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Potencial desperdiçado

O Globo, Economia, p. 33-34
21 de Out de 2007

Potencial desperdiçado
Governo mantém aposta em hidrelétricas, apesar de vocação para outras energias limpas

Mirelle de França e Liana Melo

Apesar de o Brasil ter grande potencial para investir em fontes alternativas para ampliar a capacidade de geração de energia do país - e, assim, fugir do risco de apagão elétrico - o governo não pretende apostar, tão cedo, em opções que fujam do modelo tradicional, como a energia eólica. De acordo com o presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE), Maurício Tolmasquim, as usinas hidrelétricas ainda são prioridade, ao lado, em menor escala, das termelétricas movidas a bagaço de cana-de-açúcar.

- Por que não iríamos aproveitar esse potencial imenso? Até porque usamos apenas um terço de nossa capacidade de gerar hidreletricidade. Além disso, é uma energia limpa e muito mais barata - afirmou o presidente da EPE, ao ressaltar que o megawatt/hora das usinas hidrelétricas custa cerca de R$ 125, contra R$ 200 da energia produzida nos parques eólicos.

- Já existe um equilíbrio da oferta e da demanda até 2011. Até lá, a proposta é investir em co-geração via bagaço de cana. Só em novos projetos no Mato Grosso do Sul e em Goiás, estimamos uma capacidade de 3 mil MW. Posteriormente, seria a vez das hidrelétricas. A eólica, hoje, não é prioridade, talvez dentro de 20 ou 25 anos - frisou Tolmasquim, que descartou a possibilidade de leilões de energia eólica no médio prazo.

Já a energia nuclear, segundo o presidente da EPE, tem um papel fundamental na matriz energética brasileira. Para Tolmasquim, a utilização de todo o seu potencial deverá acontecer apenas quando a energia hidrelétrica se tornar escassa, por volta de 2020:
- Nossa estratégia de voltar a investir no setor tem muito a ver, também, com a necessidade de mantermos nossa capacidade tecnológica. Daí o plano de retomar Angra 3 e ainda construir novas usinas a partir de 2015.

Usinas a carvão despontam em leilão
Outra surpresa, segundo ele, é o aumento dos investimentos em usinas térmicas a carvão. No último leilão de energia nova - realizado na terça-feira passada - as usinas que utilizam esse combustível na geração foram o grande destaque, inclusive em relação aos preços, mais competitivos, girando em torno de R$ 125.

- É uma boa alternativa, que tem se mostrado competitiva. Não podemos chamar de energia 100% limpa, uma vez que não é possível evitar a emissão de gás carbônico (CO2). Mas os impactos estão cada vez mais reduzidos no que diz respeito à emissão de outros componentes como óxido de nitrogênio (NOx) e dióxido de enxofre (SO2) - explicou.

Do outro lado do balcão, os investidores parecem ter entendido os sinais do governo. Na carteira de projetos de energia elétrica do BNDES, as operações aprovadas para a construção de hidrelétricas e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) correspondem a investimentos totais de R$ 12,49 bilhões e R$ 4,88 bilhões, respectivamente, em 81 projetos. Os dados, referentes às aprovações entre 2003 e outubro deste ano, mostram, por sua vez, apenas três projetos de energia eólica, com investimentos totais de R$ 898 milhões. O destaque tem sido para a biomassa a partir do bagaço de cana, com 19 projetos que somam R$ 1,35 bilhão.

As PCHs e os projetos de cogeração de biomassa têm crescido muito. No caso das eólicas, a demanda ainda está muito devagar disse Ernesto Costa, responsável pelo departamento de fontes alternativas de energia no banco.

Com os preços do petróleo nas alturas e do gás natural batendo recordes e a crescente preocupação com o futuro da oferta de energia, a segurança energética entrou na pauta do dia e, tudo indica, para não sair mais. Só que, segundo estudiosos do assunto, o governo estaria negligenciando a vocação natural do país para as energias renováveis alternativas, como a eólica e a solar.

Devido à alta dependência em relação à energia hidráulica - que domina 75,9% da oferta nacional de energia elétrica - o país projetou para o mundo uma imagem irretocável, construída com base na sua matriz elétrica.

