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Presidente da Funai aprova estudos da TI Deni

Diário Oficial da União
Autor: Presidente da Funai - MJ
21 de Fev de 2001

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO
DESPACHO DO PRESIDENTE (*)
Em 19 de fevereiro de 2001

No 18 -Assunto: Processo FUNAI/BSB/0083/01. Referência: Terra Indígena DENI. Interessado: Grupo Indígena Deni. EMENTA: Aprova o relatório circunstanciado de identificação e delimitação da Terra Indígena em que se refere, com fulcro no Decreto no 1.775, de 8 de janeiro de 1996.
O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, tendo em vista o que consta no Processo FUNAI/BSB/0083/01, e considerando o Resumo do Relatório de Identificação, de autoria do antropólogo RODRIGO PADUA RODRIGUES CHAVES que acolhe, face as razões e justificativas apresentadas, decide:
1. Aprovar as conclusões objeto do citado resumo para afinal, reconhecer os estudos de identificação da Terra Indígena DENI, de ocupação do respectivo grupo tribal Deni, com superfície e perímetro aprovados de 1.530.000 hectares e 915 km respectivamente, localizada nos municípios de Itamarati e Tapauá, Estado do Amazonas.
2. Determinar a publicação no Diário Oficial da União e Diário Oficial do Estado do Amazonas, do Resumo do Relatório Circunstanciado, Memorial Descritivo, Mapa e Despacho, na conformidade do § 7o do art. 2o do Decreto no 1.775/96.
3. Determinar que a publicação referida no item acima, seja afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.
GLENIO DA COSTA ALVAREZ
RESUMO DO RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO
DA TERRA INDÍGENA DENI
Referência: Processo FUNAI/BSB/083/2001. Terra Indígena: Deni. Localização: Municípios de Itamarati e Tapauá, Estado do Amazonas. Superfície: 1.530.000 ha. Perímetro: 915 km. Sociedade Indígena: Deni. Família Lingüística: Arawá. População: 666 pessoas (l999). Identificação e Delimitação: Grupo Técnico constituído pelas Portarias no 1.028/PRES, de 06 de novembro de 1998, e no 126/PRES, de 01 de março de 1999, coordenado pelo antropólogo Rodrigo Padua Rodrigues Chaves.
APRESENTAÇÃO
As primeiras intervenções do Estado que objetivavam a regularização fundiária da Terra Indígena Deni e demais terras indígenas das bacias dos rios Juruá-Purus datam da década de 1930. O auxiliar do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), José Santana Barros, participou da viagem de inspeção ao rio Tapauá e seus afluentes entre 18 de março e 24 de abril de 1930. Apresentou relatório de viagem, no qual cita e discorre sobre diversas etnias que habitavam a região. À essa primeira tentativa seguiram-se outras expedições do SPI na década de 1940. Infelizmente, nenhuma proposta de regularização das terras indígenas da região foi apresentada.
Muitos anos depois, através da portaria n.o 1813/E, de 07/01/85, foi criado grupo técnico (G.T.) para proceder os estudos de identificação e levantamento ocupacional visando a definição dos limites da Área Indígena Deni. O relatório antropológico, de responsabilidade da pesquisadora Therezinha de Barcellos Baumann, nunca foi apresentado. Desse G.T., foram produzidos apenas o mapa e o memorial descritivo de delimitação e uma informação de duas páginas sobre o número de ocupantes não-índios e população Deni aproximada. A Área Indígena Deni foi definida com superfície de 998.400 ha e perímetro de 750 Km.
Em 21/01/1992, a Comissão Especial de Análise (CEA), criada pela FUNAI objetivando aproveitar os trabalhos anteriores ao decreto n.o 22/91 e adequa-los às novas exigências, credenciou os indigenistas do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Gunter Kroemer e Terezinha Weber para averiguar a possibilidade de anuência aos limites definidos em 1985. O procedimento de anuência ocorreu no dia 05 de junho de 1992 na aldeia Kumarú, ocasião na qual os índios manifestaram seu desacordo com a proposta, pois a área delimitada não contemplava a totalidade das terras tradicionalmente ocupadas por eles, fazendo-se necessários novos estudos de identificação e delimitação.
Em 1995, uma equipe de saúde da FUNAI se deslocou ao rio Xeruã para vacinar e dar tratamento de saúde aos índios, que ainda se recuperavam do devastador surto de sarampo de 1992. O antropólogo Eduardo Vieira Barnes acompanhava a equipe, pois fora contratado para prestar serviços de consultoria para realização de estudos etnológicos com o objetivo de identificar e delimitar a Terra Indígena Deni, conforme extrato de contrato n.o 031/95, publicado no DOU de 03/07/1995. Entretanto, após seu retorno a Brasília, o antropólogo solicitou rescisão do contrato. Em novembro de 1996, a rescisão do contrato foi publicada no DOU. Não houve nenhuma proposta de encaminhamento para a questão fundiária Deni resultante desse contrato.
Os estudos e levantamentos referentes à Identificação e Delimitação da Terra Indígena Deni, dos quais resultou o relatório ora resumido, foram determinados pelas portarias n.o 1.028/PRES/98, e n.o 126/PRES/99, alteradas pelas portarias no 33/PRES, de 31 de janeiro de 2000 e no 317/PRES, de 11 de maio de 2000.
O grupo técnico de identificação e delimitação (G.T.) contou com a participação de técnicos do antigo IFAM (Instituto Fundiário do Amazonas), da SUHAB (Superintendência de Urbanização, Habitação e Assuntos Fundiários do Estado do Amazonas), da Universidade do Amazonas, além dos técnicos da FUNAI - Administração Executiva Regional de Manaus. O trabalho de campo foi realizado em duas etapas: de 23 de novembro de 1998 a 05 de janeiro de 1999 e de 10 de abril de 1999 a 28 de maio de 1999, totalizando 93 dias.
Na parte norte a terra indígena faz limite com uma área que pertencia à madeireira Moraes e foi vendida para a madeireira asiática WTK, que pretende explorar a região. Grande parte das terras de propriedade da serraria Moraes, do Sr. Mário Moraes, e da madeireira WTK são incidentes na Terra Indígena Deni.
A identificação e delimitação dessa terra indígena é fruto dos estudos e levantamentos realizados juntamente com a comunidade Deni em cumprimento ao determinado pelas portarias de constituição do grupo técnico, obedecendo ao disposto no artigo 231 da Constituição Federal, Lei 6.001/73, Decreto n.o 1.775/96 e Portaria n.o 239/PRES/91, a seguir apresentados nos termos da Portaria 14/MJ/96.
