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Presidente francês discute internacionalização da Amazônia

O Globo, Sociedade, p. 24
27 de Ago de 2019

Presidente francês discute internacionalização da Amazônia
Presidente francês afirmou que debate sobre a situação jurídica da floresta está 'em aberto', irritando governo Bolsonaro

Cesar Baima, Renato Grandelle e Fernando Eichenberg*

Na escalada de tensões entre os presidentes Jair Bolsonaro e Emmanuel Macron , o mandatário francês afirmou nesta segunda-feira, em entrevista coletiva no último dia do encontro do G7, que está "em aberto" o debate sobre a internacionalização jurídica da floresta .

- Associações, ONGs e também certos atores jurídicos internacionais levantaram a questão de saber se é possível definir um status internacional da Amazônia - assinalou Macron. - Não é o caso de nossa iniciativa, hoje, mas é um verdadeiro caso que se coloca se um Estado soberano tomasse de maneira clara e concreta medidas que se opõem ao interesse de todo o planeta. Há todo um trabalho jurídico e político a ser feito.

O pronunciamento do presidente francês também gerou dúvidas. Macron usou a palavra "statut", que pode significar "status" ou "estatuto", o que mudaria o modo como o governante enxerga um eventual futuro da Amazônia. A interpretação predominante foi que Macron tenha aventado a possibilidade de que a floresta seja administrada a partir de um marco regulatório.

- Creio poder dizer que as conversas que o presidente (chileno) Sebastián Piñera teve com o presidente Jair Bolsonaro não vão nesse sentido. Acredito que ele tem consciência dessa importância (...). É um tema que permanece em aberto e continuará a prosperar nos próximos meses e anos. A importância é tão grande no plano climático que não se pode dizer que "é apenas o meu problema".

Macron acrescentou que a ajuda prometida por países do G7 virá respeitando a soberania dos nove países amazônicos, mas construindo uma governança que inclua diferentes atores.

- Devemos construir uma iniciativa que permitirá reflorestar a Amazônia , mas que seja respeitosa da soberania de cada um, do papel das regiões - defendeu. - A Guiana Francesa será plenamente associada dos estados do Brasil, dos povos nativos. São os que fazem viver essa floresta há milênios, e que não podem ser excluídos dessa transição. É preciso encontrar a boa governança.

As declarações de Macron provocaram ira no governo brasileiro , mas os países vizinhos adotaram estratégia diferente - enquanto Bolsonaro coleciona embates diplomáticos, nações como Chile e Colômbia pregam um pacto global a favor da floresta. Ambos querem levar o debate para a Assembleia-Geral da ONU, em setembro.

Além da Colômbia, outros países amazônicos, entre eles Bolívia, Equador e Venezuela, dispuseram recursos para o Brasil, como brigadas de incêndio.

O porta-voz do governo brasileiro, Otávio do Rêgo Barros, descartou o debate sobre a internacionalização jurídica da floresta.

- Sobre a Amazônia brasileira falam o Brasil, as suas Forças Armadas e, mais do que o Brasil e suas Forças Armadas, a sua sociedade, que são suas forças armadas não fardadas - ressaltou, na saída de uma reunião com Bolsonaro no Ministério da Defesa.

'Não tem cabimento'
Para José Botafogo Gonçalves, ex-embaixador do Brasil em Buenos Aires, Macron foi muito vago ao levantar a ideia de internacionalização da floresta, que ele classifica como "tão estapafúrdia" quanto a recente intenção do presidente dos EUA, Donald Trump, em comprar a Groenlândia da Dinamarca .

Segundo Gonçalves, considerar que a Amazônia é um bem de toda a Humanidade de que o Brasil não está cuidando devidamente - e, por isso, deveria estar sob gestão internacional - não é motivação suficiente para uma intervenção.

- Não tem cabimento um país abrir mão de sua soberania sobre um território - ponderou. - Pode até haver uma ajuda financeira internacional para a preservação da floresta, mas não há uma justificativa real e não faz sentido criar um órgão internacional para sua gestão.

Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Relações Internacionais da ESPM, Gunther Rudzit avaliou que Macron tenta provocar discussões sobre a Amazônia para reverter a imagem negativa de sua política doméstica .

- É uma mistura de nacionalismo e protecionismo, porque também devemos considerar que o Mercosul e a União Europeia estão prestes a assinar um acordo comercial, e o setor agrícola francês não quer a concorrência forte do agronegócio brasileiro - explicou. - Há muito tempo não víamos o Brasil envolvido em uma crise diplomática como esta, mas Macron sabe que o debate sobre o status da Amazônia jamais prosperaria, por exemplo, no Conselho de Segurança da ONU.

Mais tarde, em entrevista ao canal France 2, Macron ressaltou que respeita a soberania do Brasil.

- Quero ser perfeitamente claro. Respeitamos a sua soberania, é o seu país, é o Brasil. Mas o tema da Floresta Amazônica diz respeito ao mundo inteiro, então podemos ajudar a reflorestá-la. Podemos encontrar os meios econômicos para desenvolvê-la que respeitem o seu equilíbrio - afirmou Macron na entrevista.

O líder indígena Raoni, que visitou o presidente francês em maio, reuniu-se novamente com ele ontem e acusou Bolsonaro de "incitar agricultores e empresas mineradoras a incendiarem a Amazônia".

(Colaboraram Jussara Soares e Daniel Gullino)
* Especial para O GLOBO

O Globo, 27/08/2019, Sociedade, p. 24

https://oglobo.globo.com/sociedade/presidente-frances-discute-internaci…

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