- Não falta projeto de energia renovável, mas sim uma estratégia clara para o setor. O governo fala em investir em fontes renováveis, como biomassa, mas não anuncia qualquer tipo de política específica para estimular o setor - critica Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coordenação dos Programas de PósGraduação em Engenharia (Coppe), da UFRJ.
Angra 3 paralisada na Casa Civil
A opção pelas hidrelétricas parece ser, segundo Pinguelli, a única escolha realmente clara na política energética do governo. Só que ele questiona se essa fonte renovável é mesmo limpa. Cada represa construída faz surgir lagos que, segundo ele, alagam terrenos de mata virgem e contribuem para a destruição da biodiversidade. As termelétricas não são ecologicamente aconselháveis, continua, já que queimam combustíveis não renováveis e emitem gases na atmosfera.

- Estão sujando a matriz energética brasileira - critica Járgdidieter Anhalt, diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Energias Renováveis (Ider), que está preocupado com a proliferação das usinas de carvão, sobretudo porque o Brasil não tem experiência na área e a legislação é pouco restritiva.

A política energética do governo será discutida no EcoPower, uma conferência internacional que vai ocorrer no Brasil em novembro. Especialistas como o físico José Goldemberg, assessor científico do encontro, está convencido de que o Brasil é um país privilegiado devido ao uso intensivo das hidrelétricas, enquanto no mundo apenas 13% da energia utilizada são renováveis.

Enquanto o mundo se move em direção as energias renováveis alternativas, o governo está preferindo as opções mais tradicionais critica Sérgio Cole, da Universidade de Santa Catarina.

O diretor da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Francisco Rondinelli, concorda em parte com as críticas e aproveita para cutucar o governo. Apesar de aprovado no Conselho de Política Energética, Angra 3 continua paralisada na Casa Civil e não tem previsão de sair de lá, o que significa que a diversificação da matriz energética não tem prazo para deixar o papel.

Energia eólica poderia atrair por ano US$ 2 bi de investimentos privados
Brasil tem potencial para gerar mil vezes mais que os atuais 200MW

Letícia Lins e Isabela Martin

O Brasil pode melhorar sua imagem ambiental no exterior, se der à energia eólica tratamento igual ao que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem dispensando aos biocombustíveis em suas andanças pelo mundo. Para isso, seria preciso apenas que o governo fizesse leilões para comprar mil megawatts (MW) anuais gerados a partir do vento. Com a iniciativa, induziria o setor privado a injetar por ano US$ 2 bilhões na economia e reduziria o risco de apagões.

A avaliação é de Everaldo Feitosa, vice-presidente da Associação Mundial de Energia Eólica, com sede em Bonn, na Alemanha. Os leilões, diz, são uma oportunidade para fazer "uma revolução movida a vento", capaz de transformar a Região Nordeste. É lá que foram identificadas as melhores condições para o desenvolvimento desse tipo de energia no país. O Brasil tem potencial para gerar 200 mil MW de energia eólica, mas a capacidade instalada atual é de somente 200MW.

- As jazidas de vento do país estão entre as melhores do mundo. Temos ventos bem comportados, enquanto as jazidas dos Estados Unidos e da Europa enfrentam ciclones e turbulências. No Nordeste temos um verdadeiro tesouro.

Feitosa lembra ainda que o Nordeste é a região do planeta com melhor complementaridade eólica-hídrica. Os meses de junho, julho e agosto, quando ocorrem as menores vazões do Rio São Francisco, coincidem com a época em que o volume de ventos é abundante na região. O Velho Chico abastece oito usinas, que respondem por 90% da energia gerada no Nordeste.

Pioneiro no país, Ceará terá mais 14 usinas até 2008
O professor acredita que a energia eólica tem preço competitivo, em comparação a novas hidrelétricas e linhas de transmissão da Amazônia. O custo do megawatt/hora da eólica, diz ele, se equipara ao da hidrelétrica, se computados os custos ambientais e sociais:
- A usina eólica não exige despejo da população, e a área pode continuar sendo usada pela agricultura.

Um dos estados que abrigam as condições mais adequadas para o desenvolvimento da energia eólica é o Ceará. Sobre seus 573 quilômetros de litoral varrem os chamados ventos "bem educados", assim classificados porque têm duas características apontadas como vantagens competitivas na produção de energia eólica: velocidade e direção constantes.

O estado foi o primeiro a instalar usinas de geração de energia a partir dos ventos em escala comercial, nos anos 90.

A produção atual de 17,4MW de seus três parques eólicos (Mucuripe, Taíba e Prainha) vai saltar para 500,53MW até 2008 quando deverão ser concluídas outras 14 usinas.

Todas as 14 usinas foram contratadas pelo Programa Federal de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), implantado em 2002, e vão consumir R$ 2,1 bilhões em investimentos. Um grupo de investidores portugueses, ligados ao Citibank, e a fabricante de equipamentos argentina Impsa estão à frente de parte das usinas. A previsão do Proinfa é de 1.400MW de energia eólica instalados no Brasil até 2008, com investimentos de US$ 3 bilhões.

Capazes de atender a 50 mil residências, as três usinas cearenses em operação foram as primeiras no mundo construídas sobre dunas móveis com o know-how e equipamentos da Wobben Windpower, subsidiária da empresa alemã Enercon, fabricante de aerogeradores de grande porte. Segundo o gerente de vendas da empresa, Eduardo Leonetti Lopes, o potencial brasileiro foi o que atraiu para o Ceará.

- No Brasil há potencial, mercado e investidores interessados. O que definirá o tamanho do crescimento nos próximos anos é a garantia de compra e tarifas atraentes - diz Lopes.

Em três anos, com a conclusão das 14 novas centrais eólicas e a viabilização de mais uma usina com potência de 60MW no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, o Ceará atingirá 577,9MW de energia eólica. Com base nesses números, o diretor de Infra-estrutura da Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece), Adão Linhares Muniz, afirma que, em 2010, o estado será auto-suficiente.
Hoje, 98% da energia consumida vêm de fora.

Ainda segundo dados oficiais, a fonte eólica vai permitir a economia de 2,1 bilhões de metros cúbicos de água por ano, e um milhão de tonelada de dióxido de carbono deixará de ser jogada na atmosfera anualmente. Também haverá uma economia de R$ 336 milhões em investimentos de geração.

Olinda à luz de vento
Turbina eólica pioneira abastece monumentos históricos

Pernambuco ainda não tem uma grande central eólica - como a do litoral do Ceará -, mas é no estado que está fincada uma torre histórica: a primeira turbina em funcionamento no país está na cidade de Olinda. Ela tem capacidade para gerar 250 quilowatts, o suficiente para iluminar todos os monumentos históricos da cidade, vizinha a Recife. Outra turbina funciona em Fernando de Noronha e responde por 10% do total da energia gerada na área.
As duas turbinas foram implantadas na última década do século passado, como demonstração, para desmistificar a tecnologia para as autoridades e para a sociedade. Ambas foram implantadas pela Universidade Federal de Pernambuco, como fonte de pesquisa e desenvolvimento dessa origem alternativa de energia, até então limitada no país apenas aos cata-ventos tradicionais, normalmente utilizados para bombeamento de água, principalmente nas regiões semi-áridas. (Letícia Lins)

O custo de cada energia

Energia hidráulica: É a que tem maior participação na matriz elétrica brasileira e também considerada a mais barata. O megawatt/ hora (MW/h) custa em torno de R$ 125.

Energia eólica: Apesar de ser considerada uma das mais caras (cerca de R$ 200 o MW/h), o preço vem sendo reduzido. É bastante utilizada na Europa e também nos Estados Unidos.

Térmica a carvão: Os preços vêm caindo, tanto no mercado interno quanto no externo. No último leilão de energia nova realizado pela EPE, o MW/h, inicialmente negociado a R$ 140, acabou sendo vendido pouco abaixo de R$ 130.

Biomassa: A energia produzida a partir do bagaço da cana tem se mostrado viável economicamente. O preço do MW/h custa entre R$ 110 e R$ 140, e a tendência é de queda.

Energia Nuclear: Está entre as mais caras, entre R$ 140 e R$ 145 o MW/h, mas especialistas acreditam em redução do preço a médio prazo.

O Globo, 21/10/2007, Economia, p. 33-34

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