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Autor: Junior Cardeal
05 de Mai de 2023
O povo indígena karaxuwanassu é formado por indígenas que vivem na zona urbana da Região Metropolitana do Recife e é formado a partir da união das várias etnias que habitam as cidades do Nordeste, como Xukuru, Fulni-ô, Pankararu e Wassucocal, além daquelas e daqueles que nasceram fora da aldeia e querem retomar suas raízes.
Estão incluídos inclusive indígenas venezuelanos, de etnia warao, que, há alguns anos, migram para o Brasil e ocupam os centros urbanos. Unidos, representantes desses povos retomaram um território ancestral karaxuwanassu.
Segundo o censo do IBGE, realizado em 2010, a população indígena autodeclarada no Brasil era de 896.917 indivíduos, dos quais 572.083 viviam na zona rural e 324.834 indígenas habitavam áreas urbanas. Entre esses, a maior participação, 33,7%, foi encontrada na Região Nordeste, e no Recife, o IBGE aponta 3.665 indígenas residindo em áreas urbanas.
Retomada de território ancestral
Desde os primeiros dias de 2023, indígenas do povo Karaxuwanassu retomaram um território ancestral no município de Igarassu, na Estrada de Monjope. O território pertence à Prefeitura de Igarassu, e encontrava-se há vários anos em estado de abandono e sem função social.
A área conta com duas casas da época em que ali funcionava o Engenho Monjope e que, mais tarde, segundo indícios de materiais inutilizados encontrados no local, serviram de setor administrativo do Polo Empresarial Ginetta. Há também dois galpões. De resto, vasta vegetação nativa preenche todo o território.
Chegando ao local, os indígenas encontraram muitos sinais de abandono, como câmeras de segurança quebradas, cercas rompidas, enferrujadas e deterioradas pela ação do tempo, muito mato, animais de grande porte pastando livremente, entrada e trânsito de terceiros, equipamentos como caixa d'água, bomba do poço, redes elétrica e hídrica danificadas ou inutilizáveis pelo desuso.
Estudos realizados no local, baseados em evidências arqueológicas e arquivos históricos, como os da historiadora Bartira Ferraz, apontam que o território ancestral abrange 120 hectares.
São mais de 60 famílias que participam da retomada indígena e reivindicam o território para a prática de seus costumes, ritos e iniciativas sustentáveis de produção de alimentos, visando soberania alimentar, através da agroecologia e de sistemas agroflorestais.
A cacica do povo, Kyalonãn Karaxuwanassu, conta que a etnia ressurge da necessidade de um território para o povo dar continuidade à realização das suas práticas ritualísticas, garantir a plantação do próprio alimento sem uso de agrotóxicos.
Outras pautas levantadas por ela são em relação à habitação e políticas públicas que promovam saúde e educação diferenciada, considerando as especificidades indígenas. Segundo a cacica, o povo busca retomar o território ancestral como forma de reparação histórica, possibilitando a proteção e defesa da mãe Natureza, tornando ela sujeito de direito.
Luta judicial pela retomada
No dia 01 de janeiro de 2023 o povo karaxuwanassu ocupou o território e iniciou a produção das ocas e estruturas de roçado. No dia 06, lideranças se reuniram com a prefeitura de Igarassu para uma negociação relativa à permanência dos indígenas no Território Marataro Kaeté, por eles retomado.
Estavam presentes na reunião, ao lado dos indígenas, representantes do Conselho Indigenista Missionário, da Cáritas Brasileira Regional Nordeste II, da Cáritas Arquidiocesana de Olinda e Recife, além da deputada estadual Joelma Carla (PSOL-PE) e do o bispo Dom Limacêdo e o frei Miguel de Igarassu.
Segundo lideranças do povo Karaxuwanassu, antes da entrada para a reunião seus celulares foram confiscados, assim como os dos demais presentes, e no decorrer da conversa, foi informada a solicitação de reintegração de posse imediata, realizada previamente pela prefeitura, incluindo a emissão de decisão favorável à reintegração, deixando todas as pessoas presentes bastante surpresas.
Visto que a prefeitura solicitou a reintegração de posse antes mesmo da reunião ser marcada e sem aviso prévio aos indígenas, o mandado de reintegração de posse imediata do território foi expedido no dia 09 de janeiro, três dias após a reunião, considerando que a prefeitura agiu judicialmente antes do diálogo ser marcado com as lideranças e órgãos apoiadores.
Segundo Daniel Ribeiro, advogado e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Regional Nordeste), ao fim da reunião com a prefeitura de Igarassu houve um acordo para não dar andamento ao despejo dos indígenas, até que uma nova audiência seja realizada - desta vez com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), com o ministério dos Povos Indígenas e com o governo do Estado de Pernambuco.
Na manhã de 14 de janeiro a reintegração de posse foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, através da Defensoria Pública, que entendeu que o juiz de primeiro grau não considerou diversos aspectos jurídicos.
Decisão ilegal daria reintegração de posse
O desembargador percebeu que o juiz de primeiro grau descumpriu com algumas normativas, como as do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. Estas normativas dizem respeito a uma série de requisitos que devem ser observados pelo sistema de justiça em situações de reintegração de posse em ocupações coletivas, visando a seguridade das comunidades em situação de vulnerabilidade.
A chamada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 828) cita uma série de medidas a serem cumpridas, como a instalação imediata, por parte dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, de comissões de conflitos fundiários para servir de apoio operacional aos juízes.
Prevê ainda a realização de inspeções judiciais e audiências de mediação pelas comissões de conflitos fundiários, sendo estas necessárias e devendo acontecer anteriormente às ordens de desocupação coletiva.
