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Porto Velho já teme impacto do pós-usina na economia local

Valor Econômico - http://www2.valoronline.com.br/
21 de Dez de 2011

Às vésperas de cortarem o laço que marcará o início das operações da usina de Santo Antônio, com o funcionamento da primeira turbina, os vizinhos das hidrelétricas do rio Madeira se perguntam: há vida após a morte em Porto Velho? O pico das obras civis, que chegaram a envolver mais de 40 mil trabalhadores, levando em conta os canteiros de Jirau, ficou para trás. Até 2016, uma desmobilização gradual do contingente empregado nos dois empreendimentos ganhará corpo, gerando efeitos ainda incertos no futuro da economia local.

"É provável que haja alguma desaceleração", disse ao Valor o governador de Rondônia, Confúcio Moura (PMDB). Nos dez primeiros meses deste ano, o recolhimento de ICMS - termômetro do nível de atividade - subiu 33%, liderando o crescimento da arrecadação no país. "Se a nossa economia se ajustar à média de expansão dos demais Estados da região Norte, já será muito bom."

O tamanho da desaceleração, a partir de agora, é um assunto que intriga os moradores de Porto Velho. "A nossa economia ainda não está preparada para a desmobilização dos canteiros", afirma Pedro Costa Beber, secretário municipal de Programas Especiais.

Novas obras de infraestrutura, como as eclusas, que prometem facilitar a navegação pelo rio Madeira, e um ramal de 550 quilômetros do gasoduto Urucu-Manaus, para atrair indústrias de setores como plástico e cerâmica, são frequentemente apontadas como as maiores prioridades do período pós-usinas. Só que ainda não há perspectiva, conforme o planejamento do governo federal, de saírem do papel nos próximos anos. O gasoduto sequer faz parte dos planos do Ministério de Minas e Energia.

Sinais de desaquecimento já são observados, por exemplo, no mercado imobiliário. Nos últimos cinco anos, grandes construtoras, como Gafisa, Direcional e Bairro Novo, desembarcaram em Porto Velho. Um condomínio de quatro torres de alto padrão, lançado no início de 2008, teve 200 das suas 280 unidades vendidas até três meses depois do lançamento. Um servente de pedreiro, cujos rendimentos mensais dificilmente ultrapassavam um salário mínimo quando as usinas começaram a ser construídas, hoje costuma ganhar pelo menos R$ 1 mil. "O mercado entrou em ebulição. Desde os anos 80, na época do garimpo, nunca vi tanta muvuca", comenta Cézar Zoghbi, proprietário da Zoghbi Imóveis e vice-presidente do Creci, a associação dos corretores.

O panorama, no entanto, mudou nos últimos meses. Entre 2007 e 2009, as incorporadoras lançaram mais de 10.000 unidades habitacionais, espetando no mapa de Porto Velho os primeiros arranha-céus. "Neste ano, o número de lançamentos não chegou a 2.000", compara Zoghbi. O valor dos aluguéis, inflado pela procura de profissionais vindos de outras cidades, se multiplicou desde o início das obras das usinas, mas hoje está cerca de 20% menor do que no momento de pico da demanda.

Cada uma das hidrelétricas pagará, ao longo de toda a sua construção, em torno de R$ 1,5 bilhão em salários. Boa parte do dinheiro fica em Rondônia. Quando as obras terminarem, o receio do empresariado local é que haja desaquecimento da economia. "Para cada emprego direto gerado pelas usinas, temos três ou quatro indiretos. A nossa preocupação é manter esse crescimento para absorver a mão de obra", afirma o superintendente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero), Gilberto Baptista.

Além das obras de infraestrutura e da exploração sustentável de recursos naturais (madeira com plano de manejo e beneficiamento de minérios como o estanho), Baptista vê a permanência de indústrias recém-chegadas à região como fundamentais para manter o nível de atividade. "Mesmo após o encerramento das obras das usinas, existirá no Estado sustentabilidade para um crescimento de 8% ao ano até 2020."

Uma das empresas que fincaram raízes é a Indústria Metalúrgica e Mecânica da Amazônia (IMMA), associação da Alstom com a Bardella, instalada no semivirgem distrito industrial de Porto Velho para fornecer equipamentos pesados à hidrelétrica de Santo Antônio. Em um terreno de 253 mil metros quadrados, a IMMA fez investimentos de R$ 90 milhões e hoje tem capacidade para produzir 12 mil toneladas por ano de equipamentos de levantamento e hidromecânicos.

"Viemos para ficar", define o gerente de recursos humanos da empresa, Gustavo Almeida, responsável pelo treinamento de mil pessoas desde a chegada da IMMA. Cada uma passou por 700 horas-aula de curso teórico e prático - mais de 600 foram contratadas ao fim do processo. "Hoje, 85% da nossa mão de obra é local, e pretendemos chegar a 95% até meados de 2012", diz Almeida.

Com a montagem dos equipamentos em Porto Velho, a Alstom e a Bardella planejam atender à demanda que surgir com futuros empreendimentos hidrelétricos na Amazônia. As chapas de aço vêm de siderúrgicas de Cubatão (SP) e de Ipatinga (MG), evitando o pesadelo logístico que significa o transporte rodoviário em esquema especial. E o futuro já é realidade para a empresa.

"Temos encomendas que preenchem a capacidade da fábrica por pelo menos quatro anos", comemora o executivo. Foram assinados contratos para fornecimento às usinas de Belo Monte, Teles Pires e Santo Antônio do Jari. Além disso, a IMMA espera atender a encomendas de usinas brasileiras no Peru e na Bolívia.

A Votorantim Cimentos, que instalou uma unidade em Porto Velho e destina cerca de 70% de sua produção às usinas, também continuará na cidade após a conclusão das obras. O governo de Rondônia ainda quer uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) funcionando na cidade.

Outros projetos para estimular a economia local são tocados diretamente pela União. É o caso da instalação de 50 mil tanques-rede nos reservatórios de Santo Antônio e de Jirau para o desenvolvimento da pesca em cativeiro. "A nossa ideia é ter de 4.000 a 5.000 famílias envolvidas com a aquicultura nos lagos das hidrelétricas", afirma o superintendente regional do Ministério da Pesca, Jenner Menezes. A exploração será feita em apenas 1% das águas, mediante contratos de 20 anos.

Atualmente, segundo Menezes, Rondônia produz 15 mil toneladas de peixe cultivado por ano - 95% disso é de tambaqui. A meta do governo estadual é chegar a 80 mil toneladas, mas há potencial para muito mais, garante o funcionário. "Queremos ampliar a criação de pirarucu, de pintado e de bagres em geral."

A vocação florestal de Porto Velho também é ressaltada pela prefeitura. O secretário Pedro Beber calcula que é possível obter R$ 3 bilhões por ano com planos de manejo sustentável só na reserva extrativista de Jaci-Paraná, que tem área total de 192 mil hectares. Ele estima que, explorando metade disso - com reposição permanente da mata - a um ritmo anual de 30 metros cúbicos de madeira por hectare, chega-se "facilmente" a esse valor.

O futuro da cidade pós-usinas causa angústias na população e o receio de que, como a borracha e o garimpo em décadas anteriores, tudo não passe de mais um ciclo sem legados. Por isso, o promotor Aluildo de Oliveira Leite, responsável pelo grupo instituído no Ministério Público Estadual de Rondônia para monitorar a implantação das hidrelétricas, recomenda cautela com a "ideia utópica" de que o Estado entrou em um processo inesgotável de prosperidade.

"Nós somos um laboratório para os impactos de futuros empreendimentos do governo federal na Amazônia. Hoje é difícil contratar um carpinteiro, um pedreiro ou uma empregada doméstica em Porto Velho, tamanho o movimento causado pela construção das usinas. Mas, e depois? Não vejo a atração de empresas em número suficiente para empregar tanta gente quando as obras terminarem."