I PARTE - DADOS GERAIS
Os Deni habitam uma extensa região compreendida entre os rios Juruá e Purus, nos municípios de Itamarati e Tapauá, Estado do Amazonas. Os estudos e levantamentos realizados pelos técnicos do G.T. com a participação dos Deni levaram à configuração de uma área de ocupação tradicional dessa sociedade indígena cuja superfície aproximada é de 1.530.000 ha.
A língua Deni pertence à família lingüística Arawá. Poucos estudos existem sobre essa família lingüística, que inclui, além dos Deni, os Paumari, Jamamadi, Banawá Yafi, Jarawara, Kulina e Suruwahá, sendo todas essas etnias habitantes da área etnográfica do Juruá-Purus (MELATTI, J.C. 1998. Índios da América do Sul Áreas Etnográficas vol. C. Brasília: UnB-ICS-DAN). Segundo o lingüista Aryon Rodrigues, as línguas da família Arawá são muito semelhantes entre si, sendo a língua Paumari um pouco diferenciada das demais (RODRIGUES, Aryon Dall'Igna. 1986. Línguas Brasileiras - Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, p. 71). Dixon denomina Madi à língua falada pelos Jarawara, Jamamadi e Banawá, pois afirma que são mutuamente inteligíveis e partilham o vocabulário em 95%. Segundo ele, Madi tem forte semelhança gramatical e lexical com as línguas Deni e Kulina (DIXON, R. M. W. 1999. "Arawá". In: DIXON, R. M. W., AIKHENVALD, Alexander Y. (eds.). The Amazonian languages. Cambridge: Cambridge University Press, p. 292-306).
Os índios Deni do rio Xeruã se autodenominam "Jamamadi-Deni", enquanto os Deni do rio Cuniuá se autodenominam "Madihá-Deni". Tal diferenciação é resultado da influência exercida pela missão Novas Tribos do Brasil, que atua na região do rio Cuniuá desde 1982.
Em maio de 1999, constatamos que 666 índios habitavam a terra indígena em 116 residências distribuídas por 09 aldeias. Para fins de análise, dividir-se-á a terra indígena em duas porções: a Ocidental e a Oriental. Na porção ocidental existem 04 aldeias, situadas no rio Xeruã e em alguns de seus afluentes. São elas: Terra Nova, Morada Nova, Buzina e Itaúba. O Xeruã é afluente do rio Juruá. Na porção oriental existem 05 aldeias, todas situadas à margem do rio Cuniuá, afluente do rio Purus: Cidadezinha, Madú Sikuri, Marrecão, Visagem e Kumarú Novo.
Não há ligação fluvial entre o Xeruã e o Cuniuá; via terrestre existe um varadouro (caminho pela mata) que liga a aldeia Itaúba à aldeia Kumarú Novo. A viagem dura em média 03 dias. Para as outras aldeias, a viagem pode se estender por uma ou duas semanas. Existem diversos varadouros que interligam as aldeias e locais de caça, coleta e pesca.
O histórico de ocupação da terra indígena pelos índios Deni indica que a média de ocupação de uma aldeia geralmente não excede 05 anos. Vários fatores determinam a desocupação de uma aldeia. Um dos principais refere-se às doenças levadas pelos "brancos" e que ocasionaram altas taxas de mortalidade, como a tuberculose, o sarampo e a pneumonia, dentre outras. As epidemias implicam no abandono da aldeia e na dispersão dos sobreviventes.
Sahavi, patarahú da aldeia Morada Nova, relata os primeiros contatos com os brancos: "antigamente não tem branco, só índio. Depois branco entrou aí...teve sarampo, teve catapora, teve gripe. Mas antigamente não sabia, quem pegava catarro morre, não tinha remédio, morre, morre, morre. Aí o resto vai correndo, espalhando, pra onde fica não tem. Quando ele pega doença, ele morre, antigamente vai ficar muito longe pra não pegar gripe. Morreram, mataram, morreram, morreram, morreram, morreram. Vai pra cima de novo, mais pra cima, os brancos também vão atrás. Por isso diminuiu Deni, por causa de doença. Agora está aumentando de novo."
Outro fator diz respeito à disponibilidade de recursos para a subsistência da população da aldeia, pois os Deni são exímios caçadores e a caça é uma atividade altamente valorizada entre eles. Após alguns anos morando no mesmo local, a caça fica escassa levando os caçadores a gastar cada vez mais tempo e energia para conseguir cada vez menos carne. Isto os influencia na mudança para um local de maior disponibilidade de recursos, tanto caça como pesca e coleta. Existem exceções, como a aldeia Marrecão, que tem mais de dez anos de existência. Isso se deve à presença de missionários da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que mantêm uma pista de pouso no local. Porém, existe um alto grau de insatisfação entre os índios, pois quase não há mais caça ou peixe em um grande raio a partir da aldeia. Um pequeno grupo, inclusive, abandonou a aldeia Marrecão e criou uma nova aldeia, Madú Sikuri, em local privilegiado em termos de caça e pesca.
II PARTE - HABITAÇÃO PERMANENTE
Em maio de 1999, existiam 09 aldeias Deni, totalizando 666 pessoas. Na região Ocidental, apenas a aldeia Itaúba situava-se à beira do Xeruã. As aldeias Morada Nova e Buzina situam-se no igarapé Cujubim, também conhecido por Caramuru. A população da aldeia Terra Nova, localizada no igarapé Rezemã, encontrava-se dispersa em outras aldeias, pois não haviam plantado roça e sua provisão de farinha de mandioca havia acabado. Os índios da aldeia Buzina que pretendiam se mudar para a beira do rio Xeruã, concretizaram a mudança no início do ano 2000.
A mudança de localização das aldeias Deni depende de vários fatores, como o plantio de roças na futura localização. Em geral, a mudança definitiva ocorre 01 ano após o início dos procedimentos iniciais.
Na região Oriental, todas as aldeias situam-se na bacia do rio Cuniuá, sendo que 4 delas estão localizadas à margem do próprio rio. Apenas a aldeia Madú Sikuri situa-se à margem de um pequeno igarapé, afluente da margem direita do rio Cuniuá. A aldeia Kumarú Novo situava-se na confluência do igarapé do Índio com o rio Cuniuá. Em 2000, desceram o rio até sua confluência com o igarapé Samaúma e estabeleceram uma nova aldeia no local. A aldeia Marrecão se divide em duas: algumas famílias habitam à margem direita do rio Cuniuá, enquanto as demais habitam próximo à pista de pouso, alguns minutos à pé da beira do rio. As aldeias Cidadezinha e Visagem situam-se à margem direita do rio Cuniuá pois, segundo os índios, a localização facilita o comércio com os regatões.
