelo verde, valeu mais. Respirar ar puro e mexer com a terra é muito bom”, comenta. Na prisão a gente não vê o céu direito, não sente o vento, não sabe o que é natureza”, emenda A.S.S.C, 33 anos, ex-vigilante noturno. Preso também por homicídio, ele descobriu no trato com as plantas uma fuga. Foi um alívio sair daquele lugar (a cadeia), onde a gente se torna uma cascavel.”
Mutirão
O projeto é fruto de uma parceria entre a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), Sistema Integrado de Vigilância, Preservação e Conservação de Mananciais do DF (Siv-Água) e o Jardim Botânico. Além da reabilitação dos detentos, a idéia é resolver o problema da escassez de mudas no DF. Com poucos fornecedores, o Siv-Água tem dificuldades para ampliar as ações de revegetação. Salvar as matas que rodeiam córregos e rios melhora a qualidade da água consumida e aumenta o volume.
Este ano, o órgão iniciou um mutirão nos mananciais que compõem a bacia do Paranoá, que abastece algumas cidades do DF. Seis mil mudas foram plantadas nas margens dos córregos Samambaia, Vicente Pires, Arniqueiras e Vereda da Cruz na última temporada de chuvas. A proximidade com loteamentos urbanos, como os condomínios de Vicente Pires ou as invasões das colônias agrícolas próximas às águas ameaça o desenvolvimento das espécies. As pessoas arrancam de 10% a 15% do que é plantado e nós temos de refazer o trabalho”, lamenta o gerente de reflorestamento do Siv-Água, Elino Alves de Moraes.
Ameaça
Em Santa Maria, um dos principais córregos da região esteve a ponto de sumir. O Ministério Público do DF firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com três cascalheiras que estavam assoreando o Ribeirão Santa Maria. Foi o compromisso de revegetar e a união dos moradores com especialistas da Universidade de Brasília (UnB) que mudou o perfil do ribeirão.
Mais de mil mudas nativas mudaram o cenário de degradação que em diversos pontos fez o curso d´água desaparecer. O auxiliar de serviços gerais Dalvino Pereira dos Santos, 61, que participou da iniciativa, diz que um ano após o início do trabalho, os resultados são visíveis. Não está 100%, mas a água começou a evoluir. O córrego já não é mais um canalzinho como antes”, diz.
Dalvino é um dos integrantes do Conselho de Meio Ambiente de Santa Maria. A estimativa é que 30% do fluxo do ribeirão tenham aumentado. Até o grupo começar a agir, 70% do volume original tinham sido perdidos. É uma questão de bom senso cuidar disso. O abastecimento de muita gente depende daquela água”, observa.
Outro exemplo das conseqüências do trabalho de recuperação da natureza é o trabalho que tem sido realizado no Ribeirão do Gama há uma década. Desde 1995, foram plantadas 15 mil mudas ao longo das margens do manancial que é responsável por um terço do volume de água do Lago Paranoá. A preservação é feita por meio do projeto Recuperação e Gestão Participativa na Área de Proteção Ambiental Gama Cabeça de Veado. Mas o restabelecimento completo do local ainda pode levar outra década, segundo especialistas.
Dano
Cerca de 15% das mudas replantadas em condomínios são arrancadas pelo moradores

CB, 22/08/2005, p. 20

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