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Povo Cinta Larga relata problemas e rechaça acusações dos invasores de sua terra

Coiab-Manaus-AM
Autor: NACOÇA PIU CINTA LARGA
16 de Nov de 2003

O Povo Cinta Larga, durante a visita do relator nacional de direitos humanos e meio ambiente, Jean-Pierre Leroy, acompanhado de outras personalidade, à aldeia Roosevelt, em Rondônia, nos dias 16 e 17 de novembro, expõe mais uma vez os seus problemas, a crítica situação deixada pelos garimpeiros, e denuncia como infundadas e mentirosas as acusações veiculadas por jornais do norte do país nas últimas semanas, segundo as quais os índios teriam assassinado alguns invasores de suas terras. As lideranças rechaçam essa campanha caluniosa promovida por todos aqueles interessados em retomar a exploração ilegal de mineiros na terra indígena. Reproduzimos, a seguir, o relato apresentado pelo líder Nacoça Piu Cinta Larga.

O relato

A Associação Pamaré do Povo Cinta Larga, na pessoa do Sr. Nacoça Piu Cinta Larga, da Aldeia Roosevelt, representada por seus lideres,vem em nome de toda a comunidade Cinta Larga, expressar os nossos sentimentos e as dificuldades por que passamos, levando a vosso pleno conhecimento a nossa realidade.

Em primeiro lugar, queremos agradecer a todos os membros que compõem esta excelsa comitiva, que tem se preocupado ao ponto de se deslocarem até a nossa comunidade, pois é de grande importância para nós a vossa presença, até mesmo porque assim sendo, poderão entender o que temos a dizer a seguir.

Há muitos e muitos anos moramos aqui, desde nossos pais, avós, bisavós....São tantos anos que nós não saberíamos dizer quanto tempo faz. Durante todo este período tivemos paz e harmonia, mas também, como todo ser humano, tivemos muitas dificuldades. Muitas vezes por falta de recursos, outras tantas por falta da devida assistência. Mas nunca desistimos ou desistiremos de nosso lugar natal. Usamos a expressão "nosso lugar" porque assim como o branco nasce, cresce e tem filhos em uma determinada cidade, pegando um grande amor por ela, assim também somos nós com a nossa terra.

Quando tivemos contato com o branco achamos que seriamos bem vindos em seu meio, mas desde a descoberta do garimpo tentamos trabalhar em comum acordo com os brancos mas infelizmente não foi possível, verificamos que enquanto trabalhávamos juntamente com os brancos, houve uma desestruturação das comunidades e uma enorme evasão de seus membros para a cidade, grandes índices de contagio por doenças sexualmente transmissíveis. Durante este período tivemos quatro interdições de trabalho para tentarmos organizar tudo, porem não deram certo as quatros tentativas. Decidimos então não mais explorar com os brancos e sim sozinhos, tirando o suficiente para nosso sustento. Esta medida nos provou ser de grande eficácia pois agora que estamos juntos, as comunidades estão se reestruturando, as lideranças estão ressurgindo.

Devido esta decisão agora estamos sendo tratados como pessoas excluídas da sociedade, pois somos vigiados por bandidos e ameaçados, não podemos nem mesmo sair da aldeia, quando precisamos comprar comida ou fazer qualquer outra coisa na cidade, nós não entendemos porque determinadas pessoas agem desta forma egoísta e desumana trazendo pavor a nossa comunidade. Há tanta malícia a ponto de desrespeitar nossos direitos.

Com a descoberta do garimpo, a situação tem se tornado em parte muito mais difícil, porque se por um lado temos a dificuldade de trabalharmos para sustentar nosso povo, por outro lado somos perseguidos como se fôssemos bandidos condenados à morte, devido não termos boa escola e um bom atendimento de saúde, temos que deixar nossos filhos na cidade, para estudarem, porque queremos que no futuro nossos filhos se tornem doutores, advogados, professores e muitas outras profissões, para que não venham a passar pelas mesmas dificuldades que estamos enfrentando neste dias.

Porém estes sonhos estão se tornando impossíveis, pois indo para a cidade para estudarem, nossos filhos sofrem perseguições e ameaças, e ao virem para a aldeia sofrem das privações oriundo da má qualidade de ensino escolar e da carência de professores qualificados.