As casas Deni, em geral, não possuem paredes, sendo construídas a uma altura que varia entre 1,5 e 3 metros do chão para evitar a presença de animais. Os esteios e a base da casa são feitos com madeiras resistentes, como o jatobá, matá-matá, acapú, acariquara, dentre outras. O assoalho é construído com troncos de paxiúba e a cobertura é feita com folhas de caranaí, as quais são trançadas sobre tiras do tronco de paxiúba. As casas Deni têm duração média de 03 anos. A cozinha geralmente está localizada junto à construção principal ou anexa a esta.
III PARTE - ATIVIDADES PRODUTIVAS
Os Deni encontram na floresta a maioria dos alimentos que necessitam para sua subsistência. A mobilidade é condição fundamental para sua sobrevivência.
a) Caça
A atividade de caça ocupa um lugar de destaque entre as atividades produtivas desenvolvidas pelos Deni. É uma atividade tipicamente masculina, sendo altamente valorizada pelo grupo.
Durante o trabalho de campo, foram registradas 68 caçadas: 28 no Xeruã e 40 no Cuniuá, com sucesso em 73,8% delas. As caçadas foram realizadas, na maioria das vezes, por um único caçador e com auxílio de cães para rastear, perseguir e acuar a caça, que era então abatida com facas ou porretes. Esta técnica é a normalmente utilizada para caçar caititus, pacas e outros animais menores.
As caçadas são realizadas basicamente de duas maneiras: seguindo as trilhas na mata, procurando avistar os animais ou sinais dos mesmos. Bandos de queixadas, que podem chegar a conter mais de 300 indivíduos, deixam trilhas conspícuas na mata com sua passagem e são denominadas Rizama Raviné. Caititus, antas e veados também deixam rastros, que podem ser seguidos por um dia inteiro. Neste tipo de caçada, os cães são de fundamental importância, pois rasteiam e acuam a caça; e a outra maneira é caçar nos barreiros, que são pontos alagadiços específicos constantemente visitados por uma grande variedade de animais, que deixam o solo totalmente removido e, na sua maior parte, nu. Na maioria das vezes, os barreiros estão associados às cabeceiras de igarapés. Os barreiros (denominados Atá) existentes no território Deni são elementos de importância fundamental. Suas localizações e características são transmitidas de geração para geração de maneira que, quando os Deni decidem se estabelecer em um novo local, levam em conta a acessibilidade aos barreiros da região. A partir da nova aldeia, os índios estabelecem novas trilhas, modificando e aperfeiçoando a rede de varadouros e os caminhos existentes na floresta e entre as ilhas de recursos, que incluem tanto os barreiros como os pontos de coleta de outros recursos, como antigos roçados, açaizais, patauazais, buritizais.
A presença de palmeiras é um dos fatores para a atração dos animais, que vão comer seus frutos. Desta forma, a escolha de determinado barreiro para a execução de uma caçada pode ocorrer em função da época de frutificação das palmeiras. A época da cheia, quando a água está no seu nível mais alto ou próximo deste ponto, pode significar a diminuição na disponibilidade de barreiros para as atividades de caça nestes locais, pois alguns deles ficam alagados.
Em todas as aldeias visitadas constatamos que os índios criam vários animais silvestres, como os macacos barrigudo, guariba e prego, jacamim, jacú, jabuti e na aldeia Cidadezinha criam 2 queixadas em um chiqueiro. Além dos animais silvestres, criam também animais domésticos: cachorros, patos, galinhas e porcos.
b) Pesca
Assim como a caça, a atividade de pesca também ocupa lugar destacado na obtenção dos produtos que compõem a dieta alimentar dos índios Deni. Trata-se de uma importante fonte protéica, sobretudo durante o verão amazônico, quando o peixe se torna mais abundante.
A pesca é uma atividade diversificada e envolve o emprego de várias técnicas: o arco e flecha, o veneno de peixes vekamá, a linha e o anzol. As pescarias longas, que demandam vários dias de viagem e a construção de acampamentos, são realizadas somente pelos homens e rapazes maiores. As pescarias com veneno envolvem toda a comunidade, desde a colheita das folhas de Vekamá, a preparação do veneno e a pescaria até o preparo do pescado.
A pesca também é variada em relação ao tipo de ambiente em que ela é praticada. Todos os ambientes aquáticos da terra indígena são utilizados para pescarias. Segundo o biólogo Juarez Pezzuti, "lagos (Kurizá), ressacas, canos, a própria calha principal dos rios e a floresta alagada ou igapó, todos são explorados para a obtenção de peixes e quelônios. A variação sazonal no nível da água influencia decisivamente na distribuição da fauna aquática e, conseqüentemente, nos locais onde a pesca acontece em cada período do ano. Quando a água está no seu nível mais baixo, os peixes estão concentrados nos corpos de água remanescentes, o que facilita a atividade. Na medida em que a água sobe, os peixes vão invadindo habitats novamente disponíveis na floresta alagada à procura de alimento e os pescadores acompanham este movimento selecionando novos pesqueiros. Esta dispersão aumenta a dificuldade de obtenção de pescado, tanto na terra indígena como na bacia amazônica de uma maneira geral. A cheia é o período de escassez.
(...) Devemos considerar que os Deni deslocam-se periodicamente, e os locais próximos dos antigos assentamentos já foram explorados da mesma forma como os locais próximos dos assentamentos atuais. Assim, podemos diagnosticar um sistema de manejo de "rodízio", que permite a recuperação da fauna aquática depois de um período de pesca mais intenso, quando as aldeias são deslocadas.
A técnica de pescaria com anzol foi aprendida com o branco. Possivelmente a maior parte da proteína animal consumida pelos Deni é obtida através da pesca de anzol iscado com minhocas (Sumi), cuja utilização também foi aprendida com brancos.
Além de anzóis iscados com peixes e minhocas, observamos a utilização de alguns frutos como isca, como o Araçá. Alguns frutos recebem nomes de acordo com o nome do peixe que costuma se alimentar daquele fruto, ou seja, os índios percebem relações que são específicas, e então se utilizam de determinados frutos como isca para certos peixes.
Podemos observar que, quanto ao número de indivíduos, a pesca com anzol proporciona maior rendimento. Por outro lado, a pesca com flecha é seletiva, com o pescador capturando peixes selecionados visualmente, e tanto os indivíduos como as espécies capturadas são maiores (...). Durante o verão, os dois métodos têm seu rendimento aumentado em função da maior concentração de peixes" (PEZZUTI, Juarez Carlos Brito. 1999. "Relatório de levantamento ambiental da Terra Indígena Deni." Manaus: U.A. Mimeo. 51 p. -Processo FUNAI/BSB/083/2001).
O veneno vekamá também é utilizado para pescar piau, de forma bastante engenhosa. Os índios misturam o veneno com as larvas de uma espécie de caba (vespa) e um pouco de farinha de mandioca. Fazem uma bolinha com a mistura e utilizam-na como isca. O peixe come a isca e logo aparece boiando asfixiado, sendo então facilmente arpoado.
Os Deni da aldeia Cidadezinha deslocam-se por grandes distâncias para pescar e coletar ovos de quelônios. Pescam por todo o rio Cuniuá até o igarapé São Luís e o rio Canaçã. Coletam ovos de quelônios nos rios Cuniuá e Canaçã durante o verão amazônico e pescam tartaruga e tracajá em excursões que duram até 08 dias, no rio Canaçã. Pegam os quelônios quando estes vão respirar, utilizando flechas com ponteira de ferro. Como a pesca é apenas para o consumo, pegam no máximo 5 tartarugas cada um.
c) Agricultura
A importância dos produtos agrícolas para os Deni se explica pelo fato de que a principal fonte alimentar de origem vegetal e de carboidratos provem da roça. Alguns roçados, divididos em roças familiares, têm até 15 hectares e, a cada ano, plantam roças novas. As áreas de roças das aldeias antigas são exploradas por até 15 anos, tanto para a coleta de frutos quanto para caçar, pois são locais de concentração de animais.
Existe uma íntima relação entre as roças antigas e a disponibilidade de caça. Segundo Pezzuti,"Os roçados são utilizados sistematicamente para plantio durante 3 anos. Vários elementos são coletados em roçados por mais anos, sendo que a caça de animais de pequeno porte (cotias, pacas, tatus) e a coleta de pupunha podem se estender por até 15 anos. O aumento na disponibilidade de caça de pequeno porte é resultado da disponibilidade de alimento para estes animais em roças antigas (...). É evidente que existe um aumento na disponibilidade de certas espécies ao redor das roças novas e velhas, e na floresta secundária em graus diferenciados de sucessão ecológica. Os Deni estão perfeitamente conscientes desta situação e planejam viagens de vários dias ou semanas para acampar, coletar e caçar nos locais onde moravam anteriormente.
É comum que se prepare nova roça no local da antiga, nos roçados adjacentes às aldeias, diminuindo a necessidade de construção de roças novas cada vez mais distantes das casas. Roças a partir de 4 anos são rebatidas, requeimadas e replantadas, em alguns casos por mais de uma vez. Este reaproveitamento ocorre quando a aldeia está localizada em uma área onde terras mais altas são escassas, e também quando existe demanda maior de roça nova para o plantio de macaxeira e mandioca. O trabalho de roçar e brocar é obviamente mais fácil do que se fosse feito na mata primária, mas por outro lado é provável que o rendimento nestas segundas e terceiras roças seja menor, devido ao esgotamento do solo, que é pobre em nutrientes.
A seguir apresento uma listagem dos vegetais produzidos nas roças dos Deni: mandioca, macaxeira, vários tipos de carás, taioba, pimenta de cheiro, pimenta malagueta, banana (onde observamos variedades denominadas tumumu, biriharu, putaharu, vesevi, napinipana, katumi, arazu, bisasa e kasia ba), ananás, cana, algodão, tabaco, tingui (vekama), urucum, pupunha, batata doce, caju, mamão, graviola, araticum, biribá, cubiu, cupuaçu, milho, abacate, tabaco (duas qualidades)"(Ibidem. p. 25-26).
O tabaco é bastante cultivado, mas não atende à demanda dos índios, pois é a base do rapé, produto extremamente apreciado pelos Deni. O rapé, de acordo com Pezzuti, é obtido, "através da mistura de folhas de tabaco pulverizado com as cinzas da casca do Pupuí, Theobroma sp., que contém a substância estimulante Teobromina (Anderson Guimarães, comunicação pessoal). Este rapé é amplamente utilizado por homens e mulheres nas diversas atividades diárias (...), e também durante a noite, antes de dormir. Pode ser inalado diretamente ou através de um inalador, o Piri, confeccionado com os ossos da ulna do macaco Humu, Ateles sp.. Pode também ser colocado na boca entre os dentes e as bochechas, ou simplesmente engolido." (Ibidem. p. 29).
Na aldeia Morada Nova existem 08 roçados, sendo que o mais antigo tem 03 anos. A primeira etapa para se fazer um roçado consiste na derrubada da mata nativa, trabalho realizado comunitariamente. Em geral, a derrubada ocorre em abril e no mês de agosto ocorre a queima e a coivara. Cerca de 02 semanas após a coivara iniciam o plantio. Na aldeia Buzina existem 13 roçados; na aldeia Itaúba, 06; na aldeia Marrecão, 10 e na aldeia Cidadezinha pelo menos 04 roçados. Na aldeia Kumarú Novo, existe apenas uma pequena roça de 01 hectare, pois ainda estão de mudança da aldeia Kumarú, onde possuem diversas roças maduras. Na aldeia Visagem, existem 07 roçados - 04 novos e 3 antigos. Os roçados familiares possuem área entre 4 e 5 hectares. O roçado da aldeia Madú Sikuri possui 1,5 hectare de área plantada com banana pacovão, mandioca, ananás, etc. Os índios da aldeia Terra Nova não plantaram roça própria, pois nos últimos anos estiveram trabalhando na extração de madeira para "brancos" do rio Juruá. Assim, são obrigados a abandonar a aldeia para colher mandioca nas roças de outras aldeias para fazer farinha.
d) Artesanato
A produção de artesanato pelos Deni não representa uma alternativa como fonte de renda, em larga medida, devido à dificuldade em se escoar a produção. Não obstante, os índios produzem diversos tipos de artesanato para uso do grupo: redes de algodão, cestaria, recipientes de barro, colares, pulseiras, anéis, esculturas em madeira, brinquedos, arcos, flechas, zarabatanas, etc. Existem diversas ceramistas no rio Cuniuá, sendo apontadas duas como as principais: Taisá, da aldeia Marrecão e Amanihú, da aldeia Cidadezinha.
