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A presidente do Conselho Escolar Indígena, a pareci Francisca Novantino, que se diz preocupada com projetos turísticos

Diário Catarinense-Florianópolis-SC
Autor: CARLA PIMENTEL
18 de Fev de 2002

Terra. A palavra tem sentidos diferentes para brancos e índios. A cultura que chegou junto com as caravelas e espalhou-se do Oiapoque ao Chuí a enxerga como propriedade individual e transferível. Para os índios, é o lugar da sobrevivência, é onde frutifica a cultura e onde está o sagrado: sem paredes, a igreja indígena esparrama-se pelo solo que sustenta os passos de diferentes povos.

Apesar disso, a solução da questão da terra indígena no Brasil completa dez anos de atraso. O governo federal prometeu que o problema seria equacionado em 1993 - e essa promessa foi feita por escrito, no texto da Constituição. No entanto, as pendências continuam em várias partes do país, fazendo eclodir conflitos entre índios e brancos. Inclusive em Mato Grosso.

Segundo o coordenador geral de Direitos Indígenas da Funai, Marcos Terena, não faltam exemplos para ilustrarem este problema. Ele cita o caso dos macuxis, em Roraima: "Políticos locais querem demarcar as terras por aldeia, enquanto os índios reivindicam uma área contínua".

Mas há outros impasses. No vizinho Mato Grosso do Sul, os guaranis estão favelizados. Terena faz questão de lembrar que eles foram os primeiros a ajudar os católicos em território brasileiro, auxiliando as atividades do padre Anchieta. Onde antes eram suas terras, há hoje estradas, fazendas, pequenas cidades que não param de surgir - além de hectares e hectares de soja. O resultado é que o povo, espremido dentro desse modelo, tende ao suicídio.

Em Mato Grosso, há exemplos que engordam esta lista. Os terenas, segundo o coordenador geral, experimentaram um processo diferente em relação a outras partes do país, tendo em vista que se uniram a bororos, um povo com costumes diferentes dos seus. Agricultores e criadores por tradição, os terenas iniciaram uma peregrinação em busca de áreas de plantio, já que não há mais como voltar para Mato Grosso do Sul, a região de origem. Essa busca culminou com o fechamento de rodovias para chamar a atenção de autoridades e, pelo visto, a estratégia deu certo: o processo para desapropriação e demarcação de uma área saiu da estagnação em Brasília (ver matéria nesta página).

OUTRAS PENDÊNCIAS - A antropóloga Maria Fátima Roberto Machado relembra outros casos em que a posse da terra continua sendo uma questão não resolvida. Ela cita os parecis no norte de Diamantino, às voltas com conflitos com fazendeiros, e os kaiabis, que pleiteiam a retomada da área original da etnia, no município de Tabaporã. A antropóloga acrescenta que a posse da terra já foi a principal questão a ser discutida entre índios e autoridades - mas não é mais.

É o que acontece no Xingu: o xis na questão não é a área indígena, mas o que está em volta dela. Segundo André Villas Boas, coordenador do Programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA), o parque transformou-se em uma ilha verde em um mar de devastação. Há tempos o carimbo do governo sacramentou o direito dos povos sobre a área, mas no entorno estão as cabeceiras dos rios. "O parque vira um 'ralo' para onde cai tudo o que está lá fora", descreve.

Segundo seus cálculos, cerca de 30% do entorno da área indígena está desmatado. Portanto, os índios do Xingu já não estão mais preocupados com a posse de suas terras, mas com o que acontece além da linha imaginária da demarcação. As discussões feitas no corpo da associação que congrega as etnias que lá habitam agora concentram-se em outros temas - planos de manejo nas proximidades do parque, desmatamentos e queimadas no entorno ou o que fazer com as pousadas pesqueiras.

"Recursos naturais são uma necessidade, e os índios estão mobilizados em busca de saídas, para não ir ao encontro de interesses predatórios que batem à porta do parque", afirma Villas Boas. Ele acrescenta que o Programa Xingu contribui nessa busca, através de ações como o projeto de proteção e fiscalização da área, estudos de alternativas econômicas, oferta de educação bilingüe e capacitação dos associados - para que aprendam a gerir a área de forma autônoma.

Existe de tudo um pouco em Mato Grosso - inclusive problemas de terras já equacionados. O administrador da Funai em Colíder, Megaron Txucarramãe, garante que a área Kapoto/Jarina - em Peixoto de Azevedo - não há problemas territoriais de qualquer espécie: o espaço está demarcado, e os caiapós que lá vivem não enfrentam invasões de garimpeiros ou madeireiros.

A questão territorial passa ainda por outros pontos. E um deles é o turismo: a presidente do Conselho Escolar Indígena, a pareci Francisca Novantino, vê com preocupação o desenvolvimento de projetos de visitação turística em áreas indígenas, como vem acontecendo em Tangará da Serra. "Isso é pura invasão", opina. E indaga: "Se os brancos não conseguem manter uma situação saudável em suas próprias áreas de preservação, imagine o que pode acontecer em reservas indígenas".

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