Nos canteiros, operários alternam otimismo e incerteza

Por De Porto Velho

Os canteiros de obras da hidrelétrica de Santo Antônio são também uma usina de planos para trabalhadores que vivenciaram oportunidades únicas nos últimos anos, mas veem o futuro próximo com um sentimento que alterna otimismo e incerteza. Geraldo Macedo da Silva, empregado como mecânico-montador desde o início da construção, não se arrepende de ter dado fim à experiência de dois anos como imigrante na Espanha.
De volta a Porto Velho, com um salário de R$ 2,3 mil e benefícios como plano de saúde, conseguiu fazer no "novo eldorado" o que a vida no Velho Mundo não lhe permitia: economizar o suficiente para erguer uma casa com três quartos e churrasqueira com acabamento de mármore. "E ainda estou colocando o portão eletrônico."
Para o mecânico, é engraçado ter encontrado prosperidade justamente de onde havia saído, a fim de mandar dinheiro à esposa e às duas filhas. "O mundo dá tantas voltas, mas às vezes as oportunidades estão tão perto da gente e você não percebe", filosofa Geraldo. Ele teme que, quando as obras da hidrelétrica terminarem, os salários em Porto Velho caiam. Mas está seguro de que não ficará desempregado. "Rondônia é a bola da vez. Tenho certeza de que muitas empresas vão se instalar aqui."
Nos canteiros de Santo Antônio, 83% dos trabalhadores são da própria região. Um projeto de qualificação profissional da Odebrecht, com investimento de R$ 30 milhões, formou 47 mil pessoas. Boa parte delas ganhou experiência nas obras e hoje é disputada no mercado local, pela indústria ou pela construção.
O pico das obras civis foi alcançado em maio, quando mais de 16 mil trabalhadores estavam nos canteiros. Esse número já caiu para 14.000, deve encolher para 13.000 no fim de 2012 e chegar a 9.000 em 2013. Depois, a desmobilização continua, até zerar esse efetivo perto de 2016, excetuando os funcionários responsáveis pela operação e pela manutenção da hidrelétrica.
Para Antônio Cardilli, um dos executivos da Odebrecht à frente do consórcio construtor, esses trabalhadores não devem enfrentar problemas de recolocação. "O grande legado que estamos deixando é a qualificação da mão de obra. As empresas vêm procurar nossos empregados na porta da usina", afirma.
Em um lugar cuja cultura do trabalho sempre foi informal e girou em torno da diária - no garimpo, na agropecuária ou na construção -, o pagamento de salário uma ou duas vezes por mês e as responsabilidades que implica um emprego com carteira assinada foram recebidos com estranheza, inicialmente.
Os construtores de Santo Antônio se depararam com índices elevados de rotatividade, como resultado não só da oferta aquecida de vagas em outros empreendimentos, mas também pela tentação de sacar o FGTS e viver alguns meses do seguro-desemprego. Como blindagem, inspiraram-se nas companhias aéreas e criaram cartões de fidelidade para os trabalhadores, nas versões prata, ouro e diamante.
À medida que ganham tempo de casa, sobem de categoria e mais dinheiro é depositado no cartão, que pode ser usado em compras no varejo de Porto Velho. Os donos do cartão diamante, que estão há mais de 18 meses na obra, recebem um extra de R$ 200 por mês.
Na IMMA, a joint venture criada por Alstom e Bardella para fabricar localmente os equipamentos de grande porte usados nas hidrelétricas da Amazônia, até 25% do pessoal empregado faltava ao trabalho no dia seguinte ao do pagamento. A suspeita da empresa era de descontrole absoluto do orçamento familiar.
"Pensamos até em pagar os salários apenas aos sábados", conta Gustavo Almeida, gerente de recursos humanos da IMMA. A ideia foi abandonada, porque esbarrava em dificuldades no calendário financeiro. Por meio de campanhas educativas (desestimulando os funcionários a sacar todo o dinheiro no banco de uma só vez) e até de punição (quem falta sem justificativa pode perder a cesta básica), o índice de absenteísmo foi reduzido a menos de um terço do que era antes.
O fato é que, para moradores da região ou para quem foi atraído pela onda de prosperidade, nunca houve tantas oportunidades em Porto Velho. Aloísio Ferreira da Silva, cearense de Juazeiro do Norte que há seis meses vive no alojamento dos operários de Santo Antônio, diz ter hoje um salário maior do que qualquer outro ao longo dos 15 anos vividos em São Paulo. Ele recebe R$ 1,1 mil por mês, está fazendo aulas teóricas em uma auto-escola para tirar a habilitação e sonha em comprar o primeiro carro de sua vida.
Sobre o futuro, ainda não sabe se ficará em Rondônia ou irá para outra obra de hidrelétrica, assim que Santo Antônio for concluída. "Quero ficar aqui até o final. Depois, para onde Deus me levar, eu vou", diz Aloísio.
O espírito de aventura dos "barrageiros" também entusiasma profissionais com alta qualificação, como a dentista rondoniense Talessa Baptista, de 25 anos. Formada em 2008, ela viu na usina uma chance de dar um salto profissional. Das 7h às 18h, atende até 30 trabalhadores por dia. "Uns 70% nunca tinham ido ao dentista antes", relata.
Animada com a experiência, que considera a mais rica de sua carreira ainda curta, Talessa já faz planos de morar longe da família. Ela não pretende mudar-se para Cuiabá ou Manaus, como muitos jovens na região, nem para o Rio de Janeiro ou São Paulo. "Gostaria mesmo é de trabalhar em Belo Monte. Vai ser três vezes maior do que aqui e com um perfil diferente", diz Talessa. (DR)

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