e) Extrativismo
O óleo de copaíba (karumã) é um dos principais produtos comercializados pelos Deni. A maneira como é extraído, entretanto, indica que é um recurso que se tornará antieconômico, pois é cada vez mais escasso e difícil de ser obtido. Isso porque os índios extraem o óleo utilizando o machado, com o qual sulcam o caule da árvore, o que acaba ocasionando sua morte. Os índios têm noção de que a exploração é predatória e que não é a melhor alternativa. Solicitaram que a FUNAI lhes fornecesse trados (instrumento utilizado para furar o caule da árvore, por onde é coletado o óleo), de forma que a copaibeira possa ser utilizada várias vezes.
No rio Cuniuá, verificamos que o regatão denominado Raimundo Acreano (Raimundo Nonato Ferreira de Souza) havia ido buscar 23 barris de 200 litros de óleo de copaíba, o equivalente a 4.600 litros. Considerando que os engenheiros florestais calculam que cada árvore produz em média 0,5 litro de óleo, constata-se que a destruição de árvores desta espécie ultrapassa os 9.000 indivíduos. É evidente que isso irá levar ao esgotamento do recurso, caso o trado não seja adotado. Some-se a isso o preço pago pelo regatão: R$ 1,50 o quilo. Em Manaus, o preço pago pelo litro de copaíba é R$ 8,00 e em Carauari o litro valia R$ 5,00.
Existem pelo menos dois tapiris (acampamentos) no rio Canaçã que os índios das aldeias Cidadezinha, Marrecão e Visagem utilizam quando vão extrair óleo de copaíba. Tais locais são também utilizados durante as expedições de caça ou pesca. Um varadouro liga estes locais à aldeia Cidadezinha, sendo o percurso vencido em um dia de caminhada.
A extração de madeira ocorria com bastante freqüência na terra indígena e os Deni eram utilizados como mão-de-obra. Os "brancos" os ludibriavam sempre na hora do pagamento, o que fez com que os Deni se desinteressassem por essa atividade. Assim, hoje em dia a extração de madeiras ocorre sem o consentimento dos índios e mesmo contra sua vontade.
Além de trabalharem para não índios na exploração madeireira dentro da Terra Indígena Deni, alguns índios estavam trabalhando para madeireiros da foz do Tapauá no igarapé Coatá. Deixam suas famílias na terra indígena e passam meses fora, retornando depois sem dinheiro e sem mercadorias.
Os Deni coletam vários frutos silvestres, como patauá, açaí, bacaba, buriti, pupunha, etc. Diversas excursões de coleta são organizadas em diferentes épocas do ano.
A casca macerada da árvore amapá é denominada batú e é utilizada pelas mães para carregar seus bebês. A cinza da entrecasca da árvore caripé é utilizada para endurecer a argila utilizada na confecção de recipientes de barro. O tsubicutsu (caripé) é utilizado para fabricação de cerâmica, sendo a casca queimada e moída. A cinza resultante (Kununé) dá liga quando misturada com o barro.
Os Deni coletam mel. Entretanto, essa atividade não é sistemática e sua freqüência depende da disponibilidade do recurso. O mel é proveniente das seguintes espécies de abelhas: jandaira (Rizi Tereré), Abi Itsúi, arapuá (Rizi Vaká), uruçu (Rizi Vesevi), Zumahê, abelha pimenta (Abi Kashi), dentre outras.
f) Etnofarmacologia
Os Deni coletam diversas espécies de cipós e outras plantas: o veneno karatunahú, utilizado para caça (com zarabatana ou arco e flecha) é preparado a partir da mistura de dois cipós, o irrá e o bekú (Curarea tecunarum); inupupu (jurubeba), é utilizada como anestésico para dor de dente; do patsi aproveitam as raízes, que são maceradas e ingeridas na forma de chá para aliviar dor de dente. O mapidzú é anestésico local para picada de arraia; do unuvana rebeberi, utilizam as folhas em emulsão para diminuir a febre; o cipó tsudá kumani tem o mesmo uso que unuvana rebeberi, amenizar febre em criança; teterú é um pião feito com o fruto do Anthodiscus amazonicus; o Avi kuburi, em mistura da folha macerada com água provoca vômito e acaba com o desânimo; zuká é um cipó cujo mingau é ingerido até provocar vômito, deixa a pessoa que o ingere forte e "esperta"; burinú é um cipó que deixa o caçador "marupiara", com sorte na caçada. A coleta e preparação dessas plantas obedecem a critérios rígidos, de forma que possam trazer resultados benéficos para a pessoa. Os zupinehé (pajés) são os maiores conhecedores dessas plantas, o que não impede que qualquer outro Deni saiba como utilizá-las.
Os relatos dos Deni indicam que seu contato intensivo com os "cariús" (brancos) data da década de 1940. No início do contato, nas décadas de 40 e 50, os índios comercializavam peles de animais, como onça (cuja pele trocavam por uma espingarda nova na caixa e munição), lontra, maracajá, caititu, queixada, anta, jibóia e veado. Na década de 50, alguns índios já se encontravam engajados na extração de látex. Nas décadas de 60 e 70, passaram a extrair sorva e madeira e desde a década de 80 os Deni trabalham na extração de óleo de copaíba e madeiras nobres.
O contato intensivo e a conseqüente depopulação originam do fato de que, na década de 40, a borracha voltou a ser intensamente explorada, graças à demanda oriunda da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto, a região do Juruá-Purus foi literalmente "invadida" por milhares de brasileiros. Ainda na década de 80 (1985), havia várias famílias de ocupantes não-índios no rio Xeruã (31) e no rio Cuniuá (22). Destas, em 1999, restavam apenas 07 famílias no Xeruã e 01 família no rio Cuniuá.
Desde o início, as relações econômicas entre os Deni e os brancos foram marcadas pela exploração, sendo reproduzido o sistema de aviamento até os dias atuais. Neste sistema, o comerciante (patrão) vende mercadorias a prazo em troca de produtos extrativistas. Hoje em dia desapareceu a figura do patrão, sendo substituído pelo regatão. O regatão, comerciante que utiliza o barco como meio de transporte, moradia e comércio ambulante, negocia com as populações que moram em rios e igarapés do interior da Amazônia, muitas vezes sendo o único elo econômico destas pessoas com o mercado nacional.
No rio Cuniuá, o regatão foi diversas vezes apontado pelos Deni como responsável pela falta de alimentos em algumas aldeias, pois trocava produtos como sal e açúcar por farinha, pagando um valor insignificante pela farinha e cobrando valores acrescidos de até 400% por seus produtos, gerando uma dívida que os índios nunca poderiam pagar. No rio Xeruã os índios têm a possibilidade de comercializar alguns produtos na cidade de Itamarati, que fica a dois dias de viagem da aldeia Itaúba.
Diversos Deni estavam trabalhando fora da terra indígena, na extração de copaíba, madeira e outros serviços. Outros teriam ido para Manicoré, no rio Madeira. Um pequeno grupo estaria morando em Manaus.
IV PARTE - MEIO AMBIENTE
Segundo o relatório ambiental, a área indígena, "pertence à bacia hidrográfica do Solimões e é drenada por um afluente do Juruá, o Rio Xeruã, e pelo Canaçã e Cuniuá, afluentes do Tapauá, que por sua vez deságua no Purus. A Terra Indígena Deni está inserida na região que separa a bacia de drenagem destes dois grandes rios de água branca (o Juruá e o Purus). Na formação geológica prevalecem depósitos aluviais do Cenozóico, recobertos localmente por aluviões não diferenciados e por depósitos das planícies de inundação atuais. Quanto à geomorfologia, a região entre o Purus e o Juruá forma um subconjunto que integra a planície amazônica, onde predominam planícies, com áreas extensas de terraços altos. Nos interflúvios tabulares são comuns agrupamentos de palmeiras, especialmente o patauá (Projeto RADAMBRASIL, 1977).
Na região próxima da confluência com o Xeruã, encontramos um trecho do típico ecossistema de várzea, sobretudo à esquerda do Xeruã. Os terrenos são de origem holocênica, formados a partir da deposição de sedimentos provenientes da região andina e dos Escudos Central-Brasileiro. (Ayres, 1995). A área fica completamente inundada durante uma época do ano. Constitui uma planície alagável recortada por um complexo sistema de corpos de água formado por paranãs, canos, ressacas e lagos, sujeitos a profundas alterações em função da variação anual do nível da água. Durante a cheia, este conjunto torna-se um único corpo de água contínuo, preenchido pela floresta inundada. Na seca, podem-se distinguir neste conjunto diversos sistemas aquáticos de forma dendrítica, com alguns lagos e paranãs completamente isolados. As variações no relevo são conseqüência da deposição diferencial do sedimento, e determinam o período anual de alagamento da área e, consequentemente, o tipo de vegetação que se estabelece (Ayres & Johns, 1987). Nas duas margens da calha principal do Xeruã, do Canaçã e do Cuniuá, existe uma formação semelhante à de várzea, que vai se estreitando à medida em que se sobe e o próprio rio se estreita, até um ponto em que não ocorrem mais lagos, somente afluentes, pequenos igarapés.
Pode-se distinguir estações definidas para toda a região, em função do ciclo hidrológico. Durante a enchente e a cheia, existe maior quantidade de chuvas e menor amplitude térmica. Esta última aumenta durante a vazante e atinge níveis mais altos na seca, quando também se registram os menores índices de precipitação mensal (AYRES, 1995). A pluviosidade registrada para a Cidade de Carauari é de 2.600mm anuais (Projeto RADAMBRASIL, 1977)." (Ibidem. p. 09-10).
É bastante comum a prática de crimes ambientais na Terra Indígena Deni. Isto se deve, em grande parte, pela total ausência de fiscalização e assistência da FUNAI. Tampouco o IBAMA é capaz de coibir tais práticas. Todos os anos, nos meses de outubro a dezembro, dezenas de barcos pesqueiros (regionalmente conhecidos como peixeiros) concentram-se na confluência do rio Xeruã com o rio Juruá. A maior parte vem de Cruzeiro do Sul (AC), Eirunepé, Manaus e Carauari (AM). Em dezembro de 1998, constatamos a presença de 07 peixeiros no local. Apesar de alertados duas vezes, os mesmos permaneceram no local e no final do mês de dezembro de 1998, o peixeiro Francisco Arino II, de Manaus, descartou milhares de peixes (jaraqui) no rio Xeruã. Tal crime ocorreu pois ao dar o último lance antes de retornar a Manaus, o Francisco Arino II pegou grande quantidade de matrinxã; como o preço deste peixe é maior que o do jaraqui, o peixeiro descartou milhares de peixes no rio para acomodar o matrinxã em seus geleiros. A FUNAI, o IBAMA de Manaus e de Brasília e a Procuradoria da República foram informados do ocorrido, tendo a Procuradoria encaminhado denúncia à Polícia Federal para instauração de inquérito. No rio Cuniuá, o problema é parecido, dezenas de barcos peixeiros sobem o rio com o objetivo de pescar matrinxã. A pesca de espécies ameaçadas de extinção é outro problema que os Deni não conseguem coibir. As espécies mais procuradas são o peixe-boi, o pirarucu e os quelônios. Os índios começam a se organizar de forma a impedir tais crimes.
Outro crime bastante comum é a extração ilegal de madeira da terra indígena. As espécies mais cobiçadas são: andiroba, cedro, jacareúba, copaíba, louro, saboeiro, samaúma, dentre outras. O pau rosa foi intensamente explorado nas décadas de 80 e 90, o que praticamente ocasionou sua extinção na região. O regatão Raimundo Acreano retira regularmente madeira no rio Cuniuá, fato constatado pelos integrantes do G.T. em maio de 1999. Na região do rio Xeruã, a exploração é realizada principalmente por madeireiros vindos de Itamarati e Carauari. Nos rios Cuniuá e Tapauá os exploradores são oriundos da Foz do Tapauá; estes, porém, são meros intermediários dos madeireiros de Manaus, para onde toda a madeira ilegal é transportada.
V PARTE - REPRODUÇÃO FÍSICA E CULTURAL
Em 1992, ocorreu um surto de sarampo entre os Deni que resultou na morte de 67 índios no período de 12 meses. A taxa de mortalidade naquele período foi de 12%. Foram feitas várias denúncias à época, mas os problemas de saúde afligem os Deni até hoje. Nos anos subseqüentes foram identificados diversos surtos de tuberculose, pneumonia e sarampo, o que resultou no óbito de dezenas de índios e na desagregação das aldeias existentes. Apesar disso, não se tomaram providências no sentido de resolver a questão.
Consta no relatório de identificação e delimitação a relação de nascimentos em 03 aldeias localizadas no rio Xeruã nos anos de 1997 e 1998. Tal levantamento foi possível pois o CIMI iniciou um curso de treinamento de agentes de saúde indígena entre os Deni do rio Xeruã. Desde 1997, os agentes de saúde indígena controlam os nascimentos e óbitos em suas respectivas aldeias.
Devido ao altíssimo nível de mortalidade Deni, os cemitérios são muito numerosos e distribuem-se por toda a terra indígena. A forma de sepultamento obedece ao mesmo padrão em todas as aldeias: o morto é envolto em uma rede e disposto na cova, que possui cerca de 2 metros de profundidade. A rede é atada dentro da cova, que não é preenchida com terra. Por cima da cova colocam ripas feitas com tronco de paxiúba e sobre a paxiúba colocam terra. Finalmente, é construída uma pequena casa no estilo Deni sobre a sepultura.
Segundo Sahavi Deni, quando o patarahú (chefe do grupo doméstico) morre, o corpo permanece perto da residência do morto e todos o pranteiam durante 4 dias. Fazem fogo embaixo da rede para não apodrecer. Todas as aldeias vêm chorar o morto. Enterram-no perto da casa e do roçado.
Com o levantamento populacional nas 9 aldeias Deni, constatou-se a presença dos seguintes sub-grupos Deni: 1) Seruvá Kudé Deni. Povo do Xeruã, como os Deni do Cuniuá os denominam; 2) Upanavá Deni. Vieram do outro lado do rio Purus, atravessaram o Purus, depois o rio Pauni, subiram os rios Mamorea e Aruá, até alcançar o rio Cuniuá. São majoritários na aldeia Marrecão Beira Rio; 3) Bukuré Deni. Vieram do rio Aruá, afluente do Cuniuá. São majoritários nas aldeias Visagem e Kumarú Novo; 4) Kunivá Deni. Provenientes do baixo rio Cuniuá, são majoritários na aldeia Buzina; 5) Varasá Deni. Provenientes do rio Xeruã, são majoritários nas aldeias Madú Sikuri e Cidadezinha; 6) Minú Deni. Provenientes do igarapé Curabi, afluente do rio Xeruã. São majoritários na aldeia Morada Nova; 7) Katú Deni; 8) Havá Deni, povo do patauá. São majoritários na aldeia Terra Nova e na Terra Indígena Deni; 9) Tamakuri Deni. São majoritários na aldeia Marrecão-Pista de Pouso; 10) Mei Vessé Deni. Povo da taioba branca; 11) Makui Deni, são majoritários na aldeia Itaúba; 12) Zumahé Deni, povo da onça, do qual existe apenas um representante na terra indígena; 13) Putavi Deni. Também possui apenas um representante.
O casamento preferencial é matrilocal: "quando o rapaz casa vai morar na casa da mulher", afirma Hamú, patarahú da aldeia Buzina, expressando assim o ideal da matrilocalidade. Entretanto, duas de suas filhas "fugiram" para a aldeia Itaúba para se casar. Na aldeia Marrecão, um pai irritado pelo fato do seu genro não ter ido morar junto a si, levou de volta sua filha para a aldeia Cidadezinha.
O missionário Gordon Koop afirma o seguinte: "Assim que a filha se aproxima da puberdade, o homem geralmente arranja o seu casamento e o genro passa a morar na mesma casa, ou em uma casa ao lado do sogro. Durante três meses lunares, o genro nada recebe de sua mulher, além dos favores amorosos. Por outro lado, ele deve caçar, pescar, coletar frutos da floresta, e entregar tudo à sua sogra (mashudini), excetuando uma pequena porção que entrega à sua mãe. Após este período de três meses, sua mulher começa a cozinhar para ele, levando a comida no prato, como antes fazia a sogra. Então, ele passa a dividir o que caça ou pesca entre sua mulher e sua sogra, reservando uma pequena parte para sua mãe.
Geralmente, o genro mora perto do sogro no período de um ano ou mais, quando, então, trabalha com ele na maioria dos seus projetos como construção de casas ou derrubada da mata... também, ele caça e pesca juntamente com o sogro. O genro pode mudar-se para longe, desde que consiga o consentimento do sogro." (KOOP, Gordon, LINGENFELTER, Sherwood G. 1983. Os Dení do Brasil Ocidental - um estudo de organização sócio-política e desenvolvimento comunitário. Dallas: Museu Internacional de Culturas. p. 18).
Quanto à cosmologia do grupo, observou-se que as festas ocorrem com freqüência durante todo o ano, principalmente o ima amusinahá, literalmente definido como "prolongamento da boa conversa", mas é durante o verão amazônico que os Deni passam grande parte do tempo preparando e participando das festas. O verão é a época da fartura, fator fundamental para o êxito de qualquer festa ou brincadeira. Sahavi discorreu sobre a festa de verão (banivá danará), que dura até 30 dias. Os índios passam 3 meses caçando todos os dias, na preparação para a festa. Antigamente, esse tipo de festas era mais freqüente, durante a qual o chefe da aldeia conta estórias o dia todo e sua casa vive cheia de gente.
Em todas as festas, o hiridé desempenha papel fundamental. Hiridé é o cantador, todos os Deni cantam, muitos têm músicas próprias, algumas de muito sucesso. Antigamente, o zupinehé era o responsável pela cantoria. Entretanto, hoje em dia sua função pode ser desempenhada por outras pessoas. Zupinehé é o pajé, cada vez mais raro entre os Deni. Antigamente, o zupinehé tinha varias mulheres, assim como o patarahú. Imabuté é o contador de estórias, responsável em repassar a história oral. Em geral, são os homens mais idosos da aldeia. Patarahú não tem tradução literal, a mais próxima seria "chefe", entretanto, no sentido de chefe do grupo doméstico. Nos últimos anos, com a influência da FUNAI e dos missionários que atuam na região, o papel do patarahú passou a ter maior importância e hoje é sinônimo de tuxaua, ou seja, chefe.
VI PARTE - LEVANTAMENTO FUNDIÁRIO
Foram identificadas 10 ocupações de não-índios na Terra Indígena Deni, segundo o relatório fundiário, anexado ao Processo FUNAI/BSB N.o 003975/85. O levantamento fundiário contou com o acompanhamento técnico do IFAM e da SUHAB.
A Madereira WTK/AMAPLAC, a Serraria Moraes Ltda, o Sr. Mário Jorge Medeiros de Moraes e o Sr. Oswaldo Stecca não possuem nenhuma benfeitoria na Terra Indígena, portanto, não foram preenchidos LVAs em seus nomes. No rio Xeruã constatamos a presença de placas de propriedade em nome do Sr. Oswaldo José Stecca, seringal Santa Fé, afixadas dentro dos limites da terra indígena. Não existem quaisquer benfeitorias no local e, segundo Sahavi, patarahú da aldeia Morada Nova, toda a "propriedade" está inserida em uma reserva de mogno. A localização do seringal Santa Fé indica que o mesmo encontra-se sobreposto ao imóvel rural "Itabaiana" da Serraria Moraes Ltda. O responsável pela colocação das placas foi o Sr. Manoel Paulino, da cidade de Itamarati.
QUADRO DEMONSTRATIVO DE OCUPANTES NÃO ÍNDIOS

No de Ordem Nome do Ocupante Localidade Reside no Imóvel? Tempo de Ocupação (anos) Área do Imóvel na TI (ha)

01 Antônio Felinto da Costa Santa Maria, md. rio Xeruã Sim 25 02

02 João Batista Filho Margem esquerda, rio Xeruã Sim -------- --------

03 José Matias Coresma Igarapé do Zeca Belo, rio Cuniuá Sim 25 200

04 Jurandir Ferreira da Silva Boa Vista, me. rio Xeruã Não 00 120

05 Letícia M. Nascimento Três Bocas, md. rio Xeruã Sim 09 200

06 Liázio Marques Bezerra Patauá, me. rio Xeruã Sim 01 02

07 Manoel Jesus Araújo Aldeia Itaúba Sim 02 0,5

08 Raimundo M. da Silva Três Bocas, me. rio Xeruã Sim 09 100

09 Silvan da Silva Lopes Margem direita do rio Xeruã Sim 05 02

10 Valdecy Paulino Silva Seringal Tambaqui, md. rio Juruá Sim 04 01

11 Mário Jorge M. Moraes Seringal Jacarecyca Não 00 160.480

12 Mário Jorge M. Moraes Seringal Marary Não 00 98.935

13 Serraria Moraes Ltda Seringal Itabaiana Não 00 322.357

14 Serraria Moraes Ltda Seringal São Romão Não 00 195.394

15 WTK/AMAPLAC me. rio Cuniuá Não 00 --------

16 Oswaldo José Stecca Seringal Santa Fé Não 00 412.000

VII PARTE - CONCLUSÃO E DELIMITAÇÃO
O presente relatório demonstra a tradicionalidade da ocupação da terra indígena pelos índios Deni. Esse grupo sofreu um decréscimo populacional intenso, principalmente a partir de 1940, com a intensificação do contato com as frentes extrativistas, o que levou à desarticulação e posterior reorganização de diversos sub-grupos Deni. A reprodução física e cultural dos índios Deni foi ameaçada e, no início da década de 1990, esta sociedade indígena alcançou o pico máximo de depopulação. Medidas emergenciais e bastante simples, como a vacinação contra sarampo, foram tomadas e iniciou-se uma lenta recuperação do grupo na última década. Não obstante, os Deni ainda enfrentam sérios problemas na área de saúde, contando apenas com o apoio eventual de organizações não governamentais (ONGs) e governamentais, como a FUNASA. Urge que a FUNAI tome algumas medidas para garantir a sobrevivência deste grupo e que seja mais atuante na região dos rios Cuniuá e Xeruã.
Os limites da TI Deni, conforme mapa e memorial descritivo a seguir, têm como pontos básicos: ao norte/leste, o limite é a margem esquerda do rio Canaçã, local de caça, pesca e coleta; à leste, a TI Deni confronta-se com a TI Zuruahá, já demarcada e com quem mantêm relações sócio-culturais; ao sul, o limite é o divisor de águas do rio Cuniuá, preservando-se as nascentes e formadores do Cuniuá, onde atualmente existem 5 aldeias, a TI confronta-se com as TIs Camadeni e Água Preta/Inari; à oeste, confronta-se com a TI Kanamari do Rio Juruá, o limite é o divisor de águas do rio Xeruã até a margem direita do rio Juruá. Quatro aldeias situam-se no rio Xeruã, imprescindível à reprodução física e cultural dos Deni.
A proposta de identificação e delimitação da Terra Indígena Deni, localizada nos municípios de Itamarati e Tapauá, Estado do Amazonas, abrange uma superfície de aproximadamente 1.530.000 hectares e perímetro aproximado de 915 quilômetros e atende a todos os requisitos estabelecidos pelo artigo 231 da Constituição Federal, Lei 6001/73, Decreto n.o 1.775 de 08 de janeiro de 1996 e Portarias n.o 239/PRES/91 e n.o 14/MJ, de 09 de janeiro de 1996. A terra indígena identificada contempla as áreas habitadas pelos Deni em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
A situação de risco em que se encontra a área recomenda que se proceda a continuidade do processo de regularização fundiária da Terra Indígena Deni, com a máxima urgência.
RODRIGO PADUA RODRIGUES CHAVES
ANTROPÓLOGO/UNESCO/FUNAI
Diretoria de Assuntos Fundiários - DAF
Departamento de Demarcação - DED
Memorial Descritivo de Delimitação
Denominação
Terra Indígena DENI
Aldeias Integrantes
Terra Nova, Morada Nova, Itaúba, Buzina, Cidadezinha,
Visagem, Marrecão, Kumaru Novo e Madú Sikuri

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