Tais audiências devem contar com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública dos locais em que estiver estruturada, e, quando necessário, dos órgãos responsáveis pela reforma agrária e urbana da União, Estados, Distrito Federal e Municípios onde se situe a área de conflito.
Outra normativa descumprida foi em relação às medidas administrativas que possam resultar em remoções coletivas de pessoas vulneráveis, que devem ser realizadas mediante a comunicação prévia e escuta dos representantes das comunidades afetadas
A lista de previsões legais descumpridas é grande. Deve haver um prazo mínimo razoável para desocupação da população envolvida, e garantir o encaminhamento das pessoas em situação de vulnerabilidade social para abrigos públicos ou garantir outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia.
Com a entrada da FUNAI, o processo jurídico passou da instância municipal para a instância federal, e teve seu prazo prorrogado até que o órgão federal apresentasse representação.
No dia 17 de abril, a Aldeia Indígena Marataro Karaxuwanassu recebeu a visita de procuradores e técnicos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), atendendo à reivindicação por uma reunião com o órgão. O encontro promoveu avanços no processo de retomada do território.
Entrada da FUNAI no caso muda situação dos indígenas
Segundo a FUNAI, a etapa de reconhecimento do território passou de "reivindicação" para "qualificação". Isso representa uma nova fase de análise, em que serão colhidos mais detalhes do povo, modo de organização e suas demandas, possiblitando a conquista de novas políticas públicas, além do território.
A luta dos Karaxuwanassu é também por direito à educação e saúde diferenciadas, atendendo às necessidades dos povos originários, com uma escola que possibilite o ensino das diversas línguas faladas na Aldeia Marataro Karaxuwanassu.
Algumas delas são o brobo (língua nativa), tupi antigo, warao, guarani kaiowá, português, espanhol, entre outras. Além disso, os sistemas agroflorestais são bastante defendidos, sendo um dos mais eficientes em sequestro de carbono e combate às mudanças climáticas. Os indígenas querem produzir seu próprio alimento, mantendo a floresta de pé e reflorestando áreas que foram degradadas.
Sem processo ainda protocolado, mas acordado informalmente, a FUNAI entrou na história, reconhecendo o povo Karaxuwanassu como sujeitos indígenas de direito.
Situação da ocupação hoje
Enquanto aguardam o andamento dos trâmites judiciais e a etapa de qualificação da FUNAI, os indígenas do povo Karaxuwanassu se organizam em estratégias de conscientização e fortalecimento da luta através da promoção de eventos, com o objetivo de alcançar visibilidade do poder público e sociedade civil.
Durante o mês de abril acontece o Abril Indígena no Território Marataro Kaeté, com programações semanais, sempre aos sábados. Envolve rodas de conversa, cine-debates e oficinas com coletivos, organizações e cientistas sociais, de forma a fortalecer os vínculos e promover o conhecimento da cultura indígena com temáticas ambientais e sociais.
De acordo com Klarimen Karaxuwanassu (Raiza Alice), advogada do povo karaxuwanassu, "a qualificação da FUNAI, somada ao pedido de deslocamento do processo para a instância federal, vai virar o rumo do processo para, de fato, efetivarmos a reserva indígena e retomar os direitos dos ancestrais".
Ângelo Bueno, missionário do Conselho Indigenista Missionário - Nordeste, que acompanha e assessora povos indígenas de Pernambuco desde 1978, no dia 01 de janeiro o Conselho foi informado sobre a retomada no território e representantes foram ao local com o intuito de entender as demandas.
"Achamos muito importante que o povo Karaxuwanassu tenha retornado a uma aldeia antiga do povo kaeté, e que pudessem então reviver a comunidade indígena, ao qual eles sempre pleitearam, para que eles possam suprir necessidades de segurança alimentar, de moradia e, principalmente, o exercício da cidadania diferenciada. Eles sempre tiveram dificuldade de fazer seus rituais livremente, sem sofrer nenhum tipo de gozação, tiração de onda, de quem passasse", analisa Ângelo Bueno.
Mito fundador do povo Karaxuwanassu
O pajé Juruna, do povo Karaxuwanassu, conta que eles surgiram através de mensagens dos encantados, que anunciaram a formação de uma nova aldeia após uma transcendência nos seus rituais de Jurema Sagrada Indígena, religião praticada na Aldeia Marataro Karaxuwanassu.
"Naw, no mundo dos encantos, recebeu de seu pai Maré as sementes da sabedoria, e seria responsável de levar as boas novas para os homens. A Raposa Vermelha soube dessa missão e logo tramou em roubar as sementes", conta o pajé.
Conseguindo roubar as sementes de Naw, a Raposa logo foi ao grande pai Maré dizendo "a semente que o senhor deu para o seu filho, ele não deu valor, o que vai fazer quanto a isso?".
O grande pai Maré permaneceu em silêncio e mandou que chamassem seu filho. Naw foi ao encontro de seu pai, que o mandou para o mundo dos homens. Naw, agora, só tem a sua irmã Mairá, sábia e guerreira, que sempre lhe dava os conselhos.
"As sementes foram espalhadas, agora você que irá semear, pois eles estão em vários troncos e que agora chegou a hora de unir o seu povo que estava espalhado, sem rumo e sem história, o povo Karaxuwanassu".
"Ele é composto por indígenas Karapoto, Xukuru, Kariri e Wasukokal, o grande povo Karaxu", enumera o Pajé.
A FUNAI protocolou, na última terça-feira, 3, o processo apresentando o interesse no caso e solicitando o repasse de todo o caso para a Justiça Federal.
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