Com relação a saúde temos também grandes dificuldades, pois estamos a centenas de quilômetros da cidade e nosso posto de saúde é de pequena estrutura, em vista das necessidades, pois caso haja alguma emergência não sabemos o que pode acontecer tanto em questão de assistência médica como de transporte emergencial.

Certa ocasião tivemos um acordo como governo estadual, que nos ajudaria na parte da segurança, a princípio foram colocadas equipes policiais nas entradas das aldeias. Não sabemos por qual motivo o governo veio a retirar estas equipes, deixando-nos completamente vulneráveis. Além disto, incentivou os garimpeiros a invadirem a área indígena, nesta ocasião houve uma grande manifestação com mais de sessenta garimpeiros armados, sendo que boa parte destas pessoas entraram as escondidas na área, causando mortes e, através de calúnias, nos culpando por tais mortes.

Queremos deixar claro uma coisa; devido a não termos acessos aos limites da área, muitas vezes, ficamos sabendo que garimpeiros trabalham manualmente de forma clandestina, com isso, ao extraírem minério, matam-se uns aos outros, para furtarem entre si os minérios que exploraram clandestinamente. Quando estes garimpeiros voltam à cidade, sem a presença de seus mal fadados companheiros, rapidamente dizem que foram os Cinta Larga que os mataram. Coisa que a mídia local, mancomunada com os interesses de políticos, explora desavergonhadamente, denegrindo nossa imagem, desonrando nosso povo e fomentando o ódio dos brancos contra nossa gente. Queremos comunicar que, apesar de terem sido descobertos corpos dentro dos limites de nossas terras, não existem provas, nem circunstanciais, nem cabais, de que realmente os índios tenham cometido tais crimes. São noticias infundadas como esta que nos apavoram.

Por quatro vezes, como já foi dito, interditamos os trabalhos de exploração do minério em nossas terras, onde trabalham índios e brancos, e sempre fizemos a retirada dos brancos sem que houvesse nenhum conflito ou morte. O mesmo não aconteceu com o branco ao perceber que não mais entraria em nossas terras para explorar nossas riquezas, ficaram furiosos, fizeram manifestações, fecharam estradas federais (BR 364) e estaduais, impossibilitando o trânsito de nossa gente, a entrada de alimentos e combustíveis, fizeram (e ainda fazem) ameaças contra nossas vidas e contra a vida dos funcionários que ocupavam os postos da barreira nos limites de nossas terras.

Queremos afirmar que nós Cinta Larga não invadimos os comércios, as residências, as terras, as fazendas, não ameaçamos os filhos do branco, a vida do branco. Também queremos a garantia da integridade de vida, garantia ambiental e patrimonial. Nós, Cinta Larga, decidimos que não mais trabalhar clandestinamente, exigimos do governo brasileiro a garantia do usufruto exclusivo de nossas riquezas.

Por isso viemos através deste documento deixá-los a par de algumas de nossas dificuldades, posto que estas aqui narradas, não são todas as dificuldades por que passamos. Por isso pedimos que sejam tomadas providências imediatas no sentido de resolver estes problemas de uma vez por todas.

Precisamos de segurança para todo nós! Para que nossos filhos possam voltar às aulas, para que os mais idosos, menos experientes com a malícia dos brancos na cidade e que mal falam a língua portuguesa, possam transitar livremente pela cidade, exercendo seus direitos de cidadão brasileiro. Brasileiro verdadeiro.

Não podemos permitir atos de clareza duvidosa como as prisões preventivas que foram decretadas contra nossos filhos, fomos pegos de surpresa, fomos traídos pelas autoridades judiciais que nos negaram o direito de sermos ouvidos.

Devido todas esta situação ameaçadora e até mesmo para que tenhamos assistência em toda a área e até seus limites, precisamos de ter acesso ao transporte aéreo, para nossa própria segurança, por isso estamos pedindo o vosso apoio irrestrito, pedimos a divulgação da nossa realidade para que mentiras não povoem o imaginário das pessoas.

Mais uma vez agradecemos a vossa presença, agradecemos a FUNAI pelo seu apoio incansável e agradecemos a todos aqueles que têm compromisso com a causa indígena.

NACOÇA PIU CINTA LARGA
Presidente da Associação Pamaré do Povo
Indígena Cinta